Um filme de SERGIO LEONE
Com Robert
De Niro, James Woods, Elizabeth McGovern, Jennifer Connelly, Treat Williams, Tuesday Weld, Burt
Young, Joe Pesci, Danny Aiello, William Forsythe, James Hayden, Larry Rapp,
etc.
COR / 16X9 (1.85:1)
Estreia em Portugal: 7/2/1986 (Lisboa)
Noodles: «You see, Mr Secretary… I
have a story also, a little simpler than yours. Many years ago, I had a friend,
a dear friend. I turned him in to save his life, but he was killed. But he
wanted it that way. It was a great friendship. But it went bad for him, and it
went bad for me too. Good night, Mr Bailey.»
«Quis fazer um filme sobre aquela América magicamente suspensa entre o cinema e a história, entre a política e a literatura, que condicionou e condiciona ainda a vida intelectual de muitas gerações de homens, como uma espécie de mito grego moderno e mirabolante» (Sergio Leone)
Das sete longas metragens de Sergio Leone, estreadas entre
1961 e 1984, existem dois filmes que podem ser consideradas obras-primas
absolutas da 7ª Arte: “Aconteceu no Oeste” (1968) e este “Era Uma Vez na
América”, que o realizador italiano começou a rodar a 14 de Junho de 1982 (as
filmagens chegariam ao seu termo a 22 de Abril de 1983). Baseado no romance
semi-autobiográfico “The Hoods”, de Harry Grey (o verdadeiro “Noodles”), e
argumento escrito a seis mãos, “Era Uma Vez na América” é a concretização do
sonho de juventude de Leone e o seu filme testamentário. A 30 de Abril de 1989
o seu coração pararia de bater, enquanto assistia na televisão, na companhia da
mulher Carla, ao filme “I Want to Live” (1958), de Robert Wise. Tinha 60 anos. Durante
o funeral, na Basílica de San Paolo Fuori le Mura, Ennio Morricone tocaria o
tema principal de “Aconteceu no Oeste”.
“Era Uma Vez na América”, como filme de gangsters, só
pode ser comparado, em importância e grandiosidade, à obra de Francis Ford
Coppola, “O Padrinho”. Leone assina aqui um monumento de quase quatro horas,
entrelaçando três épocas distintas (1921, 1933 e 1968), para contar a história
de quatro rapazes judeus, Noodles, Max, Cockeye e Patsy, num bairro pobre de
Nova Iorque. Brincadeiras, matreirices e descobertas próprias da adolescência,
começam a cimentar uma amizade que se irá prolongar no tempo, sobretudo entre
Noodles (Robert De Niro) e Max (James Woods), que traça toda a estrutura
narrativa do filme. Nesse primeiro tempo existe ainda um quinto elemento,
Dominic, que é morto por um elemento de um gangue rival. Ao reagir, desvairado,
ao seu assassínio, Noodles acaba por matar o autor do crime, vindo ainda a
esfaquear um polícia, o que o leva à prisão. Sai doze anos depois, na época da
Lei Seca, e constata que os amigos fizeram fortuna, gerindo agora um cabaret.
Para além do núcleo masculino da história existe Deborah
(Jennifer Connelly, primeiro, Elizabeth McGovern depois), a irmã de Fat Moe,
pela qual Noodles se enamora desde criança. Ela encarna a imagem fantasmagórica
da América, uma imagem literalmente intocável (quando tenta fazer amor com ela,
Noodles acaba por só conseguir violá-la), apenas passível de contemplação à
distância. A sequência do bailado no armazém (“Amapola”) presenciado por
Noodles a partir de uma pequena fresta na casa de banho do restaurante é o
momento onírico que marca a alternância entre as diferentes idades dos
protagonistas. Uma das últimas e mais belas sequências do filme é quando
Noodles, já idoso, reencontra Deborah no seu camarim de artista, que se
desmaquilha frente ao espelho. Na parede, um cartaz de “António e Cleópatra”,
de William Shakespeare, proporciona a Noodles a citação do escritor: «O tempo
não a poderia envelhecer…» «Aquilo foi escrito para ti», acrescenta. Atrás da
máscara branca surge o rosto da jovem que, ao contrário das outras personagens
do filme, pouco ou nada envelheceu. Para Noodles, que tanto a amou, a sua
beleza permaneceu intacta. Ao cair, a máscara de Deborah revela a essência do
cinema de Sergio Leone: «A América foi o primeiro amor dos italianos que
cresceram nos anos 30. Nunca se esquece o primeiro amor, mesmo que o nosso
ponto de vista mude consideravelmente mais tarde.»
No final da sequência atrás citada, Noodles revela a Deborah
as duas razões que o levaram a procurá-la: constatar se realmente tinha valido
a pena a separação entre os dois para que ela pudesse triunfar nas suas
ambições; e pedir-lhe conselho sobre se deveria aceitar um convite para uma
festa oferecida pelo secretário de estado Bailey, figura que pessoalmente nunca
conhecera, e que por isso despertava a sua curiosidade. Deborah avisa-o: «Só
nos restam as recordações. Se fores no sábado a essa recepção, vais estragá-las.»
Mas o mistério aguça o interesse de Noodles, que acaba mesmo por aceitar o estranho
convite. O secretário Bailey não é outro senão Max, o antigo companheiro de Noodles,
que este julgava morto há mais de 30 anos, devido a uma emboscada da qual ele
tinha sido o delator, e que por isso o tinha feito afastar-se de tudo e de
todos naquele longo período.
