A CONDESSA DE HONG
KONG
Um filme de CHARLES CHAPLIN
Com Marlon Brando, Sophia Loren, Sydney Chaplin, Patrick Cargill, Tippi Hedren, Angela Scoular, Margaret Rutherford, etc.
GB / 120 min / COR /
16X9 (1.85:1)
Estreia na GB: Londres, 5/1/1967
Estreia
nos EUA: 15/3/1967
Estreia
em PORTUGAL: Lisboa (cinema Mundial), 25/12/1968
Chaplin não inspira sómente
o riso, nem unicamente a simpatia, nem tão-pouco a fria admiração intelectual. Antes
de tudo, inspira-nos uma inconfessável, emocionante e incontida ternura
Simplicidade. O que há de
genial nos homens geniais é precisamente a simplicidade com que se colocam
diante do seu público, olhando-o de frente, para de seguida representarem o seu
número sem qualquer tipo de
subterfúgio. No caso particular de Chaplin,
reinventando o riso, contorcendo de gargalhadas as gargantas. Fazer, como
Picasso, de um pequenino pedaço de barro uma pomba que voe em direcção à
liberdade, ou esborratar de ternura uma tela branca, como o sabia fazer Modigliani.
Tropeçar num qualquer objecto ou debater-se furiosamente nos lençóis de uma cama, são coisas simples
que quase toda a gente consegue mostrar num écran. Diz-se mesmo que o riso é fácil.
E é-o na maioria dos casos.
Em Chaplin, contudo, o humor que daí
se extrai é simultâneamente fácil (porque
espontâneo) e complexo (na medida em que ultrapassa a mediocridade dos outros
risos fáceis). Chaplin seria,
creio bem, o único realizador capaz de dirigir “A Condessa de Hong Kong”
e fazer dela não uma comédia vulgar, mas uma película tocada pelo génio.
Contrariando o que a
grande maioria da crítica escreveu na época sobre este filme (entre outros mimos, que se tratava de uma obra
esclerosada, fora do seu tempo, indo ao ponto de a considerarem o “pior” filme da
carreira de Chaplin), há, na
verdade, mais ternura e ferocidade em qualquer plano desta Condessa do que em muitas outras obras
de esférica perfeição, onde a emoção se perde, a vida se extravia. De acordo
que esta “Condessa de Hong-Kong” tem erros de escrita, falhas de raccord
(ou seja, planos que se intercalam de forma defeituosa), transparências das
mais evidentes possíveis (a sequência na praia, toda filmada em estúdio com
fundos pintados), pedaços de outros filmes aqui introduzidos consoante a
necessidade do argumento (um dos mais clamorosos é a partida do barco do
Hawai), etc., e, no entanto..., poucas vezes sentimos tão próxima a presença de um
artista como neste filme, que se alimenta dos processos burlescos do cinema
mudo, aplicando-lhes um verniz de modernidade. Mesmo assistindo a esta obra sem
previamente conhecermos o seu autor, o nome de Chaplin seria de imediato associado a memórias antigas.
A história de “A
Condessa de Hong Kong”
(última obra de Chaplin, realizada 10 anos depois de “Um Rei Em Nova Iorque”,
numa altura em que muitos já o tinham prematuramente colocado na prateleira das
velharias) é linear e simples. Ogden Mears (Marlon Brando, em mais um registo
espantoso de comédia, provando, caso ainda fosse preciso, que o genial actor
podia interpretar na perfeição qualquer tipo de personagem que lhe pusessem à frente), embaixador
americano em viagem para Washington, onde vai tomar posse do seu lugar de
plenipotenciário na Arábia Saudita, encontra, nos seus aposentos do
transatlântico em que viaja, Natascha (Sophia
Loren), uma condessa russa que
pretende emigrar clandestinamente para os Estados Unidos. Natascha tinha
conseguido fugir da Rússia depois da Revolução de 1917, indo parar a Hong-Kong,
na altura uma colónia britânica. Ganha a vida num cabaret, prostituindo-se e dançando
com marines, “a 50 cêntimos a dança”. Por seu lado, Ogden é casado com Martha
(Tipi Hendren), e prepara-se para o
divórcio quando é nomeado embaixador. O fim do casamento passa, portanto, para
um plano secundário, em virtude das imposições do novo cargo. O aparecimento de
Natascha nos seus aposentos (mais concretamente dentro de um guarda-roupa)
apresenta-se, consequentemente, como uma ameaça latente à sua posição e à
carreira futura, pelo que terá de ser rapidamente ultrapassada. Só que a urgência inicial de Ogden, quase em desespero, de resolver o problema, vai-se esbatendo com o tempo e com a convivência intempestiva entre os dois.
