Um Filme de NEIL JORDAN
Com Ralph Fiennes, Julianne Moore, Stephen Rea
Estreia nos EUA a 2/12/1999
Estreia em Portugal a 18/2/2000
Diz-se da eternidade que é, não uma extensão do tempo,
mas uma ausência dele.
mas uma ausência dele.
Os amantes ciumentos são mais respeitáveis e menos ridículos que os maridos ciumentos. Os amantes traídos sáo trágicos, nunca são cómicos. (Graham Green)
Maurice: «I'm jealous of this stocking»
Sarah: «Why?»
Maurice: «Because it does what I can't. Kisses your whole leg.
And I'm jealous of this button»
And I'm jealous of this button»
Sarah: «Poor, innocent button»
Maurice: «It's not innocent at all. It's with you all day. I'm not»
Sarah: «I suppose you're jealous of my shoes?»
Maurice: «Yes»
Sarah: «Why?»
Maurice: «Because they'll take you away from me»
Esta é a segunda e feliz adaptação ao cinema de “The End of the Affair”, um dos melhores romances de Graham Greene, cuja narrativa semi-autobiográfica dramatiza a relação do autor com Catherine Walston. Em 1955, Edward Dmytryk fez a primeira versão com Van Johnson e Deborah Kerr nos principais papéis. Neil Jordan pode agora considerar-se com mais sorte ao poder contar com Ralph Fiennes e sobretudo Julianne Moore para os papeis dos dois amantes. Sem esquecer Stephen Rea, que compõe de igual modo magistral a figura do marido enganado cujo amor pela mulher é capaz de aguentar qualquer sacrifício.
Esta é uma história de amor. Do amor das personagens, do amor dado pelos intérpretes, do amor pelos curtos segundos que só o cinema parece conseguir filmar. Mas todo o filme gira também à volta da culpa, essa consequência natural de um catolicismo tortuoso, tão comum na época e uma das imagens de marca dos romances de Greene. Culpa de amar e ser amado, culpa de desejar a felicidade por cima das convenções mundanas. Os personagens movem-se em terrenos desgastados pela moral vigente, que faz cansar e até desesperar quem procura libertar-se da tutela do divino e viver simplesmente uma vida terrena, em toda a sua plenitude.
Neil Jordan confirma mais uma vez o amor com que dirige os seus actores cujos desempenhos são essenciais na elegante fluidez deste filme admirável. A realização chega a atingir patamares poéticos de um lirismo raro no cinema da actualidade, apesar de não se coibir de mostrar o lado mais erótico da paixão. No fundo é todo um mosaico de emoções que está subjacente à relação amorosa e que Jordan filma de maneira exemplar, fazendo lembrar por vezes o classicismo de um “Brief Encounter”, de Lean. O recurso a flashbacks repetidos mas vistos por perspectivas diferentes dá ainda mais a noção da inquietude dos sentimentos que envolvem cada um dos dois amantes. "The End of the Affair" é também uma grande produção inglesa, com os seus específicos valores: reconstituição histórica imaculada, desempenhos sólidos do elenco, fotografia, música e montagem de primeirissima grandeza, tudo a funcionar em pleno para um objectivo maior.
Apesar da atmosfera romanesca e de nostalgia com que os cenários recriam a Londres dos anos da Guerra (a que não será estranha a bela partitura musical de Michael Nyman), a cidade como que se situa em segundo plano face à claustrofobia revelada pela câmara de filmar em volta dos dois amantes. Nunca vi a versão dos anos 50 (uma obra menor ao que tenho ouvido dizer) mas li o livro de Greene. E Jordan consegue efectivamente extrair do romance a complexa teia de sentimentos descrita pelo escritor. Muita coisa é diferente mas um filme não é literatura, vai muito para lá das palavras escritas em papel. Julgo apenas que a cena final do “milagre” (a mancha que desaparece da face da criança) é desnecessária, até porque ausente no romance (o assunto é abordado mas sem o ênfase colocado no filme), podendo erradamente ser interpretada como uma espécie de “recompensa” pelo sacrifício da relação amorosa. O único final apropriado é mesmo todo o ódio de Ralph Fiennes para com um Deus que lhe retirou o grande amor da sua vida:
«Não tenho paz, e não tenho amor, a não ser só por ti, Sarah. Sou um homem de ódio. Deus, conheço a tua astúcia. És Tu quem nos leva a uma altura, de onde nos ofereces o universo inteiro. E és um demónio porque nos tentas a saltar. Eu, porém, não quero a tua paz, nem quero o teu amor. Eu queria algo muito simples e muito fácil: queria ter Sarah a vida inteira, e Tu levaste-a. Com os teus grandes desígnios arruínas a felicidade humana como o ceifeiro, nos campos, destrói um ninho de ratos. Odeio-Te, Deus, odeio-Te como se existisses. Já fizeste bastante, já me roubaste bastante, sinto-me por demais cansado e velho para aprender a amar. Deixa-me em paz para sempre!»
