O OK Bazaars, na esquina da Eloff Street com a Pritchard Street |
Teria uns 14/15 anos, vivia em Moçambique, na minha inesquecível cidade de
Lourenço Marques, e foi por essa altura que as duas grandes paixões da minha
vida - a música e o cinema - começaram a tomar conta de mim. As grandes
novidades, quer num campo quer no outro, vinham da vizinha África do Sul, e por
isso eram sempre grandes acontecimentos as idas a Johannesburg com os meus
pais. Por norma ficávamos hospedados no Victoria Hotel (hoje em dia desaparecido), em pleno coração da
cidade, e por isso os polos dos meus interesses ficavam sempre perto. Já tinha
autorização para me deslocar sózinho pela cidade, pelo que, logo depois de um
grande pequeno-almoço à inglesa, me punha a caminho.
Invariavelmente, dividia os meus dias entre a música e o cinema. Nessa altura
(1967-1968) o consumo de discos para os mais novos fazia-se quase
exclusivamente através dos singles, gravações mono, nos quais gastava grande parte dos poucos randes que os meus pais me davam. A minha
loja de eleição ficava no último piso do OK Bazaars, uma grande superfície
comercial, algo raro num tempo em que a concentração do comércio num mesmo
espaço era a excepção e não a regra. Lembro-me perfeitamente desse espaço
enorme, onde os 45 rotações transbordavam em dezenas de escaparates rotativos.
E era sempre o mesmo ritual: pegava numa grande quantidade de discos e lá ia
com eles debaixo do braço para a cabine de audição mais próxima. Seguia-se o
mais difícil, escolher os eleitos e de modo a que o total não ultrapassasse o
dinheiro disponível.
Alguns anos mais tarde, quando o reinado do LP já se encontrava instalado (e com ele o som stereo),
começaram a aparecer as lojas de discos. A minha preferida era a Look &
Listen, localizada no 116A da Eloff Street. Apesar dos seus dois pisos
(rés-do-chão e cave), não ocupava uma grande área. Logo à entrada perfilavam-se
os últimos sucessos em single, que eram de imediato arrebatados por mãos ávidas
em descobrir as novidades ainda muito pouco conhecidas. Mas os grandes
tesouros, os albuns de 33 rotações, esses só podiam ser ouvidos na cave, num
balcão corrido repleto de auscultadores. E quantas e longas horas eram passadas
nesse paraíso sonoro! O tempo ficava suspenso e apenas a música tinha
importância, fluindo continuamente.
Mas deixem-me agora falar da razão principal deste post, as salas
"especiais" de Johannesburg. Havia os grandes teatros, todos eles
imponentes, que exibiam as estreias mais recentes. Lembro-me de alguns: o His
Majesty, com o seu tecto de estrelas (onde vi pela primeira vez "Gone With
The Wind" e "Dr. Zhivago"), o Colosseum (onde actuaram o Cliff
Richard e Os Shadows), ou o Metro, localizado mesmo em frente a um célebre restaurante italiano, o Gaggia's (que servia um bife esplenderoso, o chamado "T Bone"), onde o filme "That's The Way It
Is" me transformou, de um momento para o outro, em grande fã do Elvis). E
depois haviam as outras salas, as que para mim eram na altura as
"especiais", por me possibilitarem ver aquilo que não encontrava em
mais lado algum.
A grande moda daqueles anos eram os filmes em Cinerama, sistema de
projecção tripla em écrãs curvos, que só podiam ser exibidos em salas próprias,
apetrechadas com aparelhagem técnica específica para aquele formato. Em
Johannesburg havia duas: o Cinerama e o Royal Cinerama. Eram grandes salas
ovais, apenas com plateia (por causa dos "efeitos especiais") e cujo
som era debitado por altifalantes estrategicamente distribuidos, as chamadas 6
bandas estereofónicas. Foi nessas duas salas que assisti às estreias de filmes
como "A Conquista do Oeste", "El Dorado", "Romeu e
Julieta" ou "Grande Prémio". Este último
inaugurou o Royal Cinerama, com pompa e circunstância.
Mas mais do que o esplendor das grandes salas ou a técnica da máquina mais inovadora,
o que realmente me excitava eram os pequenos cinemas de bairro, os chamados
"piolhos". Eram salas de aspecto sombrio e frequência duvidosa, mas
que faziam as minhas delícias de adolescente. As sessões eram contínuas, havia
sempre dois filmes em cartaz, e a programação não fugia muito ao cinema
fantástico e de ficção-científica (vi por lá muitos monstros "made in
Japan"), ao western-spaghetti ou
então aos filmes de aventuras, nomeadamente de piratas. Normalmente, quando
entrava numa dessas salas (tinham nomes como Roxy, Royalty, Embassy, ou Rivoli),
lá para o fim da manhã (as sessões começavam bem cedo), um dos filmes já ia a
meio e por isso passava longas horas no cinema, até o programa em exibição
ficar completo. Lembro-me que havia um tabuleiro corrido à frente e ao longo
das cadeiras, onde se colocavam as bebidas e as sandes que íamos consumindo sem
despregar os olhos do écrã: coca-cola ou fanta, e quase sempre uns belos hot-dogs, com enormes salsichas
vermelhas e bem recheados de tudo e mais alguma coisa. Nunca mais comi nada
parecido.
Finalmente uma referência aos cinemas ao ar livre, os americanizados drive-ins, muito frequentados, sobretudo
nas noites quentes de verão. Havia alguns nos arredores de Johannesburg e era
sempre uma festa assistir a um filme nesses espaços. Procurava-se um lugar
estratégico para o carro e depois era só tirar o respectivo altifalante, que se
encontrava num suporte ao lado. A qualidade de projecção não era famosa, mas
isso era compensado pelo gozo da situação. Havia sempre um grande bar de apoio,
onde ao intervalo íamos buscar os comes e bebes. Em Lourenço Marques nunca
houve uma sala de cinerama, mas em finais de 1972, nos arredores da cidade,
também tivemos direito ao nosso drive-in.
Foi lá que vi, entre outros, o filme "Play Misty For Me", a estreia
de Clint Eastwood como realizador.
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