Um filme de LUCHINO VISCONTI
Com Marcello Mastroianni, Maria Schell, Jean Marais, Marcella Rovena, Maria Zanoli, etc.
ITÁLIA-FRANÇA/102 m / P&B / 16X9 (1.66:1)
Estreia em ITÁLIA, no Festival de Veneza: 6/9/1957
Estreia em PORTUGAL: 13/5/1959
Mario: «God bless you for the moment of happiness you gave me.
Even a moment's worth can last a lifetime»
Falecido com 69 anos (nasceu em Milão a 2/11/1906, morreu em Roma a 17/3/1976), Luchino Visconti filmou apenas 14 longas-metragens, desde "Obsessão" (1943), até "O Intruso" (1976). A grande maioria são obras fundamentais do Cinema. Mas existe uma espécie de tradição quando se fala da sua filmografia, em separar os "grandes filmes" dos "filmes menores". Entre estes, "Noites Brancas", baseado num conto de Fiódor Dostoiévski, encontra-se quase sempre presente. Verdade seja dita que há alguma razão neste juízo de valor: basta lembrarmo-nos de monumentos como "Sentimento", "Rocco e Seus Irmãos", "O Leopardo", "Os Malditos" ou "Morte em Veneza", quer na dimensão bruta do empreendimento quer pela maior repercussão crítica que alcançaram. Mas, como diria Einstein, tudo é relativo. E as "Noites Brancas" ainda hoje é um filme belissimo, um enorme prazer para os olhos dos espectadores.
Sem dúvida, pode censurar-se a "Noites Brancas" uma certa incompreensão de Dostoiévski, do seu clima especial - mas a fidelidade ao original nunca é critério. O próprio Visconti sabia a dificuldade na adaptação de uma obra de Dostoiévski, como referiu numa entrevista da altura em que realizou o filme: «Procurámos muito, entre escritores de todo o mundo. Foi Emilio Cecchi a sugerir-nos as "Noites Brancas". Por mim, devo dizer, agarrei-me a esta pequena história (muito grande em Dostoiévski, pequena no meu filme), agarrei-me a ela precisamente por oferecer essa possibilidade de evasão da realidade, pelo contraste entre o despertar, em que todas as coisas são desagradáveis, e essas quatro horas da noite passadas com uma rapariga que se torna uma espécie de sonho, algo de irreal, de quase impossível. Foi isso, foi esse jogo que me atraiu.»
"As noites de San Petersburgo" era realmente um pequeno mas belo conto de Dostoiévski, que já tinha servido de base a uma interessante adaptação soviética em 1934 (mais tarde haveriam de ser feitas muitas outras versões, quer para cinema quer para televisão. Aliás, toda a obra do genial escritor russo foi sempre um grande manancial de adaptações). Visconti extrai dele um filme todo em matizes românticas e nostálgicas, mantendo incólume toda a solidão dos personagens. Uma elegia amaneirada, um romantismo de neve, neblina e encontros ao luar nas pontes dum canal tomaram uma posição dominante. Foi esse afastar do "neo-realismo" (de que Visconti nem era sequer um dos expoentes máximo, exceptuando-se talvez o filme "La Terra Treme") que os seus detractores mais expressaram as suas críticas. Mas no contexto cultural italiano de então, sabia-se muito bem que Visconti de modo algum estava amarrado a uma concepção estreita do realismo: as suas encenações teatrais tinham-no demonstrado.
Hoje, longe das querelas, podemos ver as "Noites Brancas" como um desses contos fantásticos e românticos que nunca envelhecem. E os actores que incarnam as personagens principais, Mastroianni (nunca o vimos tão vulnerável num filme) e a bela Maria Schell, conseguiram ser um dos pares mais sentimentais do cinema, ao exporem ao público o que ia na alma dos personagens. A título de curiosidade refira-se que a actriz austríaca aprendeu a língua italiana para poder entrar no filme sem ser dobrada por outra, como então era costume nas co-produções. Rodado em 1957, ano do apogeu do rock 'n' roll, o filme não se escusa em mostrar uma longa sequência passada num bar frequentado por jovens, que dançam freneticamente os novos ritmos da moda. Espectacular!
Para terminar, não resisto a transcrever um excerpto da introdução de Margarida Rebelo Pinto à edição de 2013 do livro em Portugal, que practicamente define o filme: «O romantismo exacerbado é ridículo apenas para aqueles que nunca viveram a vertigem de um amor total e ao mesmo tempo impossível, no qual o arrebatamento nos eleva a um estado de graça que nunca mais esquecemos. A busca do amor pelo amor pode sobrepor-se por vezes à própria existência, por nos levar mais longe e mais alto do que alguma vez imaginámos chegar. Tal como as noites que imitam o dia, o sonho também imita a vida e a ficção não é mais do que um pálido reflexo da realidade. É verdade que todos precisamos de sonhar, mas também todos precisamos de acordar. E embora nos pareça impossível acordar sem dor nem perda, afinal nem sempre é mau, porque a vida é sempre outra coisa, diferente do que imaginámos. Os sonhos servem para isso mesmo: perdermo-nos através deles para nos voltarmos a encontrar.»
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