Um filme de MARTIN SCORSESE
Com Liza Minnelli, Robert De Niro, Lionel Stander, Barry Primus, Mary Kay Place, Georgie Auld, etc.
EUA / 163 min / COR / 16X9 (1.66:1)
Estreia nos EUA a 21/6/1977
Estreia em PORTUGAL a 15/12/1977
(Lisboa, Cinema S. Jorge)
A love story is like a song. It's beautiful while it lasts
Começo por citar Martin Scorsese quando na altura do lançamento do filme afirmou que “New York, New York” era um musical negro. Nada de mais lógico e compreensível: Scorsese sempre se deixou envolver pelo espaço mítico da Big Apple. Os seus fantasmas encontram-se aí todos, algures numa esquina entre a Brooklyn e a Broadway, passando pela 42nd Street e não esquecendo esse Harlem onde os white cats não são muito bem vindos. Tudo já vem desde o começo, desde “Mean Streets” e “Taxi Driver”. Exorcizar os demónios pessoais não é tarefa fácil – provavelmente é necessária toda uma carreira, senão a vida inteira.
“New York, New York” é um filme que se vai descobrindo, e nos descobre, como uma canção ou uma história de amor. Não é um filme de “saudade”, isto é, não é um filme dolorosamente fascinado por tudo o que se perdeu ou o lado bom das coisas que desapareceu para sempre. Mas talvez seja um filme angustiado que não recusa o fascínio mas que assume, com uma crueldade perturbante, o vazio que esse fascínio provoca. Na sua essência, “New York, New York” é um monumento à desilusão e à frustração, um filme que se afasta vertiginosamente da paz tranquila dos nossos heróis juvenis, dos poemas da nossa adolescência, das sombras mais apressadas ou das alegrias mais breves como que um anúncio premonitório da nossa solidão futura.
O filme começa na euforia do armistício, em Agosto de 1945, e do modo mais clássico: “Boy Meets Girl”. Ou De Niro versus Liza, numa das mais belas cenas alguma vez filmadas da guerra dos sexos - Scorsese diverte-se a recriar a atmosfera das screwball comedies do passado, numa sequência que nas mãos de qualquer outro realizador seria drasticamente encurtada, mas que aqui funciona às mil maravilhas em toda a sua longa duração. Trata-se mesmo de uma das sequências mais memoráveis de todo o filme e que pessoalmente nunca me canso de saborear.
No entanto nada se irá respeitar. De desencontro em desencontro, um saxofonista ambicioso e uma cantora igualmente ambiciosa vão-se afastando entre duas músicas incompatíveis, um amor impossível e um filho que talvez seja o fruto desejado do sucesso de ambos. Mas um sucesso que necessita de vias separadas para se poder afirmar e que, em última análise, necessita também que nós, espectadores, nos afastemos da farsa hollywoodesca. Só então, no termo da viagem, será possível a Jimmy Doyle (Robert De Niro) finalizar aquela canção escrita a quatro mãos e dedicá-la a Francine (Liza Minnelli), a outra metade da dupla.
A acção de “New York, New York” decorre num período de sete anos, época fundamental de transição entre a “big band music” e o chamado “bebop”, típico dos inícios dos anos 50. Como muito bem observou Bénard da Costa, «A espantosa relação Liza-De Niro (actores fabulosos e geniais) percorre não só os problemas emocionais de cada um, como a luta entre esses dois géneros de música. O triunfo de Liza é conseguido na “big band music” e os seus grandes espectáculos. De Niro, pelo contrário, falha nesse género e só em Harlem consegue o sucesso, depois de se ter separado da mulher. É entre eles, e entre a música deles, que o acordo se não dá, aquele acordo a que Liza chama “a great believer”, quando canta “New York, New York” para Boyle. A música é assim, desde as notas iniciais, um elemento fundamental na estrutura dramática do filme, tão fundamental quanto a evolução da relação entre os protagonistas, uma das mais belas histórias de amor que alguma vez vimos em cinema.»
“New York, New York” é também (ou sobretudo) uma homenagem ao musical clássico americano de que Scorsese é um fan absoluto, e ficará na história do cinema como um filme decisivo no género. A cidade toda recreada em papel, filme totalmente rodado em estúdio - essa necessidade evidente de mostrar bem o carácter ilusório do cinema - fica-nos como uma das mais gratas recordações cinematográficas. No fim o encanto acaba e talvez uma lágrima se solte. Descemos de novo à rua, ao asfalto, à chuva, quem sabe saídos de um qualquer “Harlem Club”, para chorarmos um amor perdido, e sonharmos um amor futuro, entre dois golos de um qualquer líquido e uma baforada de fumo. Que palavras e que lutas, que desejos iremos inventar? Os filmes acabam, e depois? Em que estranhas cidades acordamos? Que longínquas madrugadas iremos povoar?
CURIOSIDADES:
- A montagem original de “New York, New York” durava quatro horas e meia. Martin Scorsese reduziu-a para 153 minutos e depois para 136 minutos, que foi a versão estreada nos cinemas. Em 1981 foi acrescentado o número completo do bailado final (“Happy Endings”) e é essa última versão (com 163 minutos) que se encontra agora disponível em DVD.
- Quando De Niro se tenta registar no hotel, dá o nome de Michael Powell – uma pequena homenagem de Scorsese ao realizador inglês que tanto o influenciou.
- A grande maioria dos diálogos foi totalmente improvisada, o que confere às cenas uma atmosfera muito especial. Relembram-se algumas das mais carismáticas: toda a sequência inicial, a tentativa de saída de Liza do táxi, o registo de De Niro no hotel, ou o pedido de casamento na neve, entre tantas outras inesquecíveis.
- De Niro aprendeu a tocar saxofone para tornar mais credível o seu papel.
- A loura que De Niro observa a dançar com um marinheiro é Liza Minnelli com uma peruca.
- Liza Minnelli usou o camarim que pertencera à mãe (Judy Garland), bem como o seu cabeleireiro (Sydney Guilaroff) – os estúdios onde “New York, New York” foi rodado eram os mesmos onde Judy Garland filmou a maioria dos seus musicais nos anos 40.
- A canção “And The World Goes Round”, cantada por Liza Minnelli num estúdio de gravação foi a única cuja versão “ao vivo” é apresentada no filme. Todas as restantes foram pós-sincronizadas durante a montagem do filme.
- “New York, New York” foi completamente ignorado pela Academia de Hollywood, tendo conseguido apenas 4 nomeações para os Globos de Ouro, nas categorias de Filme (Musical ou Comédia), Actor (Musical ou Comédia) – Robert De Niro, Actriz (Musical ou Comédia) – Liza Minnelli e canção original. Teve ainda duas nomeações para os BAFTA ingleses: Guarda-Roupa e Banda Sonora.
A BANDA-SONORA:
1 comentário:
Fabuloso, a mistura da extrema artificialidade dos cenários com a entrega dos actores, que à época desconcertou muita gente, faz o filme. O meu Scorsese preferido, dos meus filmes preferidos.
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