O confronto final entre os dois homens tem características opostas. Max quer que Noodles o mate por lhe ter roubado tudo, incluindo Deborah,
a única mulher que ele sempre amou, e assim poder salvar pelo menos a honra.
Mas Noodles recusa chamá-lo pelo seu nome verdadeiro, como se a pessoa que agora
tem diante de si não fosse o homem pelo qual ele tinha sacrificado a vida há
mais de trinta anos. Noodles substitui a realidade decepcionante do mundo que
descobre nos anos 60 (a amizade suja, a América corrompida, os amores perdidos)
por um mundo ideal mas já extinto (os anos trinta). Esta vontade de manter à
distância a experiência do real e de preservar a antiga inocência constitui a
melancolia do filme e explica por que o mundo isolado que representa o vício de
fumar ópio é o local instintivo de Noodles e a base da narração. O último
trocar de olhares entre Max e Noodles manifesta esta indecisão temporal.
Depois é a cena já no exterior da residência, em que Noodles
olha para um camião do lixo que passa. Como analogia com tudo quanto existe de
putrefacto, o veículo afasta-se lentamente na profundeza do campo e fica
reduzido a duas luzes vermelhas, perdidas na noite. De seguida, reaparecem outras
luzes, agora brancas, de uma viatura cheia de jovens ruidosos. A presença na
imagem do olhar do velho Noodles e desta visão surgida dos anos 30 abrange a
explicação de um filme do qual o tema principal é a união impossível: entre os
sonhos das crianças e o mundo dos adultos, entre a América fabricada por
Hollywood e a América real. O filme acaba, tal como começa, com a música “God
Bless America”, de Irving Berlin. Leone não parou de fantasiar com uma América
mitológica, cinematográfica e universal que, no fundo, só existiu aos seus
olhos deslumbrados de menino. “Era Uma Vez na América” conta a história desta
desilusão.
Após ter finalizado a rodagem, Leone viu-se nas mãos com cerca de 9 horas de filme. Ele e o editor Nuno Baragli reduziram a metragem total para cerca de 6 horas, pensando poder apresentar a obra em dois filmes separados, com cerca de 3 horas cada um, à semelhança do que Bernardo Bertolucci tinha já feito com “Novecento”. Mas os produtores recusaram tal ideia e Leone teve de reduzir ainda mais o filme, para pouco menos de 4 horas. Foi assim que “Era Uma Vez na América” estreou no Festival de Cannes de 1984, onde teve uma recepção entusiástica, com 15 minutos de contínuos aplausos. Mas o pior ainda estava para vir. Como sempre avessos a filmes muito extensos, os exibidores americanos (Ladd Company) reduziram drasticamente a obra para cerca de duas horas e um quarto, versão essa que foi a que passou em todos os cinemas dos Estados Unidos, tornando-se certamente incompreensível para todo o público norte-americano e originando por isso mesmo uma enxurrada de más críticas. Como consequência da leviandade americana, que, diga-se, tem um longo e nefasto historial, o filme não obteve qualquer nomeação para os Óscares, tendo tido apenas duas nomeações para os Globos de Ouro (Sergio Leone e Ennio Morricone). Em contrapartida, a versão original conseguiu 5 nomeações para os BAFTA ingleses (incluindo realização, cinematografia e actriz secundária – Tuesday Weld), vencendo em duas categorias: Guarda-Roupa (Gabriella Pescucci) e Banda-Sonora (Ennio Morricone).
- A ponte de Manhattan, tal como aparece no poster do filme,
pode ser vista a partir de Washington Street, em Brooklyn.
- Foi o primeiro filme de Jennifer Connelly. Completou 12 anos
no dia 12 de Dezembro de 1982. O seu desempenho chamou a atenção do realizador
italiano Dario Argento, que tinha trabalhado com Leone em “Aconteceu no Oeste”.
Em 1985, Argento deu-lhe o papel principal em “Phenomena”.
- A partitura musical de Ennio Morricone encontrava-se já
pronta no início das filmagens, o que permitiu tocá-la simultaneamente com a
rodagem de algumas cenas.
- Sergio Leone recusou a oferta de dirigir “O Padrinho” dez
anos antes. Uma decisão que mais tarde lamentou, e que o incentivou ainda mais
a realizar “Era Uma Vez na América”.
- Leone baseou o estilo visual do filme em pinturas de artistas como Reginald Marsh, Edward Hopper, Norman Rockwell ou Edgar Degas, este último para as cenas de dança de Deborah.
- Al Pacino e Jack Nicholson não aceitaram o papel de “Noodles”.
Quanto ao papel de Deborah, o mesmo foi recusado por Jodie Foster e por Daryl
Hannah.
- A música “Deborah’s Theme” foi mais tarde adaptada a uma
canção de Céline Dion (“I Knew I Loved You”) e a outra interpretada por Andrea
Bocelli e Ariana Grande (“E Più Ti Penso / The More I Think of You”)
- Único filme de Leone a ser falado em inglês. Mas quando se
estreou em Itália, os diálogos foram dobrados para italiano.
1 comentário:
É um filme fantástico, e torna-se curioso ver o De Niro a passar de novo para "velho" quando agora é o contrário: de "velho" para novo.
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