Um filme de TERRENCE MALICK
Com Brad Pitt, Sean Penn, Jessica Chastain, Hunter McCracken
EUA / 138 min / COR / 16X9 (1.85:1)
Estreia em FRANÇA a 16/5/2011
(Festival de Cannes)
Estreia em PORTUGAL a 26/5/2011
Estreia nos EUA a 27/5/2011
Mrs. O'Brien: «There are two ways through life: the way of nature, and the way
of Grace. You have to choose which one you'll follow»
Terrence Malick, realizador e argumentista norte-americano, nascido a 30 de Novembro de 1943, realizou o seu primeiro filme aos 30 anos (“Badlands”, de 1973), a que se seguiu “Days of Heaven”, cinco anos depois. Foram começos bastante auspiciosos, dada a grande qualidade de ambas as películas, onde se vislumbrava já um inegável sentido do estético. Mas a sua carreira, em vez de descolar, acabou por entrar em hibernação, durante vinte longos anos. Sómente em 1998 se voltou a assistir a um novo filme (o decepcionante “Thin Red Line”) de quem, por essa altura, já tinha ganho o cognome de “eremita” do cinema americano. Mais sete anos de interregno até “The New World” (que não inverteu a curva descendente iniciada com o filme anterior, antes pelo contrário acentou-a, conotando-se provavelmente como o seu filme mais desinteressante) e depois quase outro tanto até este novissimo “The Tree of Life”. Ou seja, cinco filmes em cerca de 40 anos.
Não admira portanto que Malick tenha sido aguardado em Cannes com inusitada curiosidade (como se sabe o realizador gorou as expectativas gerais) Não terminado a tempo de concorrer ao Festival no ano passado, o filme, à semelhança do seu criador, resolveu de igual modo hibernar doze meses para poder agora surgir às luzes da ribalta, sustentado por uma certa mitologia em seu redor. Aposta claramente ganha, uma vez que, tal como se previa, veio a arrebatar a Palma de Ouro no passado mês de Maio. Tratou-se, portanto, como que um vencedor antecipado a que o brilhante trailer dele extraído dilatava ainda mais a probabilidade de sucesso.
Mas na verdade a promessa de um grande drama americano centrado nos anos 50 ficou-se exactamente por ali, por aquele magnífico (e enganoso) trailer. Em vez do épico anunciado fomos presenteados com mais de duas longas e cansativas horas (138 minutos no total), de um discurso impregnado de misticismo religioso. É evidente que Malick sabe como ninguém manejar a câmara de filmar e impressionar-nos pela contemplação de tanta beleza visual (foi sempre essa, aliás, a sua imagem de marca). Mas tudo tem um limite, e o que é usado em demasia torna-se maneirismo pretensioso e tem inevitavelmente o condão de cansar (e exasperar) o espectador.
Por isso, todo o prazer visual que “The Tree of Life” procura ofertar é rapidamente ultrapassado pela falta de consistência do argumento, em que as personagens não se chegam a impôr, resistindo liminarmente a qualquer empatia com o público. E é por causa dessa falta de ligação que considero este filme de Malick (mais) um projecto falhado, não tendo conseguido atingir outros objectivos que não a satisfação pessoal de um autor apenas preocupado com a sua fascinação pela natureza e com o seu misticismo religioso. E que em nome dessas paixões, não hesita em povoar o seu filme de metáforas e interrogações filosóficas (Malick foi professor de filosofia antes de iniciar a sua esporádica carreira no cinema), por onde se passeiam estrelas, planetas, medusas, cascatas ou erupções vulcânicas. Até um par de dinossauros tem direito aos seus cinco minutos de fama.
Cabe aqui referir que a evocação, aparecida em alguma crítica, de “2001: Odisseia no Espaço”, a obra-prima de Kubrick, a propósito daquela meia-hora da “criação do mundo”, não faz grande sentido e só denota julgamentos apressados e inconclusivos. Compreende-se tal tentação, até porque existem bastantes imagens que remetem directamente para o genial filme de Kubrick. Mas as semelhanças ficam-se por aí. “2001” nunca é contemplativo e, ao contrário deste “The Tree of Life”, não procura respostas no divino, antes coloca sempre o Homem como o centro do universo e de todos os seus mistérios.
Confesso que depois de tanta expectativa e sobretudo após ter visualizado aquele magnífico trailer esperava algo muito diferente, para melhor bem entendido. O que resta depois daquelas duas horas e vinte minutos de projeção é um objecto visualmente deslumbrante, filmado de um modo exemplar e tecnicamente perfeito. Mas apenas isso. Malick prova, uma vez mais, que é um muito melhor fazedor de imagens do que realizador. Ele sabe como ninguém arquitectar os planos, trabalhar as texturas com a música ou encontrar os ângulos mais estimulantes. Mas mostra-se incapaz de tornar todo o conjunto harmonioso. E dá-nos um filme que pretende falar da Vida e da Morte e de tudo o resto, mas que é incapaz de transmitir qualquer centelha de emoção. Apesar de todo o seu conceito naturalista, “The Tree of Life” não terá nunca as raízes suficientes que o façam sobreviver na paisagem do cinema.
CURIOSIDADES:
- A génese de “The Tree of Life” remonta a 1978, quando depois de filmar “Days of Heaven” Malick começou a trabalhar num projecto chamado “Q”, precisamente sobre as origens da vida na terra.
- Colin Farrell, Mel Gibson e Heath Ledger, foram alguns dos actores equacionados para o papel principal.
