VAMO-NOS AMAR
Um filme de George Cukor
Com Marilyn Monroe, Yves Montand, Tony Randall, Frankie Vaughan, Wilfrid Hyde-White, David Burns, Michael David, Marc Lynn, Milton Berle, Bing Crosby, Gene Kelly, etc.
EUA / 118 min / COR /
16X9 (2.35:1)
Estreia nos EUA (NY) a 12/9/1960
Estreia em PORTUGAL (Lisboa) a 12/12/1960 (cinema Tivoli)
Amanda: My name is... Lolita... and uh...
I'm not supposed to... play... with boys!
"Let’s Make Love" é o único filme em que o sobredito “cineasta das mulheres” dirigiu a Mulher: Marilyn Monroe. Devia tê-la dirigido outra vez, dois anos depois, em "Something’s Got to Give", mas a morte de Marilyn, a 5 de Agosto de 1962, deixou a obra incompleta ao fim de três semanas de rodagem. Marilyn, primeiro. Este foi o seu penúltimo filme, aos 33 anos, “l’âge du Christ” como se costuma dizer. E não sou eu, mas é Yves Montand no filme, quem descreve (para o incrédulo Hyde-White) a sua entrada no filme «She comes down, from the dark. Absolutely unbelievable. And then she sings ‘My name is Lolita and I’m not supposed to play with boys’. Absolutely unbelievable». E é-o. Como uma vez escrevi, a alma já lhe tinha tomado conta do corpo e essa entrada deve ser a mais mítica da história do cinema, desde a de Marlene no "Anjo Azul" de Sternberg (aliás, há uma citação expressa de Marlene no fabuloso “Specialization”). Também ela é feita para o amor da cabeça aos pés. Também ela tem o sexo na voz. Porque Montand não repete tudo da celebérrima canção de Cole Porter (“My Heart Belongs to Dady” que Mary Martin criou em 1938 na Broadway, no "Leave It To Me").
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É a maneira como Marilyn separa as palavras e os versos: “I’m not supposed to” - grande pausa insinuando tudo - depois o verbo “play” - nova e enorme pausa - e a conclusão: “with boys”. Já antes, logo no início, ouvíramos essa voz sussurrar: “Let’s Make Love” e é preciso ser-se bem insensível para não sentir várias coisas. É o milagre que só ela conseguia, mesmo em frases mais banais, como naquela incrível gravação que se conservou do último aniversário de Kennedy e em que sete vezes repete (de maneira diferente e com diferentes pausas) apenas a expressão: “Happy Birthday, Mr. President”. E não me chegavam folhas se me ficasse a demorar nas outras canções, no “Specialization” ou no “Let’s Make Love”. Nem em tudo o que Marilyn põe neste filme, desde essa entrada à saída do elevador, desde o “mundo é pequeno” a propósito dos "Três Mosqueteiros" e de Alexandre Dumas, até aos “crazy eyes”; desde o “footing down town” ao “just turn me”; desde a sequência do restaurante chinês à do camarim. Esta mulher. E os versos de Ruy Belo a aplicarem-se-lhe como nunca «Tão bela que não só era assim bela / como mais que chamar-lhe Marilyn / devíamos mas era reservar apenas para ela / o seco sóbrio simples nome de mulher / em vez de Marilyn dizer mulher». E por aqui me fico, com travão às quatro rodas.
E "Let’s Make Love" - o filme de Marilyn - é também o mais portentoso dos filmes sobre as aparências saído das mãos e do olhar de Cukor. Um espectador mais distraído pode pensar que essas aparências (tudo é, todas o são) tem como cerne o personagem de Montand, o bimilionário Jean-Marc Clément, sexto da sua dinastia, que quer à viva força que nele desapareça o que faz a sua única aparência: o tal bilião de dólares. Mas a enorme ironia do filme não se volta só contra Montand que, quando se converte em Alexandre Dumas, nem um mosqueteiro evoca, quanto mais três. Esse é o jogo aparente, como lhe explica Hyde-White, que desde o início tem a certeza que o único afrodisíaco infalível é o dos milhões. Mas, se repararem bem, e à excepção de Marilyn, todos os outros são igualmente aparências despidas da sua carga mítica (a fama, a celebridade) são tão “pobres diabos” quanto Montand o é a fingir de actor. Por isso, teve Cukor a genial ideia de chamar ao filme “três personagens reais”, três mitos, que só funcionam (como Jean-Marc Clément) pela carga mítica que a eles associamos.
