Reza a lenda que americano adora peito; que, enquanto brasileiro tem tara por pernas e bunda, americano quer é ver peito. A indústria de silicone acredita nesta lenda e fatura horrores. Pode ser – mas o cinema adora pernas. A primeira coisa que o protagonista e o espectador vêem, quando surge na tela a personagem de Lana Turner em “O Destino Bate à Sua Porta / The Postman Always Rings Twice”, de 1946, são as pernas – desde os pés até a metade das coxas, à mostra porque ela usa um short. Exatamente o mesmo acontece quando o protagonista e o espectador vêem pela primeira vez a personagem de Barbara Stanwyck em “Pacto de Sangue / Double Indemnity”, de 1944. São as pernas de La Stanwyck que a câmara focaliza – ela usa uma tornozeleira, que deixará louco o nosso pobre protagonista.
Mas não são as vamps, as femmes fatales dos filmes noir que têm pernas e pés fetiche. François Truffaut era absolutamente tarado por pernas. Em seu último filme, “De Repente Num Domingo / Vivement Dimanche”, de 1983, vemos os pés e as pernas de sua musa e esposa Fanny Ardant em longa seqüência, antes de vermos seu rosto lindo. Na primeira sequência de “Domicílio Conjugal”, de 1970 – linda, maravilhosa, ao som do violino forte de Antoine Duhamel –, a câmara segue, persistente, longamente, as pernas de Claude Jade.
É o plano americano invertido: no plano americano, vê-se metade do corpo da pessoa, em 99% dos casos da cintura para cima. Nos casos aqui citados, vê a metade do corpo de pouco abaixo da cintura até os pés. Claude Jade passeia pelo bairro parisiense onde mora agora, recém-casada com Antoine Doinel; faz compras; corrige as pessoas que a chamam por mademoiselle – “Mademoiselle, non – Madame”, diz e repete. E a câmara vai mostrando as pernas e os pés da atriz.
Em “O Homem que Amava as Mulheres”, de 1977, então, Truffaut deita e rola na sua paixão por pernas. Tem a desculpa de que o personagem central, interpretado por Charles Denner, é um voyeur fanático – a tal ponto que, em seu enterro, ao qual comparece imensa quantidade de mulheres, uma delas comenta que ele gostaria da visão que teria ali do caixão, olhando de baixo para cima para todas aquelas pernas.
Sérgio Vaz in “50 Anos de Filmes”
5 comentários:
Uall... que delícia de post... mas ninguém supera as "pernas" de Lana em O DESTINO BATE A SUA PORTA.
O Falcão Maltês
Brasileiro é tarado por bundas,não por pernas. E o é tanto,que não sobra tempo para ver as pernas.
Também eu fiquei fã da prosa e do "50 Anos de Filmes" do Sérgio Vaz, que conheci por intermédio deste blogue.
Esta pequena crónica (que ilustraste devida e muito apropriadamente) é realmente uma delícia, como diz o Nahud aí em cima. Benditos bloguistas, que nos dão a ler (e a ver) coisas tão magníficas!
Um abraço e grande regozijo pelo tão esperado regresso do RATO RECORDS. É já este fim-de-semana, que bom!
As pernas são realmente aimagem da sedução no cinema.
Eheh, bem apanhado. Assim de repente, destaco também o plano final da cena em que aparece Vickie La Motta, em Raging Bull.
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