Um filme de MICHAEL POWELL e EMERIC PRESSBURGER
Com Moira Shearer, Marius Göring, Anton Walbrook, Léonide Massine, Robert Helpmann, Ludmilla Tchérina
GB / 133 min / COR / 4X3 (1.37:1)
Estreia na GB a 6/9/1948
Estreia nos EUA a 22/10/1948 (New York)
Estreia em Portugal a 23/2/1950 (Lisboa, inauguração do cinema S. Jorge)
Victoria Page: "Julian?"
Julian Craster: "Yes, my darling?"
Victoria Page: "Take off the red shoes"
“The Red Shoes” foi o filme que inaugurou o cinema S. Jorge, em Lisboa, a 23 de Fevereiro de 1950, ano e meio depois da estreia em Londres. Através da Rank Filmes de Portugal, o público português começava assim a ser familiarizado com a depois famosa imagem do atleta semi-nu a bater no gong sempre que um novo filme daquela distribuidora era apresentado em território nacional. E no entanto o aparecimento de um filme como “The Red Shoes” naquela época, não começou por ser logo um grande êxito.
Pelo contrário, o próprio J. Arthur Rank, patrão da empresa, estava plenamente convencido de que tinha entre mãos um autêntico fiasco e só muito timidamente as primeiras cópias começaram a ser exibidas nas sessões mais tardias de um cinema da capital inglesa. Mas pouco a pouco as pessoas foram aplaudindo e passando palavra, de tal modo que quando o filme se estreou em Nova Iorque, nos fins de Outubro de 1948, esteve 110 semanas em cartaz num cinema de segunda categoria, fora do grande circuito da Broadway. Foi o suficiente para a Universal comprar os direitos de exibição e relançar “The Red Shoes” três anos depois, dessa vez em todo o território americano.
Martin Scorsese, que tal como Coppola ou Spielberg, sempre foi um apaixonado pelo cinema de Powell e Pressburger, e muito especialmente por este “The Red Shoes” (afirmou em tempos ter sido o filme que mais o tinha influenciado em toda a sua carreira, e ainda recentemente, no seu filme “The Shutter Island” o homenageia directamente numa particular sequência), conseguiu, através da sua Fundação, completar a restauração do filme a partir do negativo original e após vários anos de grande trabalho e dedicação. O resultado, brilhante a todos os níveis, foi mostrado no Festival de Cannes de 2009 e é a cópia que agora se encontra disponível em Blu-Ray da editora itv (região B). Uma cópia belissima, de aquisição obrigatória por qualquer cinéfilo que se preze, e que consegue ser ainda superior à edição da Criterion (região A).
“The Red Shoes” não é só um filme de dança (ou sobre a dança). Como referiu Powell numa entrevista concedida em 1981, «Era um argumento encomendado a Pressburger por Alexander Korda antes da guerra. Korda queria fazer um grande filme romântico sobre a história duma bailarina. Julgo – suspeito – que a bailarina seria Merle Oberon, a sua mulher nessa altura. E pensava fazê-lo como então se costumava fazer: uma actriz a representar o papel de bailarina e uma verdadeira bailarina a dobrá-la nos ballets. Emeric escreveu a história e eu gostei imenso. E disse-lhe: é preciso que seja uma bailarina a fazer o papel. E outra coisa: temos que criar um bailado original. Não se pode passar o filme a falar da criação duma obra de arte... e não a criar! É preciso efectivamente realizá-la. E com a rapariga. Se não for assim, é inútil meter mãos à obra». Powell contou também como toda a gente se assustou com essa ideia de criar um bailado novo. Até que Hein Heckroth (famoso director artístico alemão) se entusiasmou e descobriu Moira Shearer, à época uma total desconhecida.
Regressemos a Scorsese, um dos grandes entusiastas deste filme, para recordar outra das suas afirmações: «Michael Powell e Emeric Pressburger criaram uma visão que nunca foi igualada; na verdade “The Red Shoes” é o filme mais maravilhoso alguma vez já feito em technicolor». Toda a razão do mundo, até porque hoje em dia a melhor técnica computarizada é incapaz de recriar todas as matizes pelas quais os filmes rodados a cor, anteriores à década de 60, ainda hoje se distinguem.
