quarta-feira, dezembro 08, 2010

THE MISFITS (1961)

OS INADAPTADOS
Um filme de JOHN HUSTON



Com Clark Gable, Marilyn Monroe, Montgomery Clift, Thelma Ritter, Eli Wallach, James Barton, Kevin McCarthy, Estelle Winwood

EUA / 124 min / PB / 
16X9 (1.66:1)

Estreia nos EUA a 1/2/1961
Estreia em Portugal a 25/1/1962

Guido: «You have the gift for life, Rosylyn. The rest of us, 
we're just looking for a place to hide and watch it all go by»

Qualquer realizador ambiciona criar pelo menos um clássico durante a sua carreira – um filme que aguente o teste do tempo e seja visto e revisto por sucessivas gerações de cinéfilos. Outros, menos ambiciosos, já se contentam em, por algum motivo, conseguirem gerar um cult-movie – uma espécie de filme B, que também aguenta o passar dos anos, mas cujas qualidades só são reconhecidas por uma pequena minoria.

John Huston conseguiu ambas as coisas com este belissimo filme, rodado logo no início da década de sessenta. Para além de um clássico e de um filme de culto, “The Misfits / Os Inadaptados” é um filme-charneira, pois de certo modo simboliza o fim do “studio system” de Hollywood. Realizado à parte da indústria fílmica, em completa liberdade, o filme define ainda o “fim da linha” para as carreiras de Clark Gable e Marilyn MonroeMarilyn ainda haveria de participar na rodagem de mais um filme (“Something Got To Give”) mas a sua morte prematura aos 36 anos (a 5 de Agosto de 1962), impediria o filme de ser finalizado e abrir-lhe-ia as portas da lenda e da eternidade.


Clark Gable encontraria essas mesmas portas ainda mais cedo, logo a seguir à conclusão da rodagem de “The Misfits”. Faleceu a 16 de Novembro de 1960, na sequência de um ataque cardíaco. O final das filmagens trouxe-lhe um temporário alívio («Working with Marilyn Monroe on "The Misfits" nearly gave me a heart attack. I have never been happier when a film ended»), apesar de reconhecer a grande qualidade das interpretações, quer a de Marilyn («Everything Marilyn does is different from any other woman, strange and exciting, from the way she talks to the way she uses that magnificent torso») quer a sua própria («This is the best picture I have made, and it's the only time I've been able to act»).




Outro grande actor que marca este mítico filme, Montgomery Clift, entraria num acelerado processo de decadência física e profissional, tendo falecido prematuramente a 23 de Julho de 1966, apenas com 45 anos. Marilyn diria dele: «The only person I know who is in worse shape than I am». Por uma vez os tradutores portugueses achariam um título adequado para o filme: “Os Inadaptados” (no Brasil seriam “Os Desajustados”). Efectivamente é de inadaptação que aqui se trata. Inadaptação a um novo modo de vida que começa, encerrando um tempo de glória. Esse tempo de glória, outrora tão repleto de tradições, encontra-se agora agonizante, cercado pelo conformismo e pela apatia. Tenta-se ainda, num derradeiro esforço, alcançar a felicidade. Mas esta teima em fugir, diluindo-se na imensidão de um deserto, algures no Nevada. 


A perseguição aos cavalos rapidamente se revela incongruente e desnecessária para quem conserva ainda a ilusão da possibilidade dessa felicidade. E é essa descoberta que tanto nos emociona naquele epílogo – a liberdade é essencial para quem deseja ainda ser feliz. O plano final, de Roslyn e Gay é disso revelador:

Roslyn: «Which way is home?»
Gay: «God bless you girl»
Roslyn: «How do you find your way back in the dark?»
Gay: «Just head for that big star straight on.
The highway's under it. It'll take us right home»





Com argumento de Arthur Miller, então ainda casado com Marilyn (o divórcio oficial viria a 20 de Janeiro de 1961, apesar de se terem separado imediatamente após o final da rodagem) e filmado poeticamente por um inspirado John Huston (que seria nomeado para o prémio “Directors Guilde of America”), “The Misfits” tem o seu epílogo, como vimos antes, numa longa e dramática sequência no deserto do Nevada onde a estrela Marilyn brilha intensamente sobre tudo e todos. Não tanto pela explosão de revolta («Killers! Murders! You liars! All of you liars! You're only happy when you can see something die! Why don't you kil yourself to be happy! You and your God's country! Freedom! I am not kidding you, you're three sweet damned men!») mas sobretudo pelas mil e uma matizes que conferem ao seu rosto algo de hipnótico e fascinante.


