Nascido em Le Pecq, França, a 9 de Outubro de 1908
Falecido em Paris, França, a 4 de Novembro de 1982
|
Jacques Tatischeff nasceu a 9 de Outubro de 1908, em Le Pecq (França), onde teve uma educação privilegiada. Descendente da aristocracia russa, o seu primeiro trabalho foi ajudar o pai no negócio de emoldurar fotografias. Em adolescente foi um entusiasta do desporto e praticou rugby, ténis e boxe em vários clubes desportivos. Nos vestiários, gostava de entreter os colegas fazendo mímica e comédia. Nos anos 30 participou em peças de teatro e musicais nos teatros parisienses, alcançando grande sucesso. Foi nesta década que realizou a curta-metragem “Gai Dimanche” [1935]. Depois da II Guerra Mundial prosseguiu com a sua carreira de actor e representou pequenos papéis em dois filmes de Claude Autant-Lara, “Sylvie et le Fantôme” [1946] e “Le Diable au Corps” [1947].
Em 1947 escreveu, realizou e protagonizou a curta-metragem “L’École des Facteurs”, uma homenagem prestada aos filmes mudos dos anos 20 que contém referências a Buster Keaton e Charles Chaplin. “Jour de Fête” [1949], a sua primeira longa-metragem, foi um sucesso estrondoso e recebeu críticas muito favoráveis, tendo-lhe sido atribuído o Prémio de Melhor Realizador no Festival de Veneza. Este poderia ter sido o primeiro filme francês a cores mas, por razões técnicas, a versão filmada a cor não pôde ser usada na altura e só viria a público em 1995. Um facto curioso consiste na recusa de Tati em contratar actores profissionais, tendo preferido ensinar actores amadores.
Com a sua primeira obra iniciou-se num tipo de filme do qual nunca se conseguiria distanciar: comédias físicas sem enredo que se assemelham, por vezes, a comédias mudas dos anos 20. São comédias que quase sempre contrapõem o mundo das crianças (no qual Tati se vê reflectido) ao mundo dos adultos, incluindo piadas à burguesia e críticas à implacável marcha da tecnologia, que Tati aborda de um modo brincalhão e muito pouco político. Esse tipo de abordagem, não ofensiva, faz com que os seus filmes sejam apreciados por diferentes públicos e que ninguém se sinta insultado pela sua obra. Outra característica do seu trabalho é explorar a fundo as possibilidades cómicas do som e da imagem para chegar àquilo que constituiu a pintura mais fiel e significativa que o cinema alguma vez realizou da moderna sociedade tecnológica.
O diálogo não é usado para dar informações ao público, mas antes como se fosse mais uma forma de ruído de fundo. É a curiosa interacção entre este ruído de fundo, música e imagem que faz dos seus filmes obras únicas e intemporais. Em 1953 lançou a sua segunda longa-metragem, “Les Vacances de Monsieur Hulot”, que foi igualmente um enorme sucesso, particularmente nos EUA, e que lhe abriu as portas da fama internacional. Pessoalmente, considero "Les Vacances..." o melhor filme do cineasta. Se a perfeição existe, ela certamente que anda por estes lados. É aqui que surge o seu “alter-ego”, que iria entrar em quatro das suas seis longas-metragens: Monsieur Hulot, um homem inofensivo de meia-idade que, sem querer, provoca desastres por onde passa, sem se dar conta da confusão que gera. Hulot é um solitário que não provoca nem grandes ódios nem grandes paixões, tal como Tati.
No entanto, o traço que os distingue é o perfeccionismo do realizador que choca com o desleixo da personagem. Monsieur Hulot foi a estrela de “Mon Oncle” [1958], uma sátira sobre a influência da tecnologia na sociedade e na vida familiar. A família central vive numa casa ultra moderna em que tudo funciona através de botões automáticos. As personagens parecem e agem como se fossem máquinas. O filme foi considerado uma obra-prima pelos críticos e marcou o ponto alto da sua carreira, tendo-lhe sido atribuído o Prémio do Júri em Cannes e um Óscar nos EUA para o Melhor Filme Estrangeiro. É o primeiro filme a cores de Tati e, provavelmente, o mais popular de todos.
