Um Filme de DANIEL MANN
Com Anna Magnani, Burt Lancaster, Marisa Pavan, Ben Cooper, Virginia Grey, Jo Van Fleet, Sandro Giglio, etc.
EUA
/ 117 min / P&B / 16X9 (1.85:1)
Estreia nos EUA a
12/12/1955 (New York)
Estreia em PORTUGAL a
12/4/1956
“The Rose Tattoo” foi distinguido com 3 Óscares da Academia (Actriz Principal, Direcção Artística e Cenários a Preto e Branco, e Cinematografia a Preto e Branco) num total de 8 nomeações (as outras 5 foram nas categorias de Filme, Actriz Secundária – Marisa Pavan, Guarda-roupa, Montagem, e Música). Anna Magnani tinha sobretudo duas concorrentes de peso, Susan Hayward (em “I’ll Cry Tomorrow”, do mesmo Daniel Mann) e Katharine Hepburn (em “Summertime”, de David Lean). Por isso nunca acreditou que viesse a ganhar este primeiro e único Óscar da sua carreira pela interpretação de Serafina Delle Rose, uma viçosa viúva em período de transição amorosa, depois de perder o seu adónis siciliano e o filho que trazia no ventre, logo no início do filme.
“The
Rose Tattoo” é
um trabalho brilhante de Daniel Mann sobre
uma não menos brilhante peça de teatro de Tennesse Williams (escrita quatro anos
antes, em 1951), que também escreveu o argumento, de parceria com Hal Kanter. E
se pensarmos no personagem de Anna Magnani e no
modo soberbo como ela o interpreta, ficamos na dúvida se Williams não terá
escrito a sua peça com a actriz italiana em pensamento (já li algures que sim, e a verdade é que mais
tarde se tornaram amigos e companheiros de boémia das noites de Roma). Com
efeito, custa imaginar qualquer outra no papel de Serafina Delle Rose, mesmo uma
actriz tão talentosa como Maureen Stapleton, que lhe vestiu a pele nos palcos
da Broadway.
Marisa Pavan oferece-nos também um belo desempenho como
Rosa, a filha de Serafina, adolescente sonhadora que por vezes nos faz lembrar
a maravilhosa Natalie Wood de “Splendour in the Grass”, filme rodado seis anos
depois deste. Ainda no campo dos actores, uma referência obrigatória a Burt Lancaster que terá sido, neste filme,
a personagem mais completamente idiota de toda a sua brilhante carreira. O seu
indescritível Alvaro Mangiacavallo é o responsável directo pelos momentos mais
hilariantes do filme, dando uma réplica convincente aos dotes insuperáveis de La Magnani.
“The
Rose Tattoo” é,
na sua essência, uma comédia sobre o amor, algo raro na dramaturgia de Tennesse
Williams. Na análise da peça, S. Falk afirma que «Serafina é um retrato lírico da
camponesa italiana, sendo também a encarnação de uma crença, a afirmação do
sexo como a raiz principal de uma existência completa. A personagem encontra
beleza tanto na cama, quanto na imagem de Nossa Senhora que ela venera e renega
quando não é atendida nos seus pedidos. Ela acredita ser o sexo a única
expressão válida da vida e compreende, perfeitamente, que a paixão opõe-se à
morte, subjugando-a no desenlace da peça. Nela, os símbolos eróticos podem ser
encontrados em abundância: o bode que berra, o pardal barulhento, os ásperos
gritos de pássaros, o ruído penetrante da risada de um negro e a entrada do
luar na casa de Serafina. Esses elementos simbólicos descrevem o desejo natural
que deve prevalecer sobre a alma reprimida e solitária.»
