Um filme de NAGISA OSHIMA
Com Tatsuya Fuji e Eiko Matsuda
JAPÃO - FRANÇA / 109 min /
COR / 4X3 (1.50:1)
Estreia em CANNES a 15/5/1976
Estreia em PORTUGAL: Outubro 1976
Kichizo: «You want to make love all the time, huh?»
Sada: «You don't think it's wrong, do you?»
Kichizo: «I think it's wonderful. You're beautiful»
Sada: «I was afraid of not being like others. I was so worried about it,
I even went to see a doctor.
He said I was sensitive where sex was concerned»
He said I was sensitive where sex was concerned»
Kichizo: «Sensitive? I hope it's incurable. Because I adore your oversensitivity»
A década de 70 assistiu, nos países mais desenvolvidos, a uma libertação dos costumes, que originou uma forte atenuação da censura. O cinema erótico pôde então expandir-se desde a forma mais soft até ao chamado "hard-core", ou seja, pornográfico. Nagisa Oshima nada tem de pornógrafo: os seus filmes atestam pelo contrário uma personalidade exigente, inimiga, é certo, de qualquer forma de conformismo, mas que não transige nem os seus ideais estéticos, nem políticos. Em "O Império dos Sentidos", Oshima aborda o erotismo numa perspectiva quase mística, à maneira de Georges Bataille ou de Sade (a quem o nome da heroína - SADA - faz curiosamente referência). Causará surpresa saber que o argumento (da autoria do próprio Oshima) segue de muito perto um episódio autêntico, que abalou os anais judiciários nipónicos antes da guerra (e fez da jovem castradora uma pioneira dos movimentos feministas!). É este caso que Oshima
recupera da história e da memória popular para o transportar para o cinema,
fazendo dele uma das mais belas histórias de "amor louco".
O filme é uma co-produção França-Japão, tendo sido exibido na chamada Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes de Maio de 1976. Não ganhou qualquer prémio, mas começou aí a sua polémica em torno do que era ou não considerado "pornográfico". Depois da família, do Estado e de um certo número de problemas do Japão daqueles tempos, Oshima decidiu atacar um dos últimos tabus da sociedade japonesa, o sexo: «Não é a primeira vez que abordo o problema do sexo, mas foi neste filme que tive ocasião de ir até ao fim, e como sou mais velho, parece-me também que conheço um pouco melhor o mundo do sexo! Se o filme fosse uma produção inteiramente japonesa não teria sem dúvida podido projectá-la como o fiz», afirmou Oshima numa entrevista da época. Em Portugal o filme estreou-se pouco depois, em Outubro de 1976. Ultrapassado que foi o choque inicial da palavra "castração", "O Império dos Sentidos" fez acorrer muita gente às salas de Lisboa onde estava a ser exibido (Estúdio, Quarteto e Apolo 70), muito provavelmente pelas piores razões, onde certamente predominava um certo voyeurismo por tudo quanto era proibido no nosso país apenas dois anos antes. Mas a crítica teve na altura um papel muito importante ao desmistificar o conteúdo do filme, para além de lhe atribuirem em geral o maior nº de estrelas possíveis. Recordemos alguns excertos dos comentários surgidos na imprensa e em revistas da especialidade:
«A castração, essa posse definitiva por parte da mulher, corresponde no filme a um absoluto, a um momento de libertação. Daí, o carácter subversivo da obra, numa sociedade de sujeição milenária da mulher ao homem. "O Império dos Sentidos" é um filme decididamente anti-machista, nele é a mulher que desempenha o papel mais activo e toma a iniciativa do amor.» ... «O prazer é uma coisa séria. Tão séria como a morte. Se a carne existe, e é susceptível de fornecer prazer, nada impede que se procure atingir um limite que só pode ser a morte.» (André de Oliveira e Sousa)
«Muitas das cenas consideradas "chocantes" mostram relações sexuais directas, evidentes em pormenor, com uma franqueza que não assusta embora possa impressionar a quem está habituado a uma pornografia barata e a um cinema erótico de pacotilha, Oshima não recua diante de nada mas, subjacente a essa visão crua da intimidade sexual, insinua-se a violência progressiva que explodirá na castração final, a violência simbólica que vem dizer-nos isto muito simplesmente: viver dos sentidos até à volúpia total leva à morte, como a fêmea do insecto que devora o macho depois do acto. Lágrimas e sangue enchem pouco a pouco o leito dos amantes, retirando-lhe progressivamente aquilo que a sua razão muito bem sabe constituir o cerne da verdadeira condição humana: o amor.» (Luís de Pina)
