quinta-feira, abril 14, 2011

VIVRE POUR VIVRE (1967)

VIVER PARA VIVER
Um filme de CLAUDE LELOUCH


Com Yves Montand, Annie Girardot, Candice Bergen, Irène Tunc, Anouk Ferjac, Uta Taeger, Jean Collomb, Michel Parbot, Amidou

FRANÇA-ITÁLIA / 130 min / COR / 
16X9 (1.66:1)

Estreia em França a 14/9/1967
Estreia nos EUA a 18/12/1967 (New York)
Estreia em Moçambique a 3/11/1968
(LM, Teatro Manuel Rodrigues)


“Vivre Pour Vivre” é a sétima longa-metragem de Claude Lelouch, realizada logo a seguir ao premiado “Un Homme et Une Femme”, que acabara de ganhar a Palma de Ouro do Festival de Cannes, dois Globos de Ouro (melhor filme estrangeiro e melhor actriz dramática – Anouk Aimée), o BAFTA para a melhor actriz estrangeira e 2 Óscares da Academia de Hollywood, nas categorias de melhor argumento e filme numa língua estrangeira. Isto para citar apenas os principais prémios, porque o filme obteve muitos mais em diversos certames em todo o mundo. Na altura da estreia de “Vivre Pour Vivre” a tónica geral foi o desapontamento em relação ao seu antecessor e o nome Lelouch foi usado como sinónimo de um fotógrafo sem cultura cinéfila, tendo-se inclusivé chegado a escrever que “Vivre Pour Vivre” «era um filme sem ideias e sem emoções, e recheado de documentários irrisórios e propósitos frívolos.» Nada de mais falso ou tendencioso. “Vivre Pour Vivre” é, pelo contrário, uma obra feita quase totalmente de emoções, em que os diálogos cedem amiúde o lugar à imagem e ao fundo musical, visando precisamente realçar a diversidade de sentimentos entre os principais protagonistas.


Claude Lelouch foi contemporâneo de ilustres cineastas franceses do início dos anos 60: Truffaut, Chabrol, Godard, Rohmer, Rivette, Varda e Eustache, nomes que nessa altura constituíam a essência do movimento que se convencionou chamar de “Nouvelle Vague” (termo que começou a aparecer em diversas publicações no final dos anos 50 e que se revestiu de maior significado durante o Festival de Cannes de 1959 ao designar dessa forma o conjunto de filmes franceses a concurso). Ora, Lelouch nunca foi conotado com o movimento, pelo contrário, sempre foi colocado um pouco à margem. De um modo algo discriminatório, os críticos reinantes nessa época não lhe reconheciam os mesmos méritos dos outros pela simples razão de que Lelouch nunca fora um crítico de cinema, nunca escrevera nos então muito em voga Cahiers du Cinéma. E o facto de Lelouch ter vencido a Palma de Ouro em Cannes foi algo que esses mesmos críticos tiveram de engolir na altura mas que não esqueceram. Por isso, assim que tiveram oportunidade, trataram imediatamente de vilipendiar o trabalho do realizador francês.


“Vivre Pour Vivre” foi o primeiro filme de Claude Lelouch a que tive o prazer de assistir quando o mesmo se estreou em Moçambique, corria o ano de 1968. Só alguns anos mais tarde teria a possibilidade de ver “Un Homme et Une Femme” e alguns dos seus trabalhos subsequentes. Dizem que o primeiro amor é sempre inesquecível e talvez exista alguma lógica nisso. A verdade é que foi este filme de Lelouch o que maior prazer me deu. Prazer esse, sempre renovado todas as vezes que a ele regressei. E já preciso da maioria dos dedos das mãos para contabilizar o número de todos esses regressos ao longo dos anos.


O argumento, assinado por Pierre Uytterhoeven e pelo próprio Lelouch (que também foi responsável pela montagem) não podia ser mais banal ao contar a história de um triângulo amoroso. Robert Colomb (Yves Montand), a sua mulher Catherine (Annie Girardot, actriz recentemente falecida, a 28 de Fevereiro, com a doença de Alzheimer) e a sua última amante, Candice (Candice Bergen) são os vértices desse triângulo. Provavelmente teria sido a sua recente consagração que permitiu a Lelouch dispor de tão talentosos actores, sobretudo Montand e Girardot, que já eram admirados e respeitadissimos na altura. E “Vivre Pour Vivre” deve muito do seu carisma e popularidade às magníficas interpretações dos seus actores. Mas também à belissima partitura musical de Francis Lai e à mise-en-scêne de Lelouch, uma das suas imagens de marca. Convém lembrar que apesar da existência de fotógrafos contratados (no caso de “Vivre Pour Vivre” o director de fotografia chamava-se Patrice Pouget) era quase sempre Lelouch que no decurso das filmagens manobrava as câmaras, o que conferia aos seus filmes uma certa imagem de marca, pessoal e intransmissível.


