«Os filmes de terror não geram violência, são terapêuticos»
Nascido em Boston, em 1972, Eli Roth foi apelidado pela critica de "inventor do torture porn", uma modalidade do cinema de terror independente hard, e agrupado no chamado splatter pack, um grupo de realizadores da sua geração e que fazem filmes de choque semelhantes aos seus, caso de Rob Zombie, James Wan, Leigh Whannell e Neil Marshall. Um rótulo liminarmente rejeitado por este realizador de espírito independente e "apadrinhado" por Quentin Tarantino, que lhe deu um dos papéis principais em “Sacanas Sem Lei” (2009). Também argumentista, produtor e actor, Roth gosta de cinema de animação (fez e deu voz a duas séries de televisão animadas) e foi colaborador de David Lynch. «Estou pronto para voltar a realizar um filme em breve», disse ao DN. Mas não será a adaptação de “Chamada para a Morte”, de Stephen King, como correu há algum tempo.
- Quando decidiu que queria ser realizador, decidiu logo também que queria fazer filmes de terror?
- Eu queria fazer todo o tipo de filmes, mas soube logo que queria fazer filmes de terror, os meus favoritos de sempre. Também gostava de animação, do Bugs Bunny e de filmes como “O Submarino Amarelo”. Sempre gostei de desenhar e pintar, e a minha mãe é pintora. Quando era miúdo, passava o tempo a desenhar e a pintar. Nessa altura, os filmes de terror eram uma coisa proibida. Não havia vídeos, não havia cabo e nunca passavam na televisão, porque eram muito violentos. Estavam envoltos numa aura de mistério, ouvíamos os irmãos mais velhos descrevê-los. Foi “Alien, O Oitavo Passageiro” que me fez querer ser realizador. E também “Guerra das Estrelas”, e “Tubarão”.
- Por causa de filmes como “Hostel” e “Hostel 2”, a crítica pôs-lhe o rótulo de "inventor do torture porn", um subgénero do cinema de terror em que as personagens são horrivel e graficamente torturadas. O que pensa deste rótulo?
- Acho que é ridículo. Mas quando fazemos um filme que mexe com as pessoas, não podemos ficar surpreendidos se nos metem numa caixa. Eu queria fazer um filme que acordasse as pessoas, que as chocasse e as pusesse a falar e a discutir a violência. Tal como o George Romero e o Tobe Hooper fizeram nos anos 70, eu pretendi fazer um filme que pudesse ser visto repetidas vezes, e discutido a vários níveis. Essa rotulação não passa de uma maneira fácil de me meter, e ao filme, num ghetto, e de o menosprezar. Os fãs não usam esse termo. Um crítico que o usa é logo visto como uma pessoa que não gosta deste tipo de filmes, e não ligam à opiníão dele.
- Aliás, isso é ignorar que o cinema de terror tem uma longa tradição de abordagem da violência, e que tem evoluído com o tempo.
- Exacto. Olhem para os quadros de Bosch ou de Goya. Chamariam a isso arte pornográfica? Um filme como “Hostel” é, para mim, mais um passo na evolução do género e fico lisonjeado que as pessoas falem tanto sobre ele. Eu não quis necessariamente ser mais violento do que qualquer outro realizador antes de mim, quis foi abordar a violência de uma nova maneira.
- Também tem produzido filmes de terror tradicionais, como “O Último Exorcismo”, e agora uma fita de artes marciais com o Russell Crowe, “The Man with the Iron Fists”, realizado pelo RZA.
- Quero mostrar às pessoas que sou mais do que um realizador metido numa caixa e rotulado, apenas associado à tortura e à violência. E faço-o com filmes como esses.
- Os mestres do terror costumam ser realizadores independentes. Rodou os seus filmes neste sistema de produção. É um requisito necessário para fazer cinema de terror que fuja à rotina, às normas e à censura dos estúdios?
- Ajuda sempre ser independente, porque mantém a pureza. Nós sentimos logo quando um filme é fabricado por um estúdio. O studio system funciona bem para certo tipo de filmes, mas o cinema de terror tem que ser perigoso, tem que forçar a nota. Tem que mostrar o impensável, o que não se pode fazer. Veja “A Última Casa à Esquerda": é um filme assustador porque a cena de violação é horrivelmente realista, até o próprio violador se sente incomodado depois. O remake do estúdio é politicamente correcto, mas a certa altura, por nenhuma razão, mostra os seios da rapariga, o que ainda é mais gratuito do que a violação do filme original. E o elemento de transgressão foi eliminado. Os melhores filmes de terror recentes são independentes. Olhe, o “Actividade Paranormal”, por exemplo, safou -se de não se estrear por causa do lobby dos fãs, porque não o queriam distribuir. Mas já o remake de “Veio do Outro Mundo”, do John Carpenter, é um bom filme de terror de estúdio, e custou 50 milhões de dólares, um orçamento impensável para um independente. Os estúdios também podem fazer bons filmes de terror. Tudo depende do tema. Se é FC e monstros, os estúdios alinham. Se mete humanos, violência e tortura, vai melhor com os independentes.
- Disse numa entrevista que «os filmes violentos não geram violência nem incitam a ela». E é verdade. Mas esse mito tolo persiste. Porquê?
Claro! Há estudos feitos por universidades sobre isso, que mostram que os índices de violência diminuem sempre que se estreiam filmes violentos. As pessoas violentas estão todas no cinema [risos]. E o mito persiste porque as pessoas não querem aceitar as suas responsabilidades sociais e fazem dos filmes o bode expiatório. É muito mais fácil culpar o cinema. A violência não começou em 1969 com “A Quadrilha Selvagem", do Sam Peckinpah. Os EUA foram fundados com base na violência. A vida é violenta. O que vemos no cinema é apenas uma representação da violência. E os filmes de terror têm uma função terapêutica, servem para as pessoas fazerem a catarse dos horrores e da violência da vida real. Os meus filmes reflectem realidades como Abu Grahib, o uso da tortura pela administração Bush ou a arrogância dos EUA no mundo pós 11 de Setembro.
(Entrevista de Eurico de Barros, publicada no DN em 11 de Setembro de 2011)
1 comentário:
nunca assisti nenhum filme dele... na verdade, não faz minha cabeça
O Falcão Maltês
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