PLAY TIME - VIDA MODERNA
Um filme de JACQUES TATI
Com Jacques Tati, Barbara Dennek, Rita Maiden, France Delahalle, Valérie Camille, Erika Dentzler, Nicole Ray, etc.
FRANÇA - ITÁLIA /
124 min (155) / 16X9 (1.85:1)
Estreia em FRANÇA: 16/12/1967
Estreia em FRANÇA: 16/12/1967
"Playtime" é menos um filme e mais uma tentativa de sucesso que nos pretende encorajar a ver o mundo com novos olhos. Efectivamente a obra-prima intemporal do realizador Jacques Tati tem a ver, do princípio ao fim, com mergulhar o espectador num conjunto totalmente novo de experiências sensoriais. Como nenhuma outro filme, "Playtime" tem o poder de nos fazer questionar as nossas próprias faculdades de ver e ouvir. Conhecido durante anos como um desajeitado Senhor Hulot em grandes obras como "Les Vacances de Monsieur Hulot" [1953] e "Mon Oncle" [1958], Tati era muito mais do que um clown, embora ele representasse esse papel com toda a pose.
O trabalho cómico de Tati é uma ponte entre o cinema mudo e o sonoro, entre o vaudeville e a era moderna. Mas é pela sua sensibilidade visual que melhor o recordamos. Os gags dos seus filmes não são de modo algum gags, mas estranhos e rápidos momentos que, juntos, nos dão a sensação de que o mundo está ligeiramente distorcido. Quando há bastantes desses momentos - e eles estão literalmente amontoados a cada canto da mise en scène inacreditavelmente densa da obra - começamos a perceber que eles estão ali não tanto para nos fazer rir mas para considerarmos o nosso papel como espectadores.
"Playtime" decorre numa versão fria e clínica de uma cidade futurista, e os cenários altivamente rectilíneos foram construídos a partir do solo e ficaram muito caros. "Playtime" foi um filme imensamente dispendioso - até porque foi rodado em 70 mm - e os seus lucros na bilheteira foram minúsculos, deixando Tati inactivo durante uma década após a sua estrela. Tativille é uma das grandes realizações do design do cenário - ou da megalomania, dependendo da perspectiva de cada um. O cenário tem as suas próprias estradas, sistemas eléctricos e um dos edifícios de escritórios até tinha um elevador que estava operacional. E, desde os dias do Expressionismo Alemão, nunca um cineasta conseguira tanto com a perspectiva forçada: construiu-se cuidadosamente à escala para fazer algo parecer muito mais longe do que realmente está.
O mundo de Tativille é desprovido de emoções, seco e estéril, mas Hulot, que vagueia por meio dele com um divertido alheamento, encontra ocasionalmente pequenas amostras de vida orgânica. Encontra uma vendedora de flores, por exemplo, que traz um pouco de cor àquela cidade cinzenta; e só Hulot é capaz de dar algum sentido à iluminação de rua bizarramente concebida ao comparar o seu formato com o de um pequeno bouquet. "Playtime" tem muito a dizer sobre uma modernidade fria que choca com formas de vida mais velhas e terrenas. A um determinado nível, o filme mostra como o viver da cidade moderna tem potencial para esmagar qualquer réstia de individualidade que uma pessoa possa ainda ter.
As elaboradas piadas visuais de "Playtime" são demasiado numerosas para serem contadas aqui. Basta dizer que quase todo o objecto individual da existência moderna - televisões, carros, supermercados, aeroportos, aspiradores - recebe nova vida e nova forma como objecto cómico. Todos os padrões em "Playtime" entram em ebulição na cena incrível do restaurante, que dura 45 minutos e é tão densa visual e sonoramente que repetir os visionamentos é absolutamente essencial. Mas visionamentos repetidos são simplesmente mais oportunidades de prazer. Nenhum filme oferece uma experiência de visão tão rica como "Playtime".
Ethan de Seife in 1001 Movies You Must See Before You Die, 2003
Segundo as palavras do próprio Tati, "Playtime" é «um filme que o espectador faz para si mesmo». Apelo à actividade, ao valor operacional do nosso olhar, que deve procurar as conexões necessárias entre as figuras e os objectos que atravessam a tela. É esta uma forma de reagir contra a passividade crescente da nossa civilização tecnocrática, com o predomínio de uma imagem regularmente consumida em plena apatia. Perante o carácter espectacular da nossa forma de habitarmos o mundo, Tati reage e produz um filme que exige de nós uma acção, uma intervenção permanente, uma inteligência construtiva. Por isso, a tarefa de ver Tati não é inteiramente fácil: "Playtime" é um filme longo (e na versão original ainda o era mais) e insólito, onde a linha narrativa é sempre anárquica e desnecessária, onde as personagens nunca chegam a ter contornos definidos (excepto Monsieur Hulot, mais por tradição, é certo, e mesmo assim desaparece durante imensas cenas do filme), onde o que primordialmente conta é a unidade de cada sequência organizada em torno de um lugar e do aproveitamento sistemático das sua possibilidades cómicas (espaciais e sonoras).
Paradoxalmente (ou talvez não), Tati, rejeitando a cumplicidade entorpecedora das imagens, reduz o seu filme a uma superfície para ver e ouvir. Todos os efeitos cómicos são de tipo visual ou auditivo, e nunca de tipo linguístico. A palavra quando surge é no prolongamento de uma acção, tem um valor puramente objectivo. E daí advém nova dificuldade para o espectador: estamos todos habituados a um humor que resulta em grande parte do diálogo e das situações provocadas pelo desenvolvimento do diálogo. Aqui, nada disso; Tati engendra todos os seus gags com base em mecanismos visuais ou auditivos e, por vezes, no melhor dos casos, pela integração de uns nos outros. Seria impossível descrever, enumerar, resumir, classificar ou analisar os inúmeros gags que enchem este filme. Basta dizer que a imaginação de Tati é assombrosa, que a sua exploração do espaço como combinação de vários elementos dispersos e contraditórios é extraordinária, ou ainda que a utilização de uma presença agressiva dos sons é exemplar.
Deixando cair um chapéu-de-chuva em pleno Orly («os arquitectos não previram a queda de um chapéu-de-chuva», comentou Tati em particular) ou experimentando os ruídos dos estofos das cadeiras numa sala de espera envidraçada, Tati é sempre surpreendente e invulgar. As cenas capitais são aquelas que se desenrolam no restaurante acabado de inaugurar. A destruição metódica da ordem programada, a desarmonia dos gestos e dos objectos, a disfuncionalidade de um sistema concebido apenas em termos de função, entusiasmam qualquer público do mundo, independentemente do seu maior ou menor conhecimento das leis que geram o cinema. Como expressão cinematográfica, "Playtime" aponta a presença de um autor genial: Jacques Tati. Mas uma primeira impressão é mais do que insuficiente. É preciso rever Tati. Sempre!
1 comentário:
Conheço Meu Tio do diretor....esse eu gostei muito.
O que você citou não conhecia. Vou tentar assistir.
Enviar um comentário