Nascido em Paris, França, a 20 de Outubro de 1917
Falecido em Paris, França, a 2 de Agosto de 1973
Cineasta da ambiguidade, Jean-Pierre Melville, cujo verdadeiro nome é Jean-Pierre Grumbach - Melville é uma homenagem ao autor de Moby Dick -, nasceu em Paris em 20 de Outubro de 1917. Desde muito jovem teve oportunidade de fazer cinema em 8 mm, e, quando em 1937 decidiu dedicar-se a ele profissionalmente, tinha acumulado já uma útil experiência no campo da imagem. Entusiasmado pelo cinema norte-americano, admirador dos cineastas clássicos que «sabem contar uma história», Melville configura assim a sua qualidade de excelente técnico interessado na narrativa tradicional. Mobilizado em 1937, até 1945 não pôde exteriorizar a sério a sua inclinação cinematográfica. Mas, devido às suas ideias políticas pró-nazis, teve problemas frente ao Sindicato de Técnicos Cinematográficos, num momento de ardente patriotismo pós-bélico, situação que o obrigou a agir por sua conta e a fundar a sua própria produtora: isto valeu-lhe, mais tarde, o qualificativo de primeiro “autor” da cinematografia francesa, ao converter-se em produtor, realizador e argumentista dos seus filmes.
Os três primeiros tiveram, no entanto, textos alheios como base literária: “Le silence de la mer” (1949), de Vercors, “Les enfants terribles” (1950), de Cocteau (a instâncias do próprio Cocteau, entusiasmado pela versão que Melville fez do romance de Vercors) e “Quand tu liras cette lettre” (1953), de Deval. É a partir da sua quarta película, “Bob, le fiambeur” (1956), que inicia decididamente a descrição do seu mundo próprio: personagens marginais, que vivem de noite; seres desenraizados nos quais não reside a possibilidade do amor, mas sim a de uma amizade, geralmente não confessada, que se expressa violentamente num dado momento; homens que vivem sem esperança, buscando a morte como única solução para o absurdo de viver. Melville será, em certa medida, o poeta da repressão, expressa em sentimentos não formulados, em relações não desenvolvidas que se ficam num olhar sugestivo, em homens abandonados que só através de uma forma qualquer de violência conseguem sentir-se vivos...
Melville falará da “selva do asfalto”, após pequenas incursões em dramas fechados e íntimos (“Léon Morin, prêtre”, 1961), como resultante da sua profunda admiração pelo cinema de um Huston, onde, mais profundamente, as relações do homem com o seu meio, a virtualidade do acaso, a busca ansiosa de um mito redentor, formam uma poética exclusiva, na qual o pessimismo existencialista se mistura na tragédia. No bom thriller americano, esta apaixonada carga vital é completada por uma aguda reflexão sobre a realidade. Melville, definido como “o mais francês dos realizadores americanos e o mais americano dos realizadores franceses”, nesta exposição poética do seu conceito do mundo não ultrapassa, geralmente, um epidérmico e estilizado mimetismo.
O que nos E. U. A. se liga não só a uma tradição ambiental, como a uma sensibilidade quotidiana, em França, não se transformando numa realidade concreta, converte o thriller num produto ambíguo. Nos seus jogos de polícias e assassinos exporá não uma situação maniqueísta entre “bons” e “maus”, mas uma introspecção dos caracteres de todos eles, que quebra o esquematismo inicial. Aqueles, porém, são compostos de uma forma estereotipada, pois essa introspecção não mergulha em causas que justifiquem a sua acção; não é suficientemente profunda para que o realizador possa ser definido como um observador da realidade.
Daí a repetição contínua de situações idênticas, a ponto de o seu trabalho dos últimos anos se tornar previsível ainda antes de o conhecermos. O autor de “Le Doulos” (1962) decidiu num dado momento que só lhe interessava o cinema comercial, o tão pejorativo cinema de sucesso. Essa declaração, posteriormente apoiada pelos factos, veio surpreender os jovens da nouvelle vague, que, no empenho de encontrarem um antecedente para a sua posição, vIram nele um “autor” completo, à margem dos sistemas de produção habituais, que conseguia realizar com um orçamento muito baixo películas de excelente feitura e evidentemente pessoais.
A comercialidade de Melville («tomei o hábito de gostar. Custar-me-ia fazer uma película de que não gostasse, embora isto sempre possa suceder») surge precisa mente na base da perfeição formal das suas películas. A narrativa-tipo do cinema norte-americano sensibilizou os espectadores de todo o mundo para uma linguagem inteligível. Acompanhada esta pela grandiloquência do superficial e por uma certa ambiguidade moral, constitui-se o tríptico inevitável da comercialidade. No entanto, seria injusto não aceitar neste cineasta a possibilidade de a sua mitomania pelo mundo fantástico do bem e do maI o levar a conseguir, por vezes, títulos de considerável interesse: “Le Samouraï” (1967) é uma boa prova disso. Morreu em Paris, a 12 de Agosto de 1973, quando, em pleno êxito, alternava a realização de películas com os seus trabalhos de censor oficial do seu país.
(Diego Galán, 1973)
FILMOGRAFIA:
1972 – Un Flic / Cai a Noite Sobre a Cidade
1970 – Le Cercle Rouge / O Círculo Vermelho
1969 – L’Armée des Ombres / O Exército das Sombras (+ adaptação)
1967 – Le Samouraï / O Ofício de Matar
1966 – Le Deuxième Souffle / O Segundo Fôlego (+ adaptação)
1963 – L’Aîné des Ferchaux / Um Homem de Confiança (+ argumento)
1962 – Le Doulos / O Denunciante (+ adaptação)
1961 – Léon Morin, Prêtre / Amor Proibido (+ argumento)
1959 – Deux Hommes dans Manhattan (+ adaptação)
1956 – Bob, le Flambeur (+ argumento, + produtor)
1953 – Quand tu Liras Cette Lettre / Quando Leres Esta Carta (+ produtor)
1950 – Les Enfants Terribles (+ produtor)