Termino com a citação de parte de um artigo publicado por Linda Santos Costa na revista “Leituras” do jornal Público de 8 de Abril de 1995:
«... Que faz da história de amor em tempo de guerra, que é “O Fim da Aventura”, um romance que nos fascina e comove até às lágrimas? Explicá-lo seria o mesmo que explicar o amor, cedendo à tentação de o reduzir às secreções internas que regulam a intensidade dos impulsos passionais e levam a falar de uma “química do amor”, pois há muito, nesta história, que releva da forma como está construída: a sábia alternância de pontos de vista, o modo gradual e circular como nos é dado o acesso à “verdade” dos acontecimentos, a construção da intriga, com o seu quê de policial, que nos faz estar suspensos das páginas a vir, temendo (e desejando) que o enigma jamais seja desvendado.»
CURIOSIDADES:
- “The End of the Affair” teve duas nomeações para os Ocars nas categorias de Actriz Principal e Cinematografia. Julianne Moore seria preterida a favor de Hilary Swank em “Boys Don’t Cry”
- Miranda Richardson e Kristin Scott Thomas chegaram a ser equacionadas para o papel de Sarah Miles. Julianne Moore, que tinha adorado o livro, escreveu uma carta ao realizador Neil Jordan solicitando-lhe a entrada no filme. O que conseguiu.
- Catherine Walston, a amante de Greene na vida real que inspirou o romance, faleceu com 62 anos em 1978. Segundo o biógrafo do escritor, Michael Shelden, Catherine não permitiu que Greene a visitasse antes de morrer por não querer que ele a visse no adiantado estado de doença em que se encontrava.
5 comentários:
Não parece, mas esta maravilha já tem 11 anos! Uma recriação definitiva (julgo eu) do célebre romance de Greene - aproveitei a saída do filme para na altura ter posto a leitura em dia.
Este também o tenho em DVD, Rato, pelo que desta vez não te maço com a cópiazinha.
Um abraço
Melodrama elevado ao Olimpo do sublime - uma das maiores e mais bem filmadas histórias de amor do cinema. Julianne Moore está divina e deveria ter ganho todos os prémios e mais alguns no ano em que o filme foi estreado. Não ganhou mas ficará para sempre na memória de todos nós.
Um dos melhores filmes dos últimos anos, c/ uma Julianne Moore lindíssima. Nesse anos, aproveitei e ofereci o livro de green a todos os que me eram próximos. Ver o filme várias vezes, sff.
Nem mais, caro JC, folgo saber que também partilhas esta minha paixão pelo filme. Ainda ontem o revi uma vez mais e como sempre acontece desde há dez anos a esta parte exultei e comovi-me com este tesouro raro.
Foi aqui que me apaixonei pela actriz, apesar dela nunca mais ter igualado esta fabulosa interpretação. Há mesmo algumas imagens que me forçam a carregar no botão da "pausa" só para contemplar melhor as expressões dela. Mais uma clamorosa injustiça (entre tantas outras) da Academia de Hollywood ao ter-lhe negado o Oscar.
Realmente um filme emocionante. A primeira versão também é muito interessante, principalmente pela atuação sincera de Deborah Kerr.
O Falcão Maltês
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