O PERFUME DO DINHEIRO
(CHARADA EM VENEZA)
Um Filme de JOSEPH L. MANKIEWICZ
Com Rex Harrison, Susan Hayward, Cliff Robertson, Capucine, Edie Adams, Maggie Smith, Adolfo Celi, etc.
EUA-ITÁLIA / 132 min /
COR / 16X9 (1.85:1)
Estreia na GRÃ-BRETANHA (Londres) a 21/3/1967
Estreia nos EUA (Nova Iorque) a 22/5/1967
Estreia em MOÇAMBIQUE (LM, Teatro Manuel Rodrigues) a 23/12/1967
Estreia em MOÇAMBIQUE (LM, Teatro Manuel Rodrigues) a 23/12/1967
"The Honey Pot / O Perfume do Dinheiro" baseia-se,
em princípio, no Volpone de Ben Johnson, dramaturgo contemporâneo de
Shakespeare. Por Volpone começa aliás: num teatro de Veneza, Mr. Cecil Fox (Rex
Harrison) assiste à representação privada da farsa de Johnson, durante a qual
Volpone e o seu criado Mosca resolvem simular a morte do primeiro para assim
enganar os herdeiros. Na peça, Volpone acaba por ser enganado pelo cúmplice,
que, aproveitando-se do testamento, acaba por receber a herança e desalojar o
proprietário. No filme, Mr. Fox não acaba sequer de assistir à representação,
que interrompe a meio do terceiro acto. No seu palácio veneziano, irá também
Mr. Fox simular a sua morte, convidando para assistir aos seus últimos minutos,
três mulheres outrora ligadas à sua vida: uma princesa, Dominique (Capucine),
uma actriz de Hollywood, Merle McGill (Edie Adams), que ele próprio fez subir
na vida, e uma americana milionária, Mrs. Sheridan (Susan Hayward), que se vem
a saber depois tratar-se da sua legítima mulher. Para o papel de Mosca (criado
e confidente), Mr. Fox escolhe um actor desempregado de nome William McFly
(Cliff Robertson). Distribuídos os papéis e planeado o argumento, corre o pano
e inicia-se a acção: diz Mr. Fox que pretende, através desta comédia palaciana,
saber até que ponto o dinheiro influi na vida das pessoas, até que ponto uma
possível herança pode alterar um comportamento. Não iremos aqui revelar o
evoluir dos acontecimentos (até para respeitar quem nunca assistiu ao filme);
diremos simplesmente que poucas vezes se nos tem deparado um argumento (da
autoria do próprio Mankiewicz, e baseado na novela de Thomas Sterling e na peça de Frederick Knott) tão bem construído, tão inteligentemente
urdido, tão ardilosamente desenvolvido.
Até cerca do intervalo, o filme desenrola-se definindo as
personagens e fazendo engrenar as diferentes peças do mecanismo posto a girar
pela vontade de Mr. Fox. Depois, assistimos então a uma encarniçada luta pelo
dinheiro. Cada uma das três pretendentes oferece a Mr. Fox um relógio. A
princesa traz uma ampulheta que, em vez de areia, tem no seu interior ouro em
pó; a actriz, um relógio múltiplo, marcando as horas simultâneamente em
diversas cidades do mundo; a terceira, uma relíquia outrora comprada pelo
próprio Mr. Fox. No quarto do hipotético moribundo faz-se ouvir portanto o
tic-tac ritmado que assinala as horas de espera dos abutres, que anseiam por se
lançar sobre a vítima. A presença do tempo, como realidade física, e a única coisa que tem realmente valor na vida de todos nós, é outra das
virtudes desta obra, atravessada de ponta a ponta por um humor negro e muitas vezes cruel.
Costuma dizer-se que uma obra de arte é um todo
indestrutível. Pelo menos para a verdadeira obra de arte torna-se capcioso
tentar destrinçar aspectos de uma mesma realidade que o artista pensou e
realizou em simultaneidade. E o filme de Mankiewicz volta a provar-nos a
justeza dessa premissa. Pensado como obra, "The Honey Pot"
impõe-se como obra, completa, perfeita, acabada. Tudo se conjuga para que assim
seja. Os décors sumptuosos de palácios venezianos (da autoria de Boris Juraga e
Paul S. Fox), o granulado admirável de uma fotografia colorida sem igual
(último trabalho de um dos maiores fotógrafos de todos os tempos, Gianni di
Venanzo, que faleceu precisamente enquanto rodava este filme), a elegância e a
maleabilidade de uma mise-en-scène pensada em função dos personagens e
ambientes definidos, tudo conjugado por Mankiewicz adquire uma tonalidade muito
pessoal, um significado de verdadeira obra de auteur.
Na interpretação há a destacar um conjunto de actores
inultrapassáveis de intenção e rigor. Rex Harrison não é só o actor que nós já
conhecíamos, sobretudo de "My Fair Lady"; Cliff Robertson descobre-se numa figura notável de composição;
Susan Hayward mostra-nos como o passar dos anos não tem qualquer importância quando se trata de talento puro; Edie Adams é a actriz
histérica e nevrótica que Hollywood formaria certamente no seu seio; Capucine
possui o charme de uma verdadeira princesa e o talento de uma grande actriz; e que dizer da magnífica Maggie Smith, aqui uma jovem actriz de 32 anos e ainda nos inícios da sua longa e brilhante carreira? Finalmente, Adolfo Celi é o rival italiano de Perry Mason, cuja presença se torna
imprescindível para a completa compreensão da comédia. "The Honey
Pot" é na verdade, e ainda hoje, uma película admirável, de tal modo rica,
exuberante, explosiva, simultâneamente divertida e cruel, elegante e brutal,
irredutível a esquemas e convenções que, por muito que tentemos tudo dizer,
muito haveria sempre a dizer. Mas não será, afinal, esta uma forma de lhe
rendermos homenagem?
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