A sequência da dança em “The Red Shoes” continua a ser um dos exemplos mais notáveis das perspectivas que o cinema abriu sobre a união do movimento e da cor. A fluidez da realização junta-se ao domínio privilegiado desta última, elevando a estética do cinema ao patamar da pintura, do maravilhoso ou do puramente imaginário. Mas não foi apenas a esplendorosa fotografia e os magníficos cenários do filme de Powell e Pressburger que tanto encantou Scorsese; e muito menos as excelentes coreografias de bailados tão clássicos como “Copélia”, “Les Sylphides” ou o “Lago dos Cisnes” que o filme contém.
O que realmente fascina Scorsese e outros realizadores foi a noção de que a arte, seja ela qual for, é uma razão pela qual se pode morrer também. O cinema sempre foi pródigo em mostrar mortes ou sacrifícios em nome da honra ou da pátria ou do amor; mas nunca em nome da arte, pelo menos de uma maneira assim tão explícita. Victoria Page (Moira Shearer) sabe porque morre (ou porque se mata): porque lhe é impossível escolher antre a dança («I must») e o amor. Lermontov (Anton Walbrook), que é o espectador e não o criador, não conhece esse dilema como mortal. A sua única e importante missão é manipular tudo e todos à sua volta, passando por cima de coisas tão comezinhas como os sentimentos humanos.
Para ele, é tudo uma questão de encenação, como a que de si próprio dá ao anunciar ao público (no lugar do actor, contra a cortina fechada) a impossibilidade física de Victoria Page estar presente e depois quando ordena que o espectáculo prossiga (“the show must go on”), mesmo após a morte da bailarina, e portanto sem a intérprete principal em palco – unicamente o foco de luz a iluminar os espaços onde dantes havia vida e agora apenas a sua memória. É sob este aspecto que “The Red Shoes” ultrapassa o simplificado dilema arte-amor («nothing but the music», como diz Walbrook) para ser sobretudo uma reflexão sobre o espectáculo.
CURIOSIDADES:
- Não foi de ânimo leve que Moira Shearer aceitou protagonizar Victoria Page. Para ela o bailado estava muito acima do mundo do cinema e só o incentivo da sua professora de dança (convencida que o filme iria trazer muito mais público ao ballet – e não se enganou) a convenceu em definitivo a estrear-se no cinema
- A sequência do bailado “The Red Shoes”, que dura cerca de 15 minutos, levou seis semanas a ser rodada. O corpo de ballet era composto por 53 bailarinos e foram usadas 120 pinturas nos cenários pelo director artístico Hein Heckroth, que pela primeira vez trabalhava no cinema. Por outro lado, Jack Cardiff, o operador de câmara, usou velocidades diferentes nas filmagens, de modo a realçar os diversos movimentos dos bailarinos
- O escritor Ludovic Kennedy confessou que quando viu pela primeira vez Moira Shearer neste filme soube instantaneamente que ela iria ser a mulher da sua vida. Não se enganou – dois anos depois, em Fevereiro de 1950, o casamento teria lugar em Londres, na capela real do palácio Hampton Court. A união duraria até ao falecimento da actriz, a 31 de Janeiro de 2006, tendo havido 4 filhos. Um retrato conjunto dos dois, da autoria do pintor israelita Avigdor Arikha, faz agora parte da colecção permanente da Scottish National Portrait Gallery.
- O filme foi galardoado com 2 Oscars da Academia, nas categorias de Música e Direcção Artística e Cenários. Teve ainda mais três nomeações: Filme, Argumento e Montagem.
- Em 2000, o British Film Institute classificou “The Red Shoes” em 9º lugar na lista dos melhores 100 filmes ingleses de sempre
3 comentários:
Fantástica obra de arte, um dos meus favoritos da dupla Powell e Pressburger.
Nunca mais se fez (nem se fará, tenho quase a certeza...) um filme sobre dança como este.
Cumps cinéfilos.
Então, Sam, se és um apaixonado pelo filme, manda vir o BLU-RAY (basta seguires o link para a Amazon), que não te vais arrepender - é fabuloso! Ah, e tem legendas em inglês, um documentário muito bem feito sobre o filme e várias entrevistas, uma das quais com a Thelma Schoonmaker, a mulher que faz sempre as montagens dos filmes do Scorsese e também responsável pela belissima restauração levada a cabo.
Belo, belo, belissimo filme. E vê-lo neste BLU-RAY é um autêntico presente dos deuses.
É bem capaz de vir a ser considerada a edição mais importante de 2010 em DVD. Eu pelo menos votaria nela.
MANY THANKS, MISTER SCORSESE!
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