Maf nunca chegou a perceber por que motivo Marilyn Monroe a baptizou com esse nome, ela que repartia generosamente os seus afectos por gatos e cães. Um dia, no aconchego de uma sesta estival, perguntou-lhe, mas a dona foi evasiva, talvez porque não desejasse chocar a sua querida cadela com a verdadeira motivação para a escolha daquele nome breve e enigmático. A história conta-se em poucas palavras. Após ter-se separado do dramaturgo Arthur Miller, que acreditara poder ser o grande amor da sua vida, Marilyn, que com ele reorientara os seus interesses culturais para leituras mais densas e para espectáculos teatrais de grande qualidade, sentiu-se perdida, o que, com ela, não era difícil de acontecer. Vinda de uma infância e de uma adolescência traumáticas, nunca se sentira verdadeiramente segura das decisões que tomava e das opções que fazia, mudando frequentemente de opinião. Essa insegurança desembocava em longos processos depressivos, com prolongados períodos de insónia, que só conseguia mitigar graças a uma forte medicação adequada à sua patologia.
Talvez possa dizer-se que os ansiolíticos e os antidepressivos que ingeria em grande quantidade foram os seus maiores amigos e também, não se provando a teoria do assassinato, os seus carrascos. Para que o vazio da separação a não deixasse ainda mais prostrada, Frank Sinatra, seu amigo de longa data, ofereceu-lhe uma cadelinha poodle branca, à qual a actriz rapidamente se afeiçoou. Faltava, porém, dar-lhe um nome que homenageasse o autor da oferta. Foi assim que surgiu Maf. E porquê? Porque Marilyn, conhecedora dos rumores que circulavam acerca da ligação de Sinatra à Máfia, quis encontrar um nome que, sob a forma de private joke, fizesse alusão a esse estigma. Foi assim que surgiu o nome Mafia Honey, que perdurou com o diminutivo de Maf e ao qual todos se habituaram, a começar pela própria cadela, que viveu na doce ignorância da génese do estranho e terno monossílabo.
Companheira inseparável de Marilyn, Maf partilhava os seus segredos, incluindo aqueles que envolviam os dois poderosos irmãos Kennedy, a saber John e Robert, cujo trágico fim muito a comoveram. Entre o período da separação e a data da morte da dona, Maf foi testemunha e cúmplice da grande dor secreta com a qual a actriz tinha crescente dificuldade em conviver. Nunca da sua boca saiu um reparo, uma crítica ou um som de reprovação. A sua fidelidade era absoluta e, portanto, solidária. O que Marilyn fazia nunca deixou de estar certo para a sua companheira, que, no fundo, só desejava vê-la feliz e tranquila.
No seu testamento, Marilyn não a esqueceu, tendo determinado que, caso morresse, ela deveria ser devolvida a Frank Sinatra. Joe Di Maggio, ex-marido de Marilyn e talvez o homem que mais profundamente a amou, manifestou interesse em tomá-la a seu cargo, mas a disposição testamentária foi respeitada e o cantor de "My Way" recebeu-a, ainda nas horas de luto pela perda da amiga. Sabe-se que, depois, acabou por deixá-la a cargo de Gloria Lovell, a sua secretária.
Embora se chamasse Maf, a cadela que pertenceu a Marilyn nunca teve assento na mesa da partilha de poderes e lucros sujos da Máfia, sendo mesmo conhecida a sua antipatia por alguns dos "padrinhos" que, com frequência, apareciam nos locais onde Frank Sinatra cantava e que Marilyn frequentava. Ao vê-los, tinha o atrevimento insensato de rosnar e de ladrar. Por certo, a delicada cadela agia dessa forma, não por ter opinião sobre a prática criminosa da Máfia, mas por temer que dela pudesse advir algum prejuízo para a sua atormentada dona. Era essa uma das expressões da sua incondicional fidelidade. E assim será sempre lembrada. Sobre o abatimento que a morte de Marilyn lhe causou não existe registo, mas ninguém tem dúvidas de que, para ela, o mundo se tornou triste e ameaçador quando Marilyn partiu.
José Jorge Letria in "Amados Cães" (Edição Oficina do Livro, 2007)
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