“A Condessa de Hong Kong” define-se
desde logo, nas suas premissas iniciais. O filme será o que ocorre dentro
desses aposentos entre duas salas, duas portas, um armário, uma casa de banho e
duas ou três incursões no exterior. Será nesse cenário único que Chaplin irá improvisar o seu número.
Aí temos o artista num palco quase deserto fazendo sair as pombas das cartolas.
Um toque de campainha será a faísca necessária às explosões que se repetem. E a
cada explosão inventará Chaplin um
novo gag. Mas o seu humor é inimitável. A sua
prodigiosa imaginação não se limita a encenar mecânica e friamente o que quer
que seja. Chaplin ama os seus
personagens (na proporção inversa com que sempre tratou os seus actores), e
isso nota-se em cada olhar que a câmara lhes deita. Ama-os com ternura, sem
lamentos. E quando é necessário vergastar, Chaplin
não é menos brutal, como nessa sequência final em que Marlon Brando e Sophia Loren
dançam envolvendo-se com a dignidade que souberam conquistar, enquanto, à sua
volta, meia dúzia de pares, engelhados pelas convenções, arrastam os pés e
abanam, ridículos, as abas das casacas. Falando ainda de brutalidade, que dizer
do casamento que se arquitecta entre o mordomo Hudson (fabuloso Patrick Cargill) e Natascha, situação
que, nas suas múltiplas consequências, é a
mais violenta crítica à instituição que nos lembra ter assistido?
Não, Charles Chaplin, aos 77 anos de idade, ainda não estava na
prateleira das velharias (lugar que
não ocuparia nunca), porque não tinha abdicado de nada do que o tinha feito
famoso. Nos finais da sua carreira encontrávamos ainda o mesmo lirismo, a mesma
ternura, a mesma virulência, os mesmos temas, o mesmo estilo de cinema. A sua
grandeza continuava a ser a simplicidade de processos, a facilidade com que
chegava ao público, contagiando-o. Fugindo a qualquer tipo de estereotipo, Chaplin
teve a coragem de prosseguir o seu caminho, mantendo-se igual a si próprio. Na
interpretação, e deixando de lado Marlon
Brando e Sophia Loren (simplesmente
impecáveis), saliente-se Patrick Cargill
(um mordomo notável e inesquecível), Angela
Scoular (a menina da sociedade que,
«como dizia o seu pai», é uma verdadeira revelação) e Margareth Rutherford (numa excelente rábula, feita de equívocos e
mal-entendidos). “A Condessa de Hong
Kong”, único filme a cores de Chaplin (e também o único rodado em widescreen, formato com que o realizador embirrava, mas que lhe foi imposto pelos estúdios da Universal), continua a ser, quase meio século
volvido, uma comédia inteligente, por vezes delirante, aqui e ali atravessada
por laivos de génio, que urge (re)descobrir, sobretudo por parte das novas
gerações que do riso não têm outra alternativa que não seja a da actual boçalidade,
que sistematicamente invade os écrans das salas de cinema.
POSTERS
LOBBY-CARDS
CURIOSIDADES
- Apesar de Marlon
Brando sempre ter admirado Chaplin,
a relação entre ambos não foi famosa. Na sua autobiografia, Brando descreveu Chaplin como «provavelmente o homem mais sádico que conheci». Por
sua vez, o realizador diria que tinha sido quase impossível trabalhar com Brando, tendo inclusivé referido a sua
frustração por não ter podido contar com Cary Grant ou Rex Harrison. Também Sophia Loren teve uma má relação com Brando, sobretudo depois deste lhe ter
dito que ela tinha pelos no nariz, durante a rodagem de uma cena de amor.
- Na exibição nos EUA, a extensão do filme seria encurtada em cerca de 12 minutos.
- Como era usual na grande maioria dos seus filmes, também
aqui Chaplin foi o homem dos sete instrumentos: produziu, dirigiu,
escreveu o argumento e toda a partitura musical, de onde sobressaía o tema
principal. Gravado por Petula Clark com o título de “This Is My Song”, a canção
tornar-se-ia um grande sucesso, atingindo o nº 1 de vendas nos charts britânicos.
- Chaplin teve
a ideia central para este filme muitos anos antes, ainda na década de 30. Nessa altura pensava ser o
veículo ideal para Paulette Goddard, com quem se encontrava casado.
PORTFOLIO
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