O primeiro é Milton Berle. Dos três (e essa é já em si uma ideia fabulosa) era o menos mundialmente conhecido. Na América, em 1960, 40 milhões de americanos lhe chamavam realmente “tio” (“Uncle Miltie” como Montand refere) e de 48 a 56 dominou practicamente esse “medium” (“Mr. Television” foi chamado). Mas, fora da América, é preciso explicar isto. Ora bem: Milton Berle, durante toda a lição a Montand, não consegue ser melhor ou mais cómico do que o “aluno”: do “gag” dos pés, ao do rapaz à espera da rapariga ou ao “I swear I kill you”, ninguém, para quem Milton Berle não seja uma “lenda” (como para os europeus não é) perceberá porque é o homem tão genial. E por isso a réplica final de Montand (no fim da lição) tem toda a razão de ser. Onde está o “génio” de Berle, se esse génio não fosse, à partida, como o dinheiro de Montand, um dado adquirido, uma imagem fixa? Se com ele gasta Cukor muito tempo (exactamente porque das três celebridades é a única que não é mito cinéfilo) e se ele é o único que se “vende” (quando, por bom preço, finge achar graça a Montand e decide do seu contrato), Bing Crosby e Gene Kelly, mundialmente famosos, podem ser despachados rapidamente. Mas, para lá do “gag” da aparição deles, alguma atenção fará reparar que nem Crosby canta o “Incurably Romantic” melhor do que Frankie Vaughan (o infeliz e imolado Tony Danton) nem Gene Kelly dança melhor do que ele (ambos já, em decadência, e deles nos despedimos nestes “paralíticos” de mitos).
O que eles têm e que Frankie Vaughan não tem é precisamente esse mito. Se os não conhecessemos de perto a nenhum, distingui-los-íamos? Tanto quanto o grupo de teatro distingue Yves Montand (ou Jean-Marc Clément) e as várias Callas, os vários Presley, ou os vários Van Cliburn dos míticos personagens que usaram esses nomes. Tudo é (como na capital sequência da pulseira) uma questão de convicção e uma questão de imitação. À luz artificial tudo brilha, ou seja só não passa pela cabeça de ninguém que um desempregado ofereça uma pulseira de 10.000 dólares ou um milionário uma de 5. Nada depende da apresentação, tudo depende da representação. Não são as aparências que iludem, é só a ilusão o que aparece. "Let’s Make Love" é construído sobre essa ilusão e essa representação. A pulseira acaba por ser oferecida a Alex para que este se cale, ou seja para que este represente; Hyde-White aprende a mudar do décor do Clément V para o do Clément IV; se Milton Berle diz que Alexandre Dumas é cómico, Alexandre Dumas passa a ser cómico.
E Marilyn? É muito possível sustentar que foi muito antes do fim que ela percebeu a comédia. Desconcertada pelas aparências (a reacção de Berle, o seu “Let’s Make Love”) talvez seja no restaurante chinês, e não no gabinete de Clément, que ela percebe (e daí a sua saída) que Yves Montand lhe está a dizer a verdade. Mas, aceitá-la logo, era perder o jogo, ou seja tornar visível o que o milionário queria que fosse invisível. De qualquer maneira, a sequência do camarim é paralela à do “Let’s Make Love”, ou seja é representada (para Montand) da mesma forma que o fora para Vaughan. E a história de Lincoln é bastante esclarecedora. Faltava o tiro e o tiro é o final: “No, sir, I don’t”. “Now tell me: who are you?” perguntou Marilyn no camarim. E a resposta de Clément já não é resposta, porque ele já é tanto Clément como a imitação de Clément. Já não há ninguém. Há apenas representações de outros que com essas representações se identificam e só nessas representações existem. Por isso, "Let’s Make Love" é, talvez, o mais “decupado” dos filmes de Cukor e aquele em que os pontos de vista mais variam. Falando de Marilyn, disse o realizador: «Marilyn Monroe was a miraculous phenomenon of the screen. Her performance was done in very minute bits and yet, when you put them all together, they fitted together, perfectly smooth ...». Estas palavras podem aplicar-se a todos, “fenómenos” que só existem “in very minute bits”. Talvez o cinema seja isso. Ou, talvez, como Montand não aprende, ninguém possa existir por si próprio, mas tão só pela sua imagem. E só as imagens “make love”. (João Bénard da Costa)
CURIOSIDADES:
- Marilyn Monroe fez uma doação anónima de 1.000 dollars para um membro da equipa no set que precisava do dinheiro para cobrir as despesas do funeral da esposa.
- Yves Montand descreveu a experiência neste filme como aterrorizante, pois não sabia inglês e teve que soletrar os seus diálogos foneticamente, auxiliado pela sua esposa, Simone Signoret.
- Marilyn não gostou do argumento do filme; só assinou para cumprir o seu contrato com a 20th Century Fox.
- Quando Frankie Vaughan voou da Grã-Bretanha para começar a rodar o filme, o New Musical Express publicou a manchete "Frankie Goes To Hollywood". Essa foi a inspiração para mais tarde um grupo rock ter escolhido o nome de Frankie Goes to Hollywood.
- O carro de Clément é um Rolls Royce Silver Wraith 1957.
- Durante a rodagem do filme Montand e Marilyn viveram uma tórrida relação de amor, apesar da presença de Simone Signoret. No entanto, a mulher de Montand aceitou muito bem a relação, tendo inclusivé ficado muito amiga de Marilyn. Será oportuno dizer que "contra factos não há argumentos"...
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