De que
falamos quando falamos de cinema independente americano? Em boa verdade,
sabemos que se trata de um território que, com os anos, deixou de ter
fronteiras estáveis. Mais do que isso: mesmo não esquecendo que a maior parte
dos blockbusters de super-heróis se tornaram empreendimentos profundamente
conservadores e repetitivos, não faz sentido supor que a capacidade de inovação
e risco, inclusive no plano tecnológico, esteja arredada dos grandes estúdios
(para nos ficarmos por um exemplo próximo, lembremos as muitas maravilhas de um
título como "Gravidade", de Alfonso Cuarón).
Dir-se-ia
que os independentes se passaram a distinguir menos por qualquer linha temática
ou princípio estético, e mais pela vulnerabilidade do seu lugar no mercado.
Dito de outro modo: alguns títulos não protegidos pelo emblema de um grande
estúdio continuam a ser penalizados na sua chegada às salas escuras. Exemplo? O
magnífico "Mud / Fuga", de Jeff Nichols, revelado no Festival de
Cannes de 2012, lançado agora, cerca de um ano e meio depois, nas salas
portuguesas.
Escusado
será dizer que a distância temporal em nada diminui as qualidades dos filmes. O
certo é que, num tempo em que a aceleração dos ritmos de consumo pode ser
destruidora (e não só para o cinema...), seria uma pena que um objecto de tão
delicada inteligência não conseguisse tocar os seus espectadores potenciais.
Estamos, afinal, perante um caso exemplar de realismo cruzado com a sedução da
fábula: a aventura dos dois rapazes que criam laços de cumplicidade com um
foragido possui o fôlego dramático de um belo conto de aprendizagem. Mesmo que
o possamos considerar um genuíno produto da produção independente, as suas
raízes estão no mais puro classicismo de Hollywood.
(João Lopes
in Diário de Notícias, 27/10/2013)
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