São diversos os grandes-planos desse maravilhoso rosto, mas vale a pena rever várias vezes um deles (felizmente o DVD permite-nos isso), segundos após a libertação do potro selvagem e em que as palavras «Go Home…Go» são proferidas. Essas três palavras, ditas por aquela boca, naquela face, dá-nos, por breves momentos, toda a magia do Cinema. Resplandescente ao longo de todo o filme, não será exagero afirmar que esta  interpretação de Marilyn será talvez o ponto mais alto de toda a sua carreira, apesar de grandes e maravilhosos desempenhos em filmes anteriores.
As imagens da rodagem do filme correram mundo. Obtidas pelos prestigiados fotógrafos da Magnum num ambiente verdadeiramente mítico, impuseram a agência como um grupo de artistas capazes de dar a ver o mundo do cinema para lá das suas imagens promocionais. Os nove fotógrafos, sete homens e duas mulheres, tudo registaram de forma púdica ou indiscreta, fria ou apaixonadamente - Henri Cartier-Bresson, Cornell Capa, Ernst Hass, Bruce Davidson, Erich Hartmann, Dennis Stock, Elliott Erwitt, os homens; Eve Arnold e Inge Morath, as mulheres.


Fizeram centenas de magníficas fotografias que recentemente tivemos o privilégio de poder ver numa exposição em Lisboa. Aconselha-se ainda o livro “Magnum Cinema” onde, para além dos “The Misfits” se podem apreciar fotografias de dezenas de outros filmes.Transcreve-se de seguida um texto da autoria de Inge Morath, responsável pela agência e com quem Arthur Miller se viria a casar: «Havia cavalos selvagens, as paisagens do Nevada, John Huston e ainda, claro, três actores excepcionais, Clark Gable, Marilyn Monroe e Montgomery Clift. Não podíamos imaginar que eles iriam morrer tão depressa. Sentíamos que havia algo de grandioso. Esperávamos um filme notável, não sabíamos que se ia tornar mítico.


Esta filmagem interessou-me desde o início. Tinha lido na revista Esquire a história de Arthur Miller que serviu de base ao guião. Já tinha trabalhado com Huston, e Monty Clift era um amigo. A Magnum tinha feito um acordo de exclusividade com Frank Taylor, o produtor do filme. Então, por turnos de dois, sucedemo-nos no plateau. Não ficávamos lá mais que duas semanas, para manter a frescura do olhar. Eu formava equipa com Cartier-Bresson. Compreendíamo-nos muito bem e o que era maravilhoso é que nem precisávamos de falar um com o outro. Trabalhávamos juntos e tínhamos sempre a certeza de não fazer nunca a mesma coisa. Havia nesta filmagem uma liberdade que já não existe nos dias de hoje. Portanto, desde que os nossos olhos e pernas fossem suficientemente rápidos, podíamos fotografar tudo o que quiséssemos.


Uma das maiores angústias da produção era saber se Marilyn vinha à rodagem ou não. Quando ela chegava ao plateau, entrava verdadeiramente em cena. Quando o deixava, desaparecia completamente e mais ninguém a via. Trabalhava sempre para a sua imagem. Eu tentava conseguir fotografias em que ela não estivesse em pose. Mexia-se de uma maneira que atraía automaticamente os olhos do fotógrafo.

Clark Gable era muito divertido. Enquanto estava à espera da Marilyn, contava-nos a história dos seus começos no cinema. Um dia disse-lhe que não tinha visto o que acabara de fazer. Ele respondeu-me que tinha usado os olhos para representar. E era verdade, principalmente nas últimas cenas, as que se passam no automóvel. Conheci Arthur Miller na rodagem, mas só o descobri de verdade depois da ruptura com Marilyn. Trabalhei em muitos outros filmes depois daquele, mas nunca voltei a encontrar aquele ambiente especialíssimo, aquela alquimia particular, devido à unidade artística imposta por Huston no plateau, e que afectava tanto os actores, como os técnicos e os fotógrafos.»



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1 comentário:

Billy Rider disse...

Pessoalmente considero este belo filme o melhor que John Huston alguma vez realizou. Nunca o considerei um grande director, mas aqui estava positivamente em estado de graça. E como não o poderia estar se tinha uma Deusa ali tão próxima? (Quando não se eclipsava do estúdio, claro).
"The Misfits" é cinema de grandissima qualidade, que hoje em dia seria impossível alguém realizar. E não só pela inexistência de alguém como Marilyn, que dá ao filme toda a luz e magia que ele contém.
Saboreiam-no uma e outra e outra vez ainda porque ele nos traz de novo o gosto das iguarias raras das nossas avós, cujas receitas se perderam algures no tempo.