quarta-feira, julho 02, 2025

WUTHERING HEIGHTS (1992)

O MONTE DOS VENDAVAIS
Um filme de PETER KOMINSKY


Com Ralph Fiennes, Juliette Binoche, Janet McTeer, Sophie Ward, Simon Shepherd, Jeremy Northem, Jason Riddington, Simon Ward, etc.

GB/EUA / 105 min / COR / 16X9 (1.85:1)

Estreia no Reino-Unido a 16/10/1992
Estreia em PORTUGAL (Lisboa) a 24/6/1994


«Seja do que for que as nossas almas sejam feitas, a dele e a minha são iguais»


É usual ouvir-se dizer que a passagem para cinema de obras literárias nunca supera o original. Realmente isso acontece, mas nem sempre. Basta apontar alguns exemplos, como "Dr. Zhivago", "A Clockwork Orange", "The Bridges of Madison County" e muitos outros filmes conhecidos, para facilmente se perceber que o produto final fílmico supera em muito o livro adaptado. Mas o inverso também é verdadeiro, como acontece com o meu romance de eleição, "O Monte dos Vendavais" ("Wuthering Heights"). Único romance da novelista e poetisa Emily Brontë, o livro foi escrito entre Outubro de 1845 e Junho de 1846, tendo sido editado apenas na segunda metade de 1847, após o lançamento de “Jane Eyre”, da sua irmã, Charlotte Brontë. Ao contrário deste último, que se transformou logo de imediato num enorme sucesso, “Wuthering Heights” foi alvo de duras críticas, especialmente devidas à crueldade vinculada pela personagem de Heathcliff. Mas, ao longo dos anos (o tempo, esse eterno juiz, a impor uma vez mais o seu sábio veredicto), “Wuthering Heights” foi-se tornando extremamente popular, sendo alvo das mais variadas formas artísticas de adaptação: no cinema, na televisão e na rádio; um musical, um ballet, 3 óperas, uma canção de grande sucesso mundial (de Kate Bush, em 1978) e até um jogo de personagens.




Ler “O Monte dos Vendavais” é uma experiência inesquecível, uma viagem apaixonante ao mundo rural (condado de Yorkshire) da Inglaterra dos finais do século XVIII que serve de cenário à paixão, tão bela quanto trágica, entre Heathcliff e Cathy Earnshaw. Uma história de amor, obsessão e vingança, que contamina tudo em seu redor, por causa da sua força tempestuosa e quase demoníaca, mas que perdura para além da morte. A estação de televisão britânica UKTV Drama organizou recentemente um estudo sobre a popularidade da literatura inglesa. Numa lista de vinte títulos, escolhidos por cerca de dois mil leitores, “Wuthering Heights” foi considerada a maior história de amor de todos os tempos (com “Orgulho e Preconceito” de Jane Austen em segundo lugar; e, estranhamente, “Romeu e Julieta” de William Shakespeare em terceiro).


Emily Brontë (1818-1848) era uma personalidade fascinante. É o mínimo que se pode dizer de uma jovem mulher que, sem instrução formal e sem experiência de vida, conseguiu escrever um dos romances mais estudados da literatura inglesa. Viveu com as suas duas irmãs, Charlotte e Anne, que escreveram sob o apelido de Bell (Ellis no caso de Emily). Filhas de um pastor anglicano de origem irlandesa, Patrick Brontë, cresceram numa região desolada, num ambiente de perfeita união com a natureza. “Wuthering Heights” é a obra de uma jovem escritora (tinha 28 anos quando acabou de escrever o livro, vindo a falecer de tuberculose apenas dois anos depois, a 19 de Dezembro de 1848), de carácter solitário e sensível, que procurou no silêncio da natureza as correspondências vibrantes da sua imaginação. O resultado foi esta obra-prima da literatura mundial.




Mas concentremo-nos nas adaptações para o cinema – mais de uma dúzia – entre filmes, telefilmes e séries televisivas. De todas essas versões é de realçar a de 1939 (de William Wyler, com Merle Oberon e Sir Laurence Olivier nos protagonistas), a de 1954 (de Luis Buñuel, com Irasema Dilían e Jorge Mistral), a de 1970 (de Robert Fuest, com Anna Calder-Marshall e Timothy Dalton) e esta, de 1992.




