sexta-feira, setembro 18, 2015

LE CHARME DISCRET DE LA BOURGEOISIE (1972)

O CHARME DISCRETO 
DA BURGUESIA
Um filme de LUIS BUÑUEL

Com Fernando Rey, Stéphane Audran, Jean-Pierre Cassel, Delphine Seyrig, Paul Frankeur, Bulle Ogier, Milena Vukotic, Maria Gabriella Maione, Claude Piéplu, Michel Piccoli, etc.

FRANÇA / ITÁLIA / ESPANHA / 102 min / COR / 16X9 (1.66:1)

Estreia em FRANÇA a 15/9/1972
Estreia em PORTUGAL: Novembro de 1973


Colonel: «Marijuana isn't a drug. Look at what goes on in Vietnam. 
From the general down to the private, they all smoke»
Mme. Thevenot: «As a result, once a week they bomb their own troops»
Colonel: «If they bomb their own troops, they must have their reasons»


Nas suas memórias, Luis Buñuel dedica um capítulo ao que chama "les plaisirs d'ici bas". Ao contrário do que se possa pensar, o sexo não ocupa o primeiro lugar, vem depois do alcool e do tabaco. Buñuel diz mesmo que os dois últimos «acompanham muito agradavelmente o acto de amor. Geralmente, o alcool deve ser antes e o tabaco depois» e acrescenta que ficou muito contente com a desaparição progressiva e finalmente total do seu instinto sexual, mesmo em sonhos, nos últimos anos da sua vida. «Estou muito contente, como se me tivesse, por fim, desembaraçado dum tirano. Se o Diabo me aparecesse a propor uma recuperação do que chamam a virilidade, respondia-lhe: Não, muito obrigado, não quero mais. Fortalece, antes, o meu fígado e os meus pulmões, para poder continuar a beber e a fumar à vontade.»





"Le Charme Discret de la Bourgeoisie" é um divertimento sobre uma burguesia, de que Buñuel não se exclui, e para o qual conta com a nossa cumplicidade ("burgueses somos nós todos / burgueses desde pequenos / burgueses somos nós todos / ou ainda menos", como se diz num poema de Cesariny). Será só isso? Alguns comentadores têm dito que sim e não escondem o seu desapontamento perante um filme divertidissimo, com achados prodigiosos, mas que lhes parece ter perdido muito da violência e virulência das obras anteriores. Por isso, este "Charme" teve o sucesso que teve, teve os prémios que teve e culminou com o mais alto galardão do cinema: o Oscar de Hollywood para o Melhor Filme de Língua Estrangeira, que Buñuel arrecadou aos 72 anos, depois do que Hollywood lhe fez e depois de 30 anos de uma carreira maldita.




Aliás, Buñuel estava perfeitamente consciente do tom ameno que em geral se encontra na obra. A quem falou de sátira feroz à burguesia, respondeu: «Não é uma sátira e muito menos feroz. Creio que fiz este filme com um sentido de humor amável. Mas também não procurei que as pessoas rissem às gargalhadas do princípio ao fim». E mesmo a quem foi mais longe e quis ver no plano várias vezes repetido dos protagonistas a andar pela estrada, sem chegar a parte alguma, uma alegoria à ausência de destino histórico da burguesia, Buñuel desenganou-os: «Compreendo essa interpretação, até porque o filme termina com os personagens a andar pela estrada. Apesar disso, lamento dizer-lhes que não há nenhuma mensagem. Até porque teria vergonha de me ter proposto a mim próprio - vou demonstrar que a burguesia está perdida. Aliás, creio que o que está em vias de extinção não é só a burguesia. Em muitos países, o proletariado vai-se aburguesando pouco a pouco, vai-se tornando menos revolucionário.»



Sin embargo, Don Luis... nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Se não há sátira feroz, se não há mensagem, se não há irrisão, se não há subversão, se não há crueldade, este filme não é o do fantasma de Buñuel, nem de um Buñuel adormecido. A sua mão (a sua câmera) sente-se do princípio ao fim e o "charme discreto" da burguesia passa pelo desencanto indiscreto duma classe que pretende viver para o prazer, mas que o frustra constantemente. Os dois tipos de prazer sempre invocadas neste filme (os prazeres da mesa e os prazeres da cama) estão permanentemente em cena mas quase sempre são adiados e raramente consumados.

Sucedem-se jantares e almoços, sempre com o mesmo grupo. Fala-se de iguarias de fazer crescer água na boca. Mas, quando se passa ao acto, surge sempre a interrupção. Nunca ninguém come nada, a não ser, no fim, Fernando Rey, acordando do seu último pesadelo, a matar a fome com uns restos guardados no frigorífico. A mesma coisa para as cenas de sexo: Stéphane Audran e Jean-Pierre Cassel são interrompidos pela chegada dos convidados e têm que andar às voltas para conseguir satisfazer o seu desejo; quando Fernando Rey se prepara para ter relações com Delphine Seyrig, toda a espécie de impedimentos acontece até à chegada do marido. Só não se frustra um acto e esse é de tal forma violento que há quem diga que foi para o filmar que Buñuel fez o filme. Refiro-me ao assassinato do moribundo pelo bispo. Por alguma razão essa cena foi cortada pela censura, em Portugal, em 1973...



CURIOSIDADES:

- Luis Buñuel é referido nos créditos finais como responsável pelos efeitos sonoros. No entanto encontrava-se praticamente surdo quando rodou o filme.
   
- Luis Buñuel tinha uma verdadeira obsessão com as baratas que aparecem em muitos dos seus filmes. Aqui veêm-se na cena da tortura na prisão a sair do piano.





«O trabalho foi muito longo. Escrevemos cinco versões do argumento. Era preciso encontrar o equilíbrio certo entre a realidade da situação (um grupo de amigos tentam cear juntos sem o conseguir), que devia ser lógica e quotidiana, e a acumulação de obstáculos inesperados que, apesar disso, não deviam parecer fantásticos ou extravagantes. Nunca quis dizer: Vou demonstrar aqui que a burguesia está perdida. Eu mesmo sou burguês, mas discreto. Se fosse um burguês comme il faut viveria dos meus rendimentos, não faria filmes. Quando seleccionaram o filme para o Óscar e uns jornalistas mexicanos me perguntaram se o ganharia, respondi: Sim, estou convencido que sim. Paguei os 25 mil dólares que me pediram. Os norte-americanos têm os seus defeitos, mas são homens de palavra. Quatro dias depois da brincadeira, escândalo em Los Angeles, mas finalmente ganhei o Óscar, o que me permite repetir que os americanos têm os seus defeitos, mas são homens de palavra.»



2 comentários:

Billy Rider disse...

Um filme magistral - para ver, rever, voltar a ver..., sempre com o mesmo prazer.
Que falta fazem, hoje em dia, realizadores como Luis Buñuel!

José Morais disse...

A minha admiração por Buñuel não tem limites. Começou tarde, precisamente com este filme no início dos anos 70. A partir dessa altura foi a descoberta de toda a obra anterior. Bem difícil era nessa época conseguirmos ter acesso aos filmes. Tinhamos o cine-clube, algumas sessões clássicas ao fim da tarde e pouco mais. Hoje quem se interessa por cinema tem a vida bastante mais facilitada - então pela internet consegue-se practicamente quase tudo.