segunda-feira, outubro 24, 2011

ANTEVISÃO: "THE ADVENTURES OF TINTIN"


Antecedido por uma agressiva operação de marketing, é já nesta semana (quinta-feira, dia 27 de Outubro), que se estreia em Portugal o filme “The Aventures of Tintin”, a adaptação feita por Spielberg e Peter Jackson de dois dos livros (“Le Secret de La Licorne” e “Le Tresor de Rackam Le Rouge”) do famoso repórter francês, criado em 1929 por Georges Prosper Remi (1907-1983), autor que ficou conhecido em todo o mundo pelo nome bem mais simples de Hergé. Não vou lá estar na estreia nem muito provavelmente em qualquer outra sessão. Existem filmes para os quais me descubro completamente desmotivado a comprar o respectivo bilhete de ingresso e este é um deles. Neste particular caso devido a três razões fundamentais: por ser realizado em 3D, por não ser falado em francês e, sobretudo, por eu próprio ser um grande fã de Tintin, o meu herói preferido de todo o mundo da banda desenhada.
Spielberg nunca tinha ouvido falar de Tintin quando realizou os "Salteadores da Arca Perdida" em 1981. Foram algumas críticas, escritas em França, que lhe despertaram a atenção por repetidamente mencionarem o nome de Tintin como uma das grandes influências do filme. Só então, e pouco a pouco, é que o realizador norte-americano se foi apercebendo da existência daquela personagem icónica da banda-desenhada, uma das mais queridas e conhecidas de várias culturas da Europa à Ásia, mas perfeitamente desconhecida em terras do Tio Sam. Apesar de, ao que dizem, se ter tornado um leitor assíduo das aventuras do popular repórter, Spielberg chegou demasiado tarde àquele universo muito particular criado por Hergé. Para se amar, para se sentir a personagem de Tintin e de todas as outras que gravitam em torno dele, há que ser-se criança primeiro e só depois crescer com elas.
O que provavelmente Spielberg se apercebeu, como profundo conhecedor dos meandros da produção cinematográfica, foi que tinha ali um filão capaz de lhe adicionar mais alguns milhões de dólares à conta bancária. Daí, a parceria feita com Peter Jackson, por causa dos efeitos digitais necessários à feitura do filme, foi um pequeno passo. Jackson tem sobre Spielberg a vantagem de, segundo ele, ter crescido a ler as aventuras de Tintin, mas a sua obsessão pelo CGI (computer generated imagery) usada (e abusada) em filmes como “King Kong” ou a trilogia do “Senhor dos Anéis” não augura nada de bom. Já tive ocasião de ver alguns dos trailers que proliferam por aí, e as expectativas não são nada estimulantes. Com toda a probabilidade teremos mais uma aventura digital, exemplarmente filmada (pese embora os bonecos me parecerem muito toscos e inexpressivos), mas que não se diferenciará de tantos outros produtos com que Hollywood tem inundado as plateias mundiais nos últimos anos.

Conforme escreve Eurico de Barros num artigo publicado ontem no Diário de Notícias, «há mais coisas a separar a banda desenhada e o cinema do que a aproximá-los, estética e tecnicamente. Imaginados para o papel, é muito difícil tirar de lá para a tela heróis como Astérix, Lucky Luke, Blueberry ou Tintin, quer se recorra à animação quer à imagem real. Os filmes ficam sempre aquém do original». Corroboro integralmente este ponto de vista, e penso que neste particular caso de Tintin as diferenças serão ainda mais abismais. A imagem de marca do traço de Hergé, conhecida como “linha clara e legível”, estará, com quase toda a certeza, ausente no filme, bem como o humor subtil ou o ritmo narrativo criados pelo escritor e desenhista belga. Em seu lugar haverá doses maciças de acção e efeitos espectaculares que se limitarão a repetir, ad nauseum, tudo aquilo que as actuais gerações estão já habituadas a esperar de cada novo filme.
Tanto Spielberg como Jackson afiançam não terem pretendido mais do que prestar uma homenagem ao universo e imaginário de Tintin através de uma abordagem inédita. Inclusivé, tiveram o beneplácito dos herdeiros de Hergé, que apoiaram o projecto desde o início: «deixaram-nos mesmo consultar o seu enorme arquivo e, em particular, toda a documentação (desenhos, mapas, etc.) que ele acumulou para construir as suas histórias – ironicamente, Hergé viajou muito pouco». Mas, no final, receio bem que as boas intenções não passem disso mesmo. Tal como as remakes de filmes clássicos que se vão anunciando cada vez com mais frequência, sempre com o substantivo “homenagem” na boca de todos os que ousam adulterar o que não precisa de ser refeito. Felizmente que, no caso presente, continuaremos a ter os livros sempre à mão (350 milhões de cópias vendidas em todo o mundo, e em cerca de 80 idiomas diferentes) para, aí sim, nos podermos deliciar com todas as aventuras de Tintin.

5 comentários:

My One Thousand Movies disse...

Subscrevo todas as tuas palavras, amigo Rato :)

Billy Rider disse...

Também vou passar ao lado. E pelas mesmas razões que referes.

Fábio Henrique Carmo disse...

Rato, na minha opinião você está tendo uma visão preconceituosa. Ninguém pode dizer se um filme é bom ou ruim antes de vê-lo ou apenas pelos seus trailers. É melhor se dar a oportunidade de vê-lo e, aí sim, tirar suas conclusões. E se Spielberg criou o universo de Indiana Jones sem nunca ter lido Tintim, palmas pra ele, pois não plagiou ninguém. Abraço!

Rato disse...

Permita-me discordar, caro Fábio. Aliás, não é só pelos trailers - isso até muito usualmente nos dá quase sempre uma ideia errada do filme. Mas acho que explicitei, preto no branco, as razões principais pelas quais não vou ver este filme. Podem ser as "más" razões, mas não lhes consigo fugir.
Quanto a esta minha atitude, trata-se mesmo de "pré-conceito". De que outra maneira poderíamos seleccionar aquilo que queremos ou não ver? Não se pode assistir a todos os filmes do mundo e, como já vejo cinema há muitos, muitos anos, isso permite-me, à partida, separar o trigo do joio, como se costuma dizer. Não há receitas infalíveis, mas normalmente costumo acertar. E depois, fica sempre aquele pequeno espaço, tão saboroso, para eventuais surpresas. É claro que neste caso as minhas razões vão para lá do cinema e por isso não quero mesmo correr o risco
Saudações cinéfilas

José Luís disse...

Concordo inteiramente com o Rato.