sexta-feira, julho 05, 2019

LE PASSAGER DE LA PLUIE (1970)

O PASSAGEIRO DA CHUVA
Um Filme de RENÉ CLÉMENT

Com Marlène Jobert, Charles Bronson, Gabriele Tinti, Jill Ireland, Annie Cordy, etc.

FRANÇA-ITÁLIA / 120 min / 
COR / 16X9 (1.66:1)

Estreia em FRANÇA a 21/1/1970
Estreia nos EUA (Nova Iorque) a 24/5/1970
Estreia em PORTUGAL a 27/11/1970


«Il fallait que le puits fut très profond
ou que sa chute fut très lente, car elle eut
tout le temps de regarder autour d'elle et de
s'inquiéter de ce qui allait lui arriver.»

Esta citação de Lewis Carroll do livro "Alice no País das Maravilhas" (que se pode traduzir por «Ou o poço era muito profundo ou a sua queda foi muito lenta, porque ela teve tempo de olhar ao redor e de se inquietar com aquilo que estava por acontecer») inicia o filme de René Clément, um dos seus últimos e também um dos seus mais populares. O realizador retirar-se-ia do mundo do cinema apenas 5 anos depois, depois de ter assinado 19 longas-metragens a partir de 1944 (viria a falecer muito mais tarde, aos 82 anos, em Monte Carlo (Mónaco), a 17 de Março de 1996). Quem felizmente se encontra ainda entre nós, apesar de ter abandonado a vida artística no final dos anos 90, é a maravilhosa intérprete de "Le Passager de la Pluie", Marlène Jobert, que nasceu a 4 de Novembro de 1940, na Argélia, e que aqui se encontra em estado de graça permanente - um tesãozinho, sempre com as coxinhas à mostra, como escreve o meu amigo Sérgio Vaz na sua crónica sobre o filme.



"Le Passager de la Pluie" é uma obra onde facilmente se colhem reminiscências de Hitchcock, até porque Clément sempre foi um admirador confesso do mestre do suspense. Note-se que o nome do criminoso (o passageiro que dá nome ao filme) é Mac Guffin, e que no início surge practicamente do nada, sem qualquer explicação, pelo que o público apenas consegue deduzir ter descido do autocarro, uma vez que este parece vazio, antes de parar. Neste aspecto o diálogo entre mãe (Annie Cordy) e filha (Jobert) no interior do salão de bowling é reflexo desse mistério: «O que está olhando? É um passageiro?» / «Sim» / «Ele veio no autocarro? É claro que não, o autocarro nunca traz ninguém!» / «Então foi a chuva.» Por outro lado, Mélly (diminutivo de Mélancolie) tem um trauma desde pequena, quando descobriu a mãe na cama com um amante (lembram-se de "Marnie"?).


Mas recordemos o enredo principal: numa aldeia do sul de França, uma jovem, Mélly (Marlène Jobert), é atacada e violada em casa por um desconhecido. Depois de consumado o estupro, Mélly atinge o homem com dois tiros de caçadeira na garagem da cave. Tenta comunicar com a polícia, mas o constrangimento impede-a naturalmente de falar. De seguida desembarassa-se do corpo, atirando-o de uma ribanceira para o mar. No dia seguinte, enquanto assiste ao casamento de uma amiga, é abordada por um estranho que lhe tinha feito chegar às mãos o jornal do dia, onde na capa se pode ler «cadáver descoberto na praia.» O desconhecido dar-se-á a conhecer como um coronel americano, de nome Harry Dobbs (Charles Bronson), e a partir daqui o filme envereda por uma toada de gato e rato, com ela sempre a negar ter morto o desconhecido e com Dobbs a tentar a confissão contrária. Bronson (1921-2003), um actor que sempre foi capaz do melhor e do pior, tem aqui uma das suas presenças mais saudadas na sétima arte, a par de "The Dirty Dozen" e sobretudo da obra-prima de Sergio Leone, "Aconteceu no Oeste". Na versão francesa original (aqui disponível), a voz de Bronson é dobrada por John Berry, um realizador americano expatriado por ter pertencido à "lista negra" de má memória.


A cantora Séverine interpreta a canção-título do filme, cuja música é da autoria de Francis Lai (1932-2018), reputado compositor francês, que ao longo da sua extensa carreira nos ofereceu dezenas de partituras inesquecíveis, que hoje em dia figuram no Olimpo das bandas sonoras: "Un Homme et Une Femme" (1966), "Vivre Pour Vivre" (1967), "Love Story" (1970), "L'Aventure C'est l'Aventure" (1972) ou "Toute Une Vie" (1974), só para citar as mais conhecidas do grande público. A cinematografia, da autoria de Andreas Winding (1928-1977) é também um dos trunfos de "Le Passager de la Pluie", que viria a ganhar muito merecidamente o Golden Globe em 1971, pelo melhor filme em língua estrangeira. Hoje, quase 50 anos depois, continuo a sentir um certo prazer sensorial na revisão de "Le Passager de la Pluie", algo que só pode significar o real valor da obra. E por uma série de razões, como tentei dar a perceber nesta pequena resenha: argumento, realização, banda-sonora, fotografia e intérpretes, tudo se conjugou para que "Le Passager de la Pluie" nunca mais saísse das minhas memórias cinéfilas. E ainda bem!



CURIOSIDADES:

- Sébastian Japrisot (1931-2003), para além de ter escrito o argumento original, assinou também a letra da canção-título.

- Jim Morrison, o lendário vocalista dos Doors, adorou tanto o filme que compôs em seguida o tema "Riders on the Storm", uma homenagem a "Le Passager de la Pluie" publicada no sexto e último album da banda, "L.A. Woman", lançado a 19 de Abril de 1971.

- Charles Bronson tentou fazer uma remake do filme em 1983, onde reencarnaria o seu persongaem, mas o projecto foi abandonado.

1 comentário:

Amâncio disse...

Já há algum tempo que não visitava o blog e fico satisfeito por encontrar coisas novas. Em especial este esquecido (não por mim) Passageiro da Chuva. Para além de tudo o que escreveu mais três coisas que tiveram um forte impacto sobre mim: a figura tenebrosa de Marc Mazza (o misterioso passageiro), A brutalidade da cena da violação (incomparável) e a inolvidável melodia de "la valse du mariage" de Francis Lai que no filme "ilustra" parte da cena do casamento...
Mais um excelente texto (entre muitos) caro "Rato". Parabéns e obrigado