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sexta-feira, novembro 18, 2011

BIO-FILMO: JEAN-PIERRE MELVILLE



Nascido em Paris, França, a 20 de Outubro de 1917
Falecido em Paris, França, a 2 de Agosto de 1973
  
Cineasta da ambiguidade, Jean-Pierre Melville, cujo verdadeiro nome é Jean-Pierre Grumbach - Melville é uma homenagem ao autor de Moby Dick  -, nasceu em Paris em 20 de Outubro de 1917. Desde muito jovem teve oportunidade de fazer cinema em 8 mm, e, quando em 1937 decidiu dedicar-se a ele profissionalmente, tinha acumulado já uma útil experiência no campo da imagem. Entu­siasmado pelo cinema norte-americano, admirador dos cineastas clássicos que «sabem contar uma his­tória», Melville configura assim a sua qualidade de excelente técnico interessado na narrativa tradi­cional. Mobilizado em 1937, até 1945 não pôde exte­riorizar a sério a sua inclinação cinematográfica. Mas, devido às suas ideias políticas pró-nazis, teve problemas frente ao Sindicato de Técnicos Cinema­tográficos, num momento de ardente patriotismo pós-bélico, situação que o obrigou a agir por sua conta e a fundar a sua própria produtora: isto valeu­-lhe, mais tarde, o qualificativo de primeiro “autor” da cinematografia francesa, ao converter-se em pro­dutor, realizador e argumentista dos seus filmes.
Os três primeiros tiveram, no entanto, textos alheios como base literária: Le silence de la mer” (1949), de Vercors, Les enfants terribles” (1950), de Cocteau (a instâncias do próprio Cocteau, entu­siasmado pela versão que Melville fez do romance de Vercors) e Quand tu liras cette lettre” (1953), de Deval. É a partir da sua quarta película, Bob, le fiambeur” (1956), que inicia decididamente a descri­ção do seu mundo próprio: personagens marginais, que vivem de noite; seres desenraizados nos quais não reside a possibilidade do amor, mas sim a de uma amizade, geralmente não confessada, que se expressa violentamente num dado momento; ho­mens que vivem sem esperança, buscando a morte como única solução para o absurdo de viver. Melville será, em certa medida, o poeta da re­pressão, expressa em sentimentos não formulados, em relações não desenvolvidas que se ficam num olhar sugestivo, em homens abandonados que só através de uma forma qualquer de violência conse­guem sentir-se vivos...
Melville falará da “selva do asfalto”, após pe­quenas incursões em dramas fechados e íntimos (“Léon Morin, prêtre”, 1961), como resultante da sua profunda admiração pelo cinema de um Huston, onde, mais profundamente, as relações do homem com o seu meio, a virtualidade do acaso, a busca ansiosa de um mito redentor, formam uma poética exclusiva, na qual o pessimismo existencialista se mistura na tragédia. No bom thriller americano, esta apaixonada carga vital é completada por uma aguda reflexão sobre a realidade. Melville, definido como “o mais francês dos realizadores americanos e o mais americano dos realizadores franceses”, nesta exposição poética do seu conceito do mundo não ultrapassa, geralmente, um epidérmico e estilizado mimetismo.
O que nos E. U. A. se liga não só a uma tradição ambiental, como a uma sensibilidade quoti­diana, em França, não se transformando numa rea­lidade concreta, converte o thriller num produto am­bíguo. Nos seus jogos de polícias e assassinos exporá não uma situação maniqueísta entre “bons” e “maus”, mas uma introspecção dos caracteres de todos eles, que quebra o esquematismo inicial. Aque­les, porém, são compostos de uma forma estereoti­pada, pois essa introspecção não mergulha em cau­sas que justifiquem a sua acção; não é suficiente­mente profunda para que o realizador possa ser definido como um observador da realidade.
Daí a repetição contínua de situações idênticas, a ponto de o seu trabalho dos últimos anos se tornar previ­sível ainda antes de o conhecermos. O autor de Le Doulos (1962) decidiu num dado momento que só lhe interessava o cinema comercial, o tão pejorativo cinema de sucesso. Essa declaração, pos­teriormente apoiada pelos factos, veio surpreender os jovens da nouvelle vague, que, no empenho de encontrarem um antecedente para a sua posição, vIram nele um “autor” completo, à margem dos sistemas de produção habituais, que conseguia realizar com um orçamento muito baixo películas de exce­lente feitura e evidentemente pessoais.
A comercia­lidade de Melville («tomei o hábito de gostar. Custar-me-ia fazer uma película de que não gostasse, embora isto sempre possa suceder») surge precisa­ mente na base da perfeição formal das suas pelí­culas. A narrativa-tipo do cinema norte-americano sensibilizou os espectadores de todo o mundo para uma linguagem inteligível. Acompanhada esta pela grandiloquência do superficial e por uma certa ambi­guidade moral, constitui-se o tríptico inevitável da comercialidade. No entanto, seria injusto não aceitar neste ci­neasta a possibilidade de a sua mitomania pelo mundo fantástico do bem e do maI o levar a con­seguir, por vezes, títulos de considerável interesse: “Le Samouraï” (1967) é uma boa prova disso. Morreu em Paris, a 12 de Agosto de 1973, quando, em pleno êxito, alternava a realização de películas com os seus trabalhos de censor oficial do seu país.
(Diego Galán, 1973)

