Um filme de Wim
Wenders
Com Harry Dean Stanton, Nastassja Kinski, Dean Stockwell, Sam Berry, Bernhard Wicki, Aurore Clément, etc.
COR /16X9 (1.85:1)
Estreia nos EUA: 23/9/1988
Estreia em Portugal: 25/10/1984
Jane Henderson: «I... I used to make long speeches to you
after you left. I used to talk to you all the time, even though I was alone. I
walked around for months talking to you. Now I don't know what to say. It was
easier when I just imagined you. I even imagined you talking back to me. We'd
have long conversations, the two of us. It was almost like you were there. I
could hear you, I could see you, smell you. I could hear your voice. Sometimes
your voice would wake me up. It would wake me up in the middle of the night,
just like you were in the room with me. Then... it slowly faded. I couldn't
picture you anymore. I tried to talk out loud to you like I used to, but there
was nothing there. I couldn't hear you. Then... I just gave it up. Everything
stopped. You just... disappeared. And now I'm working here. I hear your voice
all the time. Every man has your voice.»
Um homem de boné vermelho, usando um fato escuro às riscas
cheio de pó, caminha como um sonâmbulo pelo deserto texano, sob um sol
abrasador. Vítima de insolação, acaba por ser socorrido numa clínica. Quem é
este homem, que o som fantasmagórico da guitarra de Ry Cooder acompanha na sua
travessia? De onde veio? Para onde vai? Aos poucos, iremos conhecê-lo melhor:
chama-se Travis, perdeu a memória, anda perdido há quatro anos, é ignorante e
estranho no mundo, como uma criança, e encontra-se mergulhado numa depressão
profunda, fruto de uma rotura familiar de contornos trágicos. A mulher, Jane,
encontra-se desaparecida depois de o ter abandonado; e o filho de 7 anos,
Hunter, encontra-se a viver com Walt, irmão de Travis, em Los Angeles. Walt
(Dean Stockwell, falecido em 2021 com 85 anos) é avisado por telefone de o
irmão ter sido encontrado, mas a caminhada deste, obsessiva, só poderá terminar
quando Travis perceber o que lhe aconteceu e tentar juntar todos os pedaços da
sua vida. Será que o irá conseguir?
Com argumento de Sam Shepard (actor falecido em 2017, com 73
anos), "Paris Texas" tem a assinatura de Wim Wenders (nascido em
1945), o realizador alemão que nos habituou, nos seus filmes, a temáticas
errantes. Influenciado pela cultura europeia e pelo cinema clássico de
Hollywood, criou "Paris Texas" à sua própria imagem: um viajante sem
bagagens à conquista de um obscuro e intocável Graal, sem qualquer desejo ou
possibilidade em integrar-se socialmente. "Paris, Texas" é uma
espécie de western imóvel, sem diligências, sem xerife, sem índios, uma viagem
ao fim do deserto tendo como cicerone um Ulisses taciturno e mudo. Retêm-se
imagens de extensões áridas, de motéis e estradas sem fim, com um objectivo
último e aleatório: a busca de uma unidade destruída.
Wenders: «Tinha, de início, a concepção de que o filme se deveria desenrolar um pouco por todos os Estados Unidos: da fronteira mexicana até ao Alasca. Sam Shephard, pelo contrário, era de opinião de que nos deveríamos limitar ao Texas; o Texas era a América em formato pequeno. Viajei então aos zigue-zagues pelo Texas, fui a toda a parte, a todos os cantos. No fim, acabei por aceitar a ideia dele. Eu tinha lido a "Odisseia" pela primeira vez em Salzburgo. Este mito já não podia, na minha concepção, tomar forma nas paisagens europeias, mas sim, decerto, no Oeste americano. A cidade de Paris, Texas - no Norte, na margem do Rio Vermelho, perto da fronteira com Oklahoma - impôs-se-nos por causa do nome. Esta colisão de Paris e Texas - estes locais corporizam, para mim, a essência da Europa e da América - cristalizou, de um só golpe, muitos elementos do argumento: o nome da cidade, Paris, Texas simboliza a cisão, o desequilíbrio de Travis. O seu pai encontrou ali a sua mãe, ele foi ali concebido. Mãe e filho sofreram com a piada favorita do pai («Conheci a minha mulher em Paris») e com o seu desaparecimento. Paris, Texas tornou-se lugar de separação. É para Travis um lugar mítico, onde ele tem que reunir de novo a sua família dispersa.»
Se Harry Dean Stanton (falecido em 2017 com 91 anos) tem aqui o papel de uma vida, o que dizer da fascinante Nastassja Kinski? Ela só aparece na terceira e última parte do filme (aos 56 minutos de filme), que é bem longo, e practicamente a sua representação circunscreve-se a um quarto. Mas o caleidoscópio de emoções com que ela nos presenteia é algo sublime e raramente visto numa tela de cinema. Nem que seja por essa longa sequência em que os dois actores têm sempre um vidro a separá-los (comunicando-se por telefone), "Paris Texas" ficará para sempre num lugar muito especial das minhas memórias cinéfilas. Wim Wenders ganharia com este filme a Palma de Ouro do Festival de Cannes e o BAFTA inglês.
ALGUMAS CURIOSIDADES:
- Filme
favorito de Harry Dean Stanton de entre todos em que participou, apesar das
suas primeiras falas serem ditas apenas aos 26 minutos do filme. Também Kurt
Cobain e Akira Kurosawa afirmaram que “Paris, Texas” era o seu filme preferido.
- Ainda em
fase de produção o filme começou por chamar-se “Motel Chronicles”.