- O filme foi rodado no Death Valley National Park (California) e em diversos locais do Texas.
POSTERS
Transcreve-se de seguida o comentário do cineasta António Pedro Vasconcelos sobre este filme, publicado no semanário SOL, a 30 de Maio de 2011:
«“Tree of Life” é um exercício de um pretensiosismo intelectual que só se compara com alguns exercícios de video art ou com os sermões de uma igreja evangélica. Terrence Malick tem vindo a trabalhar a sua lenda com a mesma aplicação com que faz os seus filmes. O último, “Tree of Life”, esperado com impaciência em Cannes, acabou por ganhar a Palma de Ouro. Vi-o numa ante-estreia na Cinemateca e, à saída, ao fim de duas horas de projecção, cruzei-me com pessoas que levitavam, positivamente, como se tivessem acabado de viver uma experiência mística ou saído de uma sessão de espiritismo. Não consegui manifestar-lhes o meu enfado, porque, como acontece com os sonâmbulos, era perigoso tentar acordá-los.
Não conheço o suficiente a obra de Malick (ela própria escassa e rodeada de secretismo) para perceber o que os críticos chamam a evolução formal e espiritual deste eremita que nos sugere que é tocado pela graça só porque filma os seus planos em contra-luz. Mas, tal como em “Tree of Life”, o fabuloso “The Thin Red Line” devia muito ao longo e laborioso trabalho da montagem (das imagens e dos sons, da música e da voz off), graças ao qual, como em “Apocalypse Now”, outro clássico dos filmes de guerra, o filme ganhava uma forma encantatória. “The Thin Red Line” tinha um elenco de luxo, mas, sobretudo, tinha sangue, suor e lágrimas, coisa que este filme, evanescente, perdido em lucubrações místicas e numa poesia duvidosa, não tem.
Malick, que filma sem um guião definido, ao sabor da luz e da inspiração, serviu-se novamente da colaboração de actores como Brad Pitt e Sean Penn, valores seguros no box office, que o ajudaram a levar a cabo um projecto tão ambicioso. Brad Pitt e Jessica Chastain são os pais de três crianças que vivem numa pequena cidade do Texas, nos anos 50, um dos quais, o mais velho, reaparece uns anos mais tarde, já adulto, interpretado por Sean Penn, num papel cuja função nem ele próprio deve ter percebido. Há momentos no filme em que as relações entre o pai e os filhos, que oscilam entre a dureza e a ternura, e os conflitos entre o pai e a mãe, vistos pelos olhos do filho adolescente, poderiam ter o lirismo, a emoção e a justeza dos grandes filmes, se Malick aceitasse fazer disso a matéria de “Tree of Life” e se não tivesse a pretensão de nos servir quase uma hora de imagens “poéticas” do Big Bang, acompanhadas de música envolvente e de uma voz off que filosofa sobre a fé, a graça e o mistério da vida. “Tree of Life” vai ter os seus fiéis e os seus fanáticos. E eu acredito que Malick se tome a sério quando se aplica nestas cogitações e nestes maneirismos. Mas, felizmente, no meio do coro de críticos rendidos ao génio e à audácia de Malick, começam a surgir algumas vozes que se questionam, perplexas, sobre a valia de experiências como esta. Eu sou uma delas.»
8 comentários:
Caro Rato:
Estava c/ curiosidade em saber a tua opinião. Espero tenhas lido a minha pequena nota sobre o filme, ainda menos condescendente do que esta tua análise. Uma grande Bola Preta, que o filme(?) não merece mais.
Abraço
JC
Também me desiludiu e muito. Uma autêntica seca! E no entanto já vi escritas para aí algumas bajulações bacocas ao filme. Não há pachorra para certos pseudo-intelectuais que infestam alguns orgãos de comunicação. Nem cito nomes, visto serem sobejamente conhecidos.
Excelente o texto. É o que eu espero quando estou a ler sobre filmes em blogues alheios. Aproveito para perguntar: alguém ainda leva Cannes a sério? Não é uma versão europeia de Hollywood, uma Hollywood envergonhada?
Não, Enaldo. Hollywood premeia a indústria, e nunca pretendeu ou fingiu ser outra coisa. Cannes pretende premiar, fundamentalmente, o cinema enquanto arte, e portanto os seus "autores". Vários excelentes filmes têm ganho a Palma de Ouro. Estou a lembrar-me, nos últimos anos, de "Elephant" e "Pulp Fiction"). Mas, realmente, quase começam a aparecer como excepções.
Olá amigo Rato. Seria possível uma parceria ? http://www.arquivostiosam.blogspot.com
É verdade, Mallick perde-se na contemplação do bonitinho, esquecendo-se completamente que estava a fazer um filme... para o cinema. Mas apesar dos anos sabáticos mantém toda a sua coerência no modo como encara a sua profissão.
Malick tornou-se um cineasta controverso sem dúvida mas... eu gosto e não sou nada pretensioso. Concordo que os seus filmes não são fáceis, acontece(u) com outros grandes cineastas. Enfim todos aqui gostamos de cinema mas nem sempre dos mesmos filmes (músicas, livros, pintura, etc.) Normal. Diferentes culturas, diferentes gerações...
Malick tornou-se um cineasta controverso sem dúvida mas... eu gosto e não sou nada pretensioso. Concordo que os seus filmes não são fáceis, acontece(u) com outros grandes cineastas. Enfim todos aqui gostamos de cinema mas nem sempre dos mesmos filmes (músicas, livros, pintura, etc.) Normal. Diferentes culturas, diferentes gerações...
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