FILMOGRAFIA:

1972 – Un Flic / Cai a Noite Sobre a Cidade
1970 – Le Cercle Rouge / O Círculo Vermelho
1969 – L’Armée des Ombres / O Exército das Sombras (+ adaptação)
1967 – Le Samouraï / O Ofício de Matar
1966 – Le Deuxième Souffle / O Segundo Fôlego (+ adaptação)
1963 – L’Aîné des Ferchaux / Um Homem de Confiança (+ argumento)
1962 – Le Doulos / O Denunciante (+ adaptação)
1961 – Léon Morin, Prêtre / Amor Proibido (+ argumento)
1959 – Deux Hommes dans Manhattan (+ adaptação)
1956 – Bob, le Flambeur (+ argumento, + produtor)
1953 – Quand tu Liras Cette Lettre / Quando Leres Esta Carta (+ produtor)
1950 – Les Enfants Terribles (+ produtor)
1949 – Le Silence de la Mer (+ adaptação, + produtor)

quinta-feira, novembro 17, 2011

LE SAMOURAÏ (1967)

O OFÍCIO DE MATAR




Um filme de JEAN-PIERRE MELVILLE


Com Alain Delon, François Périer, Nathalie Delon, Cathy Rosier, Jacques Leroy, Michel Boisrond, Catherine Jourdan


FRANÇA - ITÁLIA / 105 min / 
COR / 16X9 (1.85:1)


Estreia em FRANÇA a 25/10/1967
Estreia em PORTUGAL a 3/11/1968


«Não há solidão mais profunda do que a do samurai,
a não ser, talvez, ­a do tigre na selva.»

