domingo, outubro 27, 2013

AVENTURAS EM TOM CLÁSSICO

De que falamos quando falamos de cinema independente americano? Em boa verdade, sabemos que se trata de um território que, com os anos, deixou de ter fronteiras estáveis. Mais do que isso: mesmo não esquecendo que a maior parte dos blockbusters de super-heróis se tornaram empreendimentos profundamente conservadores e repetitivos, não faz sentido supor que a capacidade de inovação e risco, inclusive no plano tecnológico, esteja arredada dos grandes estúdios (para nos ficarmos por um exemplo próximo, lembremos as muitas maravilhas de um título como "Gravidade", de Alfonso Cuarón).


Dir-se-ia que os independentes se passaram a distinguir menos por qualquer linha temática ou princípio estético, e mais pela vulnerabilidade do seu lugar no mercado. Dito de outro modo: alguns títulos não protegidos pelo emblema de um grande estúdio continuam a ser penalizados na sua chegada às salas escuras. Exemplo? O magnífico "Mud / Fuga", de Jeff Nichols, revelado no Festival de Cannes de 2012, lançado agora, cerca de um ano e meio depois, nas salas portuguesas.


Escusado será dizer que a distância temporal em nada diminui as qualidades dos filmes. O certo é que, num tempo em que a aceleração dos ritmos de consumo pode ser destruidora (e não só para o cinema...), seria uma pena que um objecto de tão delicada inteligência não conseguisse tocar os seus espectadores potenciais. Estamos, afinal, perante um caso exemplar de realismo cruzado com a sedução da fábula: a aventura dos dois rapazes que criam laços de cumplicidade com um foragido possui o fôlego dramático de um belo conto de aprendizagem. Mesmo que o possamos considerar um genuíno produto da produção independente, as suas raízes estão no mais puro classicismo de Hollywood.
(João Lopes in Diário de Notícias, 27/10/2013)

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