domingo, julho 05, 2015

AS SALAS "ESPECIAIS" DE JOHANNESBURG

O OK Bazaars, na esquina da Eloff Street com a Pritchard Street

Teria uns 14/15 anos, vivia em Moçambique, na minha inesquecível cidade de Lourenço Marques, e foi por essa altura que as duas grandes paixões da minha vida - a música e o cinema - começaram a tomar conta de mim. As grandes novidades, quer num campo quer no outro, vinham da vizinha África do Sul, e por isso eram sempre grandes acontecimentos as idas a Johannesburg com os meus pais. Por norma ficávamos hospedados no Victoria Hotel (hoje em dia desaparecido), em pleno coração da cidade, e por isso os polos dos meus interesses ficavam sempre perto. Já tinha autorização para me deslocar sózinho pela cidade, pelo que, logo depois de um grande pequeno-almoço à inglesa, me punha a caminho.


Invariavelmente, dividia os meus dias entre a música e o cinema. Nessa altura (1967-1968) o consumo de discos para os mais novos fazia-se quase exclusivamente através dos singles, gravações mono, nos quais gastava grande parte dos poucos randes que os meus pais me davam. A minha loja de eleição ficava no último piso do OK Bazaars, uma grande superfície comercial, algo raro num tempo em que a concentração do comércio num mesmo espaço era a excepção e não a regra. Lembro-me perfeitamente desse espaço enorme, onde os 45 rotações transbordavam em dezenas de escaparates rotativos. E era sempre o mesmo ritual: pegava numa grande quantidade de discos e lá ia com eles debaixo do braço para a cabine de audição mais próxima. Seguia-se o mais difícil, escolher os eleitos e de modo a que o total não ultrapassasse o dinheiro disponível.


Alguns anos mais tarde, quando o reinado do LP já se encontrava instalado (e com ele o som stereo), começaram a aparecer as lojas de discos. A minha preferida era a Look & Listen, localizada no 116A da Eloff Street. Apesar dos seus dois pisos (rés-do-chão e cave), não ocupava uma grande área. Logo à entrada perfilavam-se os últimos sucessos em single, que eram de imediato arrebatados por mãos ávidas em descobrir as novidades ainda muito pouco conhecidas. Mas os grandes tesouros, os albuns de 33 rotações, esses só podiam ser ouvidos na cave, num balcão corrido repleto de auscultadores. E quantas e longas horas eram passadas nesse paraíso sonoro! O tempo ficava suspenso e apenas a música tinha importância, fluindo continuamente.



Mas deixem-me agora falar da razão principal deste post, as salas "especiais" de Johannesburg. Havia os grandes teatros, todos eles imponentes, que exibiam as estreias mais recentes. Lembro-me de alguns: o His Majesty, com o seu tecto de estrelas (onde vi pela primeira vez "Gone With The Wind" e "Dr. Zhivago"), o Colosseum (onde actuaram o Cliff Richard e Os Shadows), ou o Metro, localizado mesmo em frente a um célebre restaurante italiano, o Gaggia's (que servia um bife esplenderoso, o chamado "T Bone"), onde o filme "That's The Way It Is" me transformou, de um momento para o outro, em grande fã do Elvis). E depois haviam as outras salas, as que para mim eram na altura as "especiais", por me possibilitarem ver aquilo que não encontrava em mais lado algum.




A grande moda daqueles anos eram os filmes em Cinerama, sistema de projecção tripla em écrãs curvos, que só podiam ser exibidos em salas próprias, apetrechadas com aparelhagem técnica específica para aquele formato. Em Johannesburg havia duas: o Cinerama e o Royal Cinerama. Eram grandes salas ovais, apenas com plateia (por causa dos "efeitos especiais") e cujo som era debitado por altifalantes estrategicamente distribuidos, as chamadas 6 bandas estereofónicas. Foi nessas duas salas que assisti às estreias de filmes como "A Conquista do Oeste", "El Dorado", "Romeu e Julieta" ou "Grande Prémio". Este último inaugurou o Royal Cinerama, com pompa e circunstância.


Mas mais do que o esplendor das grandes salas ou a técnica da máquina mais inovadora, o que realmente me excitava eram os pequenos cinemas de bairro, os chamados "piolhos". Eram salas de aspecto sombrio e frequência duvidosa, mas que faziam as minhas delícias de adolescente. As sessões eram contínuas, havia sempre dois filmes em cartaz, e a programação não fugia muito ao cinema fantástico e de ficção-científica (vi por lá muitos monstros "made in Japan"), ao western-spaghetti ou então aos filmes de aventuras, nomeadamente de piratas. Normalmente, quando entrava numa dessas salas (tinham nomes como Roxy, Royalty, Embassy, ou Rivoli), lá para o fim da manhã (as sessões começavam bem cedo), um dos filmes já ia a meio e por isso passava longas horas no cinema, até o programa em exibição ficar completo. Lembro-me que havia um tabuleiro corrido à frente e ao longo das cadeiras, onde se colocavam as bebidas e as sandes que íamos consumindo sem despregar os olhos do écrã: coca-cola ou fanta, e quase sempre uns belos hot-dogs, com enormes salsichas vermelhas e bem recheados de tudo e mais alguma coisa. Nunca mais comi nada parecido.



Finalmente uma referência aos cinemas ao ar livre, os americanizados drive-ins, muito frequentados, sobretudo nas noites quentes de verão. Havia alguns nos arredores de Johannesburg e era sempre uma festa assistir a um filme nesses espaços. Procurava-se um lugar estratégico para o carro e depois era só tirar o respectivo altifalante, que se encontrava num suporte ao lado. A qualidade de projecção não era famosa, mas isso era compensado pelo gozo da situação. Havia sempre um grande bar de apoio, onde ao intervalo íamos buscar os comes e bebes. Em Lourenço Marques nunca houve uma sala de cinerama, mas em finais de 1972, nos arredores da cidade, também tivemos direito ao nosso drive-in. Foi lá que vi, entre outros, o filme "Play Misty For Me", a estreia de Clint Eastwood como realizador.


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