Em parceria com o esclarecedor plano inicial, esta epígrafe nipónica, que abre “Le Samouraï”, define desde logo o caminho solitário que o filme irá percorrer. Jeff Costello (Alain Delon, aqui no esplendor dos seus 32 anos, e num dos papeis mais marcantes de toda a sua carreira), é um assassino profissional, frio e calculista, conhecido pela sua eficácia nos meandros do crime. Encar­regado de liquidar o dono de um bar, cumpre essa tarefa como é seu hábito, isto é, a tempo e horas. Metódico e sereno, desfaz-se de todas as pos­síveis provas de culpabilidade, depois de ter prepa­rado anteriormente um álibi indestrutível. Conside­rado suspeito pela Policia, esta vê-se impotente para o acusar, não podendo utilizar contra ele outras medidas que não a de fazê-lo seguir pelos seus informadores. Espera-se uma falha, um erro, uma pequena ponta deixada a descoberto. Mas Jeff é um profissional competente, um homem que sabe do seu ofício, que não deixa nada ao acaso.
Vive num pe­queno quarto ultrapassado pelo tempo e feito eterni­dade, onde, nas horas mortas, se ouve somente o piar monótono de um pássaro (é precisamente a alteração circunstancial desse único som que o irá alertar mais tarde para a invasão do seu espaço por estranhos). Quando, porém, se encon­tra com o intermediário que o havia contratado para aquela última missão, Jeff descobre que o pretendem simples­mente liquidar. Salva-se por instinto. Acossado por todos os lados, aprenderá que mais não é do que um instrumento no seio de uma sociedade devoradora. Em seu redor os lobos degladiam-se: de um lado a Polícia, do outro os mentores do crime. Ambas as partes, todavia, olham o tigre e tentam calá-lo pelos modos mais dúbios, utilizando, da chantagem à arma­dilha, todas as chaves das vitórias fáceis. Jeff Costello está, porém, acima dessa equivalência de processos.
Executando os crimes para que o contratam, Jeff limita­ -se a levá-los até ao fim. Equilibrando os campos que se enfrentam, Jeff, o tuer profis­sional, assume (ainda que não conscientemente) a sua condição de criminoso. Discreto, impossi­bilitado de sobreviver com a última das dignidades possíveis numa sociedade corrupta, Jeff levará a sua condição de samurai até ao extremo, aniquilando-se num harakiri cujas leis Melville vai buscar a “The Left-handed Gun / O Vício de Matar” (Arthur Penn, 1958) ou a “The Last Sunset / Duelo ao Pôr do Sol” (Robert Aldrich, 1961): uma arma vazia, como vazia fora a sua vida, corno vazia é a solidão silenciosa de um samurai ou de um tigre na selva...
O thriller (ou filme negro) americano havia desde sempre influenciado a carreira de Jean-Pierre Mel­ville (1917-1973), o padrinho ou o pai espiritual da Nouvelle Vague. Foi ele o primeiro a testar, em 1946, as técnicas cinematográficas que os “jovens turcos” seguiriam nos anos seguintes. Alguns dos seus temas bá­sicos (a amizade, a perseguição, o ajuste de contas, a solidão... ) estão já presentes em obras como “Le Doulos / O Denunciante” (1962), “L’Ainé des Ferchaux / Um Homem de Confiança” (1963) e Le Deuxième Souffle / O Segundo Fôlego” (1966), que são os três filmes imediatamente anteriores a este. Le Samuraï”, talvez o melhor filme de Melville, vem no entanto conferir uma nova dimensão a essa influência.
Na verdade, a obra não pretende transpor para a Europa o modelo do filme negro americano, pois julgo nunca ter estado na intenção de Melville realizar um escorreito e vigoroso thriller. Interessava-lhe, isso sim, uma base sobre a qual pudesse construir o seu filme. Essa base foi buscá-la precisamente ao filme de gangsters, ao seu meio restrito, com leis e normas próprias, com um código ético bem definido e uma ambiência humana parti­cular. Sobre essa base irá Melville falar da solidão e do silêncio que envolve o homem, no caso um tuer eficiente e rigoroso. A história desta deambulação de um herói de tempos passados, um assassino de ética irrepreensível (no quadro dos seus esquemas valorativos, entenda-se) e de serena majestade, é toda ela uma elegia feita de silêncios prolongados e de solidão opressiva. Ressalvando as devidas distâncias, poder-se-á dizer que Melville está para o thriller americano assim como Sergio Leone está para o western - o mesmo tipo de planos, longos e belos, a escassez de diálogos (recorrendo-se apenas ao essencial – a prmieira palavra é dita apenas ao cabo de dez minutos de filme) ou a simplicidade da história contada através de meios minimalistas, aproximam inequivocamente os universos particulares de ambos os cineastas.
Com música original de François de Roubaix, e fotografia de Renri Decae, num magnífico eastmancolor de pesados e soturnos cinzentos e verdes escuros, “Le Samouraï” conta com uma notável interpretação de Alain Delon, uma figura de impene­trável serenidade. Nalgumas cenas (como, por exem­plo, quando veste a gabardina e coloca o chapéu, numa operação que constitui um verdadeiro ritual), Delon atinge um plano de invulgar subtileza e maleabilidade física. Sem Delon este filme nunca seria o mesmo, nunca teria aquela auréola muito especial que o envolve. Foi com este filme que o actor francês cimentou em definitivo o seu status de grande estrela e símbolo sexual dos sixties, que filmes precedentes como “Rocco e Seus Irmãos” (Luchino Visconti, 1960), “O Eclipse” (Antonioni, 1963) ou “O Leopardo” (outra vez Visconti, 1963) ajudaram a criar. Até uma nova marca de perfume apareceu naquele final de década – chamava-se, muito naturalmente, “Samouraï”.