«É sempre a morte que reina. Um velho mendigo, uma velha geisha "consumida" em violência edipiana; uma faca; um nastro por fim, instrumento de orgasmo total e último. É então que, gasto o percurso numa viagem em busca do absoluto, parece nada mais restar do que a satisfação última de um amor sublime: a morte num suicídio-entrega-a-dois. Justamente o que os dois amantes recusam. A mulher sobreviverá ao acto final, após castração e apropriação dos órgãos genitais do seu amante.» ... «"O Império dos Sentidos" não é um filme de demissão como pode parecer. É antes um filme-acto-de-amor em busca dos valores absolutos que se esgotam no homem. É uma viagem ao âmago dos corpos, percorrendo com prazer o prazer do sexo, num sublime exercício de amar. Feito em grandes planos, quase todos fixos e longos, pintado a uma côr onde o vermelho de pungente erotismo abunda, evita o voyeur vulgar, porque o provoca, porque o persegue, porque o cansa, porque o destrói. Demonstração definitiva de como o olhar da câmara (não sendo neutro) insinua muito mais do que mostra, jogando com a sensualidade do décor envolvente captando o prazer em acção, evitando a pornografia em que outro artesão de segunda inevitavelmente caíria. Aposta última na sensibilidade de cada um. No delírio de um orgasmo que se busca no infinito. Num hino memorável à mulher e à sua força libertadora.» (Mário Damas Nunes)
«De uma sumptuosidade majestática no rigor dos enquadramentos, de um colorido sensual que rasga o écran, "O Império dos Sentidos" demonstra ainda a inteligência de Oshima na escolha dos enquadramentos, na utilização do guarda-roupa e dos cenários. Não só para definir espaços e figuras, como na própria progressão dramática. Quando Sada e Kichi um ao outro se assimilam, ambos trocam de quimónos. Sada leva consigo o quimóno de Kichi, que funcionará como fétiche durante uma viagem de comboio. Outras vezes é ainda o quimóno que revela as personagens, quando o branco do exterior é trocado pelo vermelho do interior dos forros. Cores e formas, subjugando o espectador, arrastam-no então para uma viagem de amor e loucura, cujo trajecto se encontra, desde início, ponteado por sinais irreversíveis, cuja meta se descobre fatal. De amor se morre...» (Lauro António)
«"O Império dos Sentidos" é anti-real, como será também anti-erótico, anti-pornográfico, anti-todas as classificações que lhe têm querido atribuir. Diríamos mesmo que se trata de um filme mítico, como se Oshima procurasse contar-nos uma fábula. Que não exclui a habitual moralidade: quem escolhe viver apenas pelos sentidos terá forçosamente de aceitar a morte como regra do jogo. Num mundo que caminha para a total materialização ("solidificação") só resta ir até ao limite dos sentidos, como em "La Grande Bouffe".» ... «Oshima revela-se, portanto, como um fabuloso recriador de mitos (e nisso é um bom japonês), um artista moderno do seu país, onde a velha arte da gravura foi substituída pela sofisticada arte do cinema.» (António Carlos Carvalho)
ALGUMAS CURIOSIDADES:
- Após a estreia na Alemanha, o filme foi confiscado e acusado de pornografia. Contudo, 18 meses mais tarde um tribunal federal permitiu a sua exibição sem quaisquer cortes.
- A versão original, de 109 minutos, foi encurtada pelo produtor Anatole Dauman (com a anuência de Oshima) para 102 minutos. Foi esta a versão que foi distribuida na maioria dos países onde o filme não foi proibido. Actualmente, na edição francesa em DVD, podem ver-se as duas versões, enquanto que na edição da Criterion (americana) os minutos cortados são apresentados como "extra". Ler mais aqui.
- A cena onde Sada puxa o pénis de uma criança como punição a um mau comportamento foi opticamente re-enquadrada em Inglaterra, de modo a não se ver os órgãos genitais. Este procedimento manteve-se na edição em DVD do filme (Região 2). Nos EUA a mesma cena (cerca de 56 segundos) foi totalmente cortada.
- O grande sucesso do filme (crítica e público) levou Oshima a dar-lhe uma continuação livre, em que o fantástico tomou o lugar do erotismo: "O Império da Paixão" (1978).
2 comentários:
Na altura da estreia gostei imenso do filme e lembro-me bem da grande polémica gerada acerca do maior ou menor grau "pornográfico" da obra. Comprendem-se as divergências ao pensarmos que a democracia portuguesa ainda se encontrava titubeante e um filme destes teria de ter tido o impacto que realmente teve. Hoje em dia, claro, tal discussão não faria qualquer sentido.
Não o tenho em DVD e por isso tinha alguma curiosidade em o voltar a ver. Talvez os canais de cinema da TV Cabo o passem um dia destes
Bom filme e crítica bastante intrigante.
Enviar um comentário