Em 1967 foi lançado “Playtime”, o seu projecto mais ambicioso. Tati investiu todo o seu dinheiro na produção deste filme, tendo chegado ao ponto de criar um cenário da dimensão de uma pequena cidade (mais tarde apelidada de Tativille). Os críticos não viram com bons olhos as suas tendências megalómanas e, além disso, ao banir os jornalistas de chegar perto do seu cenário, o realizador obteve muita publicidade negativa. Uma tempestade danificou Tativille, obrigando Tati a prolongar as filmagens por vários meses. “Playtime” acabou por ser um fracasso tanto a nível de crítica como a nível de público.
As dívidas contraídas na produção de “Playtime” obrigaram o realizador a parar por uns tempos. Só realizou mais dois filmes e com um orçamento muito mais reduzido: “Trafic” (1971), uma sátira sobre a relação do homem com o automóvel em que Hulot aparece pela última vez; e “Parade” [1974], um filme sobre o circo produzido para a televisão sueca. É evidente que todos os filmes de Tati se inserem num projecto ideológico ambíguo, que têm por tema essa forma de complicar a vida a que chamamos “progresso”. Sentimos isso, num plano quase físico, por um certo desconforto. Oscilando entre um pessimismo resignado e uma ternura pueril, Tati chega por vezes a incomodar. Ele próprio diz que, num mundo dominado pelo objecto técnico, pretende reencontrar «une certaine gentillesse», e Monsieur Hulot é isso mesmo, na sua amabilidade e compreensão tão desinteressadas.
Tati impôs universalmente a personagem de Hulot, que, e isso constitui a sua grande originalidade, não é cómica em si, assumindo antes um simples papel de catalisador para nos fazer ver o que têm de realmente cómico a vida quotidiana e todos os nossos semelhantes que dela fazem parte. Recordemos uma cena de "Trafic" [1971], onde um carro lançado a alta velocidade faz girar sobre si mesmo um polícia de trânsito. Nesse engarrafamento, Hulot desempenha apenas o papel de espectador de primeira fila, com o qual nos podemos indentificar, das diversas reacções dos automobilistas prejudicados: o seu único gesto verdadeiramente cómico, e que pode passar despercebido com facilidade porque é realizado discretamente na última fase da acção, é o de se benzer rapidamente ao passar em frente de um padre, este em primeiro plano, o qual para ver melhor a vela danificada a eleva no gesto típico da consagração. Este gag insólito pode resumir todo o peculiar humor de Tati, baseado no simples e geral princípio de que a comicidade está em nós mesmos, em qualquer um de nós.
Talvez Tati goste da técnica como uma criança: para brincar com ela e ver como funciona, tal como na derradeira cena de “Playtime” os automóveis giram em torno de uma praça ao ritmo de um carrossel. Contudo, a relação do homem com a técnica é sempre inadequada. E, num aspecto mais limitado, Tati reage contra a americanização da vida francesa. Hoje, que a humanidade se encontra cada vez mais apetrechada de tecnologia, numa proporção directamente inversa à sua sociabilidade, faz imensa falta um autor assim, tão genialmente diferente. Como reconhecimento da sua contribuição para o cinema, Jacques Tati recebeu o “César d’Honneur” em 1977. O seu último projecto, com o título provisório de “Confusion”, não chegou a ser terminado porque o realizador morreu entretanto, vítima de uma embolia pulmonar a 4 de Novembro de 1982 em Paris. Passaram-se 30 anos, a obra é curta (demasiado curta) mas a verdade é que Jacques Tati é, e será sempre, um marco fundamental e intemporal na História do Cinema.
FILMOGRAFIA:
1974 – Parade (TV)
1971 – Trafic / Sim, Sr. Hulot
1967 – Playtime / Play Time: Vida Moderna
1958 – Mon Oncle / O Meu Tio
1953 – Les Vacances de Monsieur Hulot / As Férias do Sr. Hulot
1949 – Jour de Fête / Há Festa na Aldeia
1 comentário:
Inesquecível Tati!
O Falcão Maltês
Enviar um comentário