A
propósito do título do filme, é curioso pensarmos que uma tatuagem tanto pode
representar uma cultura como a dos marinheiros que tatuam no corpo âncoras e
sereias, quanto o nível de desequilíbrio da personalidade. No presente caso, a
peça de Tennesse Williams mostra o conflito da viúva que não consegue viver o
habitual período de luto, por descobrir que o marido a traía com outra mulher,
a qual tinha de igual modo uma rosa tatuada no peito – uma espécie de pacto
infantil que “amarra” duas pessoas pelo mesmo fétiche. E quando o seu (provável) novo amante se faz tatuar com o
mesmo símbolo, na mesma zona do corpo, em vez do efeito de proximidade por ele
desejado, obtém da parte dela um recuo instantâneo, que denota o agravamento da
sua neurose.
Relembremos
agora parte de um texto que o crítico teatral Tito Lívio escreveu sobre “A Rosa
Tatuada”: «Nesta
peça existem duas figuras principais; uma a viúva, Serafina Delle Rose, que,
após a morte do marido, se enclausura na sua casa, morrendo para um mundo em
que Rosa, a filha, surge como a única ponte com os outros e o seu ex-marido,
Rosário, um homem que adorava com todas as suas forças, um "barão"
siciliano, símbolo de força, beleza e virilidade triunfantes. Curiosamente, à
semelhança do que Lorca antes fez em "A Casa de Bernarda Alba"
(1936), autor que Tennessee Williams tanto admirava, Rosário é uma personagem
fundamental mas sempre ausente. Todavia a sua sombra paira na casa em que a
urna com as suas cinzas se encontra em lugar dominante ao lado da Madonna
venerada por Serafina e onde a cama, onde celebravam cada noite os rituais de
comunhão de um amor exacerbado, é vista pela viúva como um autêntico altar.
Se há um mito que preside a esta obra, plena de símbolos como todo o teatro de Tennessee Williams, é o de Dionísios, Deus da renovação da Natureza, da sucessão das estações, da fertilidade e do amor carnal. Quando Rosário morre, o mais cruel inverno instala-se, na casa e no corpo de Serafìna como se o sol se apagasse e o dia se fizesse subitamente noite. Ficam apenas as recordações, as lembranças do passado, a celebração dos ritos funerários em sua memória e homenagem. Em que Serafina será a dedicada oficiante num catolicismo siciliano de veia popular onde a superstição e o paganismo se misturam num curioso sincretismo.
Quando, pela primeira vez, Álvaro Mangiacavallo, camionista com um impressionante físico e extraordinariamente parecido com Rosário, lhe entra casa dentro, é Dionísios reencarnado que surge em todo o seu esplendor anunciado de um novo e mais feliz renascimento. Mais ingénuo e menos corajoso que Rosário mais sensível e sentimental também (chora e comove-se com facilidade, o que não é vulgar num macho italiano), em Álvaro se inscrevem muitos dos sinais antes pertencentes a Rosário desde o soberbo tronco que Serafìna tanto admira até a idêntica profissão e a rosa que faz tatuar no peito para se parecer melhor com o ex-marido da mulher que ama e a quem entretanto faz a corte. Que só é possível porque, nesta altura, Serafina já sabe que Rosário não lhe foi fiel como antes pressupunha. O mito desfeito renova-se na figura deste novo Dionísios coroado de Rosas.
No corpo de Serafina, a primavera sucede a um penoso e
longo inverno e a árvore seca que em breve dará flores e frutos (uma rosa surge
de novo no seu peito, a rosa mística do amor fecundo) através da semente que
Rosário aí deixou. E chegamos assim ao fim de um ciclo em que o impulso da
vida, e do amor carnal (Eros) vencerá a morte, a reclusão, o luto, a ausência
(Thanatos). E Serafina poderá ser, outra vez feliz, celebrando, cada noite, o
corpo do homem amado, essa sensualidade e erotismo desinibidos tão
mediterrânicos que aliás Tennessee Williams tanto admirava por oposição ao
puritanismo hipócrita americano, fonte dos traumas, feridas e tragédias que são
um tema constante e primordial do seu teatro.»
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