Se o filme de Wyler é porventura o mais conhecido, e o de Buñuel o mais cinemático, a presente versão de Peter Kosminsky é aquela que mais se aproxima do romance original, e onde temos direito a uma portentosa interpretação de Ralph Fiennes, bem como à excelente música assinada por Ryuichi Sakamoto. É, de longe, a minha versão favorita, se bem que goste muito da intérprete inglesa (Anna Calder-Marshall) da versão de 1970 (onde se pode ver também um Timothy Dalton com apenas 26 anos, no seu segundo papel no cinema). Aqui chegado, apetece-me perguntar: que nível atingiria esta versão se a escolha tivesse recaído em Oliver Reed, o grande actor inglês, que por esta altura se encontrava no seu período de ouro? Julgo que não haveria ninguém mais indicado para interpretar a personagem apaixonada e violenta de Heathcliff. Oliver Reed tinha todos os predicados para nos ter podido brindar com uma interpretação histórica. Mas isso, infelizmente, não aconteceu. Por isso, a ideia com que se fica, sobretudo para os amantes do romance original, é que ainda está por fazer a versão definitiva de “Wuthering Heights” que consiga transpor para o grande ecrã toda a força do romance. Por isso, uma sugestão: vejam os filmes por mera curiosidade, mas, sobretudo, leiam o livro, porque será este que perdurará para sempre nas vossas memórias.



THE DEAD ZONE (1983)

ZONA DE PERIGO
Um Filme de DAVID CRONENBERG



Com Christopher Walken, Brooke Adams, Herbert Lom, Tom Skerritt, Anthony Zerbe, Martin Sheen, etc.
 
EUA / 103 min / COR / 16x9 (1.85:1)
 
Estreia nos EUA a 21/10/1983
Estreia em Portugal (Lisboa) a 16/2/2006 (cinemateca portuguesa)



Johnny Smith: “If you could go back in time to Germany, before Hitler came to power, knowing what you know now, would you kill him?”

Fui desde sempre um grande apreciador do cinema de David Cronenberg, esse realizador canadiano nascido em Toronto a 15 de Março de 1943, que gosta de usar o corpo humano como matéria prima ideal para a moldagem dos seus filmes. Este “The Dead Zone” não será um dos mais representativos desse cinema mas consegue envolver-nos numa atmosfera psicológica bem delineada, onde não será alheia a paisagem invernal em que decorre toda a acção do filme. Apesar do próprio Cronenberg ter lamentado o facto de a versão em video possuir um tom demasiado claro, penso que a brancura da neve contribui decisivamente para a criação dessa atmosfera que é uma característica fundamental de “The Dead Zone” e uma das razões porque eu gosto tanto deste filme.
 
Adaptado de uma novela de sucesso de Stephen King, “The Dead Zone” conta-nos a curiosa história de um professor, Johnny Smith (Christopher Walken), que um acidente de viação irá atirar para um coma profundo de cinco anos na cama de um hospital. O despertar, que para Johnny é como se fosse o dia seguinte, traz-lhe a revelação da dura realidade: encontra-se praticamente paralizado da cintura para baixo e Sarah (Brooke Adams), a mulher com quem estava para se comprometer nas vésperas é agora casada e mãe de uma criança. Pouco depois Johnny descobre em si próprio a estranha capacidade de visualizar acontecimentos passados ou futuros que lhe ocasionam insuportáveis dores de cabeça, acompanhadas por uma sensação que ele próprio descreve como a de uma “morte antecipada”.
 
Com o passar do tempo Johnny volta a conseguir andar, embora com dificuldades, e aprende a usar o seu novo dom para alterar o destino e evitar assim que certos acontecimentos trágicos se venham a concretizar, nem que para tal seja necessário sacrificar a própria vida. Cronenberg sempre se sentiu atraído pelo corpo humano e o modo como esse corpo nos pode eventualmente afectar ou mesmo destruir. Em “The Dead Zone” essa obsessão continua, se bem que vista agora por um prisma ligeiramente diferente – não temos aqui nenhum vírus ou parasita, o habitual horror é desta vez substituído pela fragilidade, a qual progressivamente se vai apoderando do corpo de Johnny Smith.
 
Como habitualmente Cronenberg sente-se confortável na adaptação de outras histórias que não as suas, o que o torna menos indulgente e mais linear no modo de as filmar. Essa linearidade de processos, a sua montagem fluida, invisível, confortam a fé do espectador naquilo que lhe é dado a observar. Nada de magia ou atmosferas góticas, é a estrutura narrativa que conduz o espectador à inquietude fundamental de observador. “The Dead Zone” é, segundo o próprio realizador, um filme essencialmente sobre perda e sacrifício, o que não o impede de constituir também um excitante thriller, feito com mestria e inteligência, e recheado de cenas que por certo perdurarão na memória dos apaixonados deste género de cinema.
 
CURIOSIDADES:
 
- A novela de Stephen King, onde o filme é baseado, inspirou-se de facto num personagem real, o físico Peter Hurkos, o qual alegava que os seus poderes lhe tinham aparecido após uma queda de um escadote em que teria batido com a cabeça no chão

- O trecho do poema que Johnny lê aos seus alunos no início do filme é a parte final de “The Raven”, da autoria de Edgar Allen Poe

- Os intervenientes na sequência da 2ª Guerra Mundial falam todos em polaco

- David Cronenberg foi premiado por este filme nos Festivais de Avoriaz (França) e de Fanta (Itália). Por sua vez, “The Dead Zone” foi considerado o melhor filme de horror de 1983 pela Academy of Science Fiction, Fantasy & Horror Film dos EUA.