terça-feira, janeiro 25, 2011

O DESAPARECIMENTO DO FIM

E um dia, algures no tempo, o “The End” desapareceu. Ninguém sabe muito bem quando ou porquê – num momento estava lá e noutro momento logo a seguir já não. No cinema do antigamente, “The End”, “Fin”, “Fine” ou “Ende” eram  o toque de finados de qualquer filme. Hoje já não; hoje um filme pura e simplesmente não acaba; ou melhor dizendo, vai acabando sim, mas aos soluços…
Podemos mesmo dividir a história do cinema em duas fases distintas: a antiga, a que continha o “The End” e uma mais moderna, a que já não o contém. Hoje somos contemplados com um rol de coisas quando um filme termina - os chamados créditos finais - mas perdemos o direito à mais simples e prosaica de todas, ao “The End”. Temos acesso aos directores, aos escritores, aos actores principais, aos secundários, aos operadores de câmara, aos electricistas, aos cabeleireiros, aos motoristas das estrelas, aos duplos, aos músicos, aos assistentes, aos assistentes dos assistentes…, muitas vezes até têm o cuidado de alertar os espíritos mais sensíveis para o facto de nenhum animal presente no filme ter sido alvo de maus tratos. Mas…, não temos permissão de ver o “The End” no écran.
O desaparecimento do “Fim” evoluiu certamente após anos e anos de profundas reflexões e investigações por parte da indústria fílmica. E as chamadas audiências-piloto tiveram também a sua palavra a dizer – provavelmente consideraram o “The End” um conceito obsoleto e de grande negativismo. E ao fim e ao cabo teriam a sua razão. Na verdade, o que é que “The End” significava quando um feliz casal estava prestes a embarcar num futuro risonho a dois? E porquê “The End” quando de facto se anunciava o princípio de uma bela e grande amizade? Qualquer que tenha sido a justificação, a verdade é que “The End” foi banido de vez e nunca mais apareceu num écran de cinema. Pura e simplesmente… desapareceu! Hoje o comprimento total de um filme tem de satisfazer minimamente o espectador que pagou o seu bilhete (acrescido de uma taxa para os óculos bi-colores se for 3D), mais a pipoca e a coca-cola e que por isso tem direito a um determinado tempo de entretenimento. Não sei se esse tempo já estará devidamente quantificado – acredito que sim, atendendo aos estudos de mercado cada vez mais concisos e minuciosos – mas deverá ser por isso que os estúdios privilegiam cada vez mais aquele excerto final, colocando lá toda a metragem que por uma razão ou por outra não foram capazes de incluir no tempo útil do filme. Há que não defraudar o espectador pagante, o qual, e em última análise, tem sempre razão.
Mas confesso que tenho saudades do velhinho “The End”, e que porventura será uma das razões pelas quais ainda nutro tanta nostalgia pelos filmes antigos. É que aquele termo conseguia de algum modo libertar-nos, dar-nos algum sossego. Assinalava o fim do sonho e o princípio da realidade, Dizia-nos, muito claramente, que era chegada a altura de nos levantarmos e cada um de nós regressar à vida de todos os dias. Era algo por todos bem entendido, que não estabelecia diferenças entre os espectadores. Era unânimo e democrático. Hoje toda essa simplicidade se alterou drasticamente. Desde os apressadinhos que parecem saltar sob o efeito de uma qualquer mola invisível, ainda a primeira palavra dos créditos não apareceu, aos parzinhos românticos que aproveitam para trocarem as últimas carícias antes das luzes se acenderem, passando pelos que ficam a meio caminho, indecisos, a tapar a visão dos mais curiosos, há de tudo um pouco no final de cada sessão de cinema. A ponto de ainda não sabermos lá muito bem qual a melhor altura para abandonar a sala escura. Entretanto, e enquanto essa altura não chega, confesso aqui publicamente um desejo secreto: tal como já se fizeram filmes sem imagens, ainda não perdi a esperança de um dia aparecer por aí um filme qualquer que contenha apenas créditos. Iniciais ou finais, pouco importa. O gozo vai ser grande na mesma. 
THE END

3 comentários:

Billy Rider disse...

Belo naco de prosa, amigo Rato - contundente, pertinente e com um inteligente sentido de humor

JC disse...

Olha que nem sequer tinha reparado em tal coisa, Rato.

ANTONIO NAHUD disse...

Caríssimo, o seu blog acaba de ser premiado com o SELO DE QUALIDADE "PROJETO CRÉATIVITÉ".
Venha pegar o seu selo!
Está tudo no post "Selo de Qualidade Para O Falcão Maltês".
Abraço bom,

www.ofalcaomaltes.blogspot.com