São muitas as sequências inesquecíveis de “Vivre Pour Vivre”, feitas todas elas de poucos diálogos mas muita música e movimentos de câmara. Lembro-me especialmente daquela rotação de 360 graus no quarto do hotel de Amsterdam, onde Candice chega inoportunamente, sem se fazer anunciar e com o intuito de estragar a semana do amante com a legítima esposa. Vemos em primeiro lugar o abraço dos dois, depois uma acesa discussão no final da primeira deambulação da câmara em redor do quarto e novamente o mesmo abraço do início após outra rotação, desta vez em sentido contrário. Ou seja, por um simples artifício de um movimento de câmara, Lelouch mostra-nos algo que não chegou a acontecer, que só teve lugar no pensamento do protagonista. De recordar também a magnífica cena da confissão de Robert passada no comboio, em que o som vai pontuando frases soltas e close-ups do rosto de Catherine. Ou ainda aquele longo plano-sequência do regresso de Robert a uma casa vazia onde já só a solidão existe.


Mas se “Vivre Pour Vivre” se destaca sobretudo pela magnificência dos intérpretes, da música e das imagens, não é menos verdade que o filme se encontra inteligentemente recheado de belos diálogos, sempre que os mesmos têm uma importância fundamental para o desenrolar da história. Como o primeiro encontro casual de Robert e Candice na varanda do motel onde ambos se deslocaram para os respectivos affaires («a gente se conhece?», pergunta Candice; «acho que não», responde Robert, «senão estaríamos no mesmo quarto». Se tal resposta acontecesse nos dias que correm era mais do que provável que a jovem e bela americana corresse para a esquadra de polícia mais próxima a queixar-se vítima de assédio sexual. Mas aqui os tempos eram outros; e Candice limita-se a exclamar: «Quel drôle de type!”; e, claro, a resposta de Robert não se faz esperar: «Quel drôle d’américaine!»)


Outro diálogo delicioso é o que ocorre quando Catherine sai do cinema com uma amiga, onde foram ver um filme protagonizado por uma ex-amante de Robert: «Queria ver a actriz que entra no filme. Ela e Robert tiveram um caso». «Mas ele sabe que tu sabes?», pergunta-lhe a amiga. «Estás louca? Ele só se preocupa com ele mesmo. E eu é que tenho de compartilhar as suas amantes, o seu trabalho.» Aceito que “Vivre Pour Vivre” acaba de um modo um tanto ou quanto convencional, sobretudo numa época – o final dos anos 60 – em que a revolução das mentalidades era o pão nosso de cada dia e todas as contestações estavam ali ao virar da esquina. Sobretudo a emancipação das mulheres e a revolução sexual, que mudariam as relações do homem e da mulher para sempre.


Mas deixem-me acabar com uma confissão: adoro toda aquela sequência final, passada no restaurante da estância de inverno. O arrependimento de Robert leva-o a cortejar de novo Catherine, mas sentindo-se desprezado face à negação dela em reatar a relação entre ambos. Depois de toda a tortura psicológica exercida por Catherine vemos um Robert desalentado e conformado a deixar o restaurante e sentimos que o filme vai acabar ali mesmo, quando ele entrar para o carro e partir. Mas a grande quantidade de neve caída cobre totalmente o vidro dianteiro e ele tem necessidade de a remover. É então que na sequência desse gesto vemos o rosto de Catherine, que o espera com aquele olhar cúmplice dentro da viatura. Um breve sorriso de Robert, e então sim, é mesmo o final do filme.




Para os interessados disponibiliza-se aqui a banda sonora original:

4 comentários:

ANTONIO NAHUD disse...

Não gostei desse filme, Rato. Achei bonito visualmente e superficial.Também tenho uma certa birra com Lelouch e Candice Bergen.
Apareça

www.ofalcaomaltes.blogspot.com

Billy Rider disse...

O curioso neste caso do Lelouch é que os críticos lhe fizeram o enterro antecipadamente, isto é, colocaram o homem no caixão enquanto ele ainda estava vivo. Depois acabou mesmo por morrer, claro...
"Un Homme et Une Femme" e este "Vivre Pour Vivre" são ambos belissimos filmes que passados tantos anos ainda dão gosto rever.
Obrigado pela maravilhosa banda-sonora, Rato!

Rato disse...

Birra pelo Lelouch eu compreendo, Nahud. Mas pela Candice? Eta pá, que mulher linda!

José Morais disse...

Muito boa análise, caro Rato. Como sempre directo ao cerne da questão. Pela minha parte confesso também que Lelouch nunca me entusiasmou por aí além. As excepções são precisamente "Un Homme et Une Femme" e "Vivre Pour Vivre". E aí o Billy Rider tem toda a razão: fizeram-lhe mesmo a cama...