terça-feira, julho 05, 2011

UM BEIJO ROUBADO...


Tempos em que todos eram, como se dizia, "miados" (lisos, sem dinheiro), à exceção de alguns rapazes da Aldeota (*), a turminha do Ideal (**). Sem grana para comprar o ingresso da namorada, os encontros marcados para dentro do cinema mesmo, onde os brotos guardavam o lugar, colocando sobre a cadeira uma revista, que geralmente eram a Cigarra, Alterosa, Cena Muda e Noite Ilustrada, quando não levavam álbuns volumosos com fotos dos artistas consagrados, seus preferidos. Vale acrescentar que as mocinhas sempre se faziam acompanhar de uma verdadeira "procissão" , com irmãos, primos, tias, espécie de guarda de segurança imposta pelos pais.
Na sala de projeção surgia a oportunidade de se colocar o braço por trás da cadeira da namorada, mas geralmente ela dizia: «quer tirar o braço por favor??». Mas havia também vez por outra, chance para um aconchego maior no escurinho do cinema, quando o namoro já estava fixo ("fixe-fixe" como se falava então). Os mais afoitos chegavam a lançar um beijo no rostinho da namorada, enquanto o Clark Gable, Robert Taylor e Tyrone Power faziam o mesmo na tela. As sessões, concorridíssimas, forçavam muitas vezes os rapazes, chegando primeiro, ficar à espera da namorada sentados no chão, na escada de acesso as fileiras das poltronas. E pressentiam a presença e aproximação delas pelos barulhos das anáguas farfalhantes, saiotes engomadas com muito grude, dando-lhes por isto maior elegância. Tempos em que soutien, mais popularmente chamado de califon, era a estrela da companhia...

Dois acontecimentos me acodem à lembrança, retratando bem a ingenuidade dominante e o espírito do cearense sempre presente. O primeiro foi quando da exibição  do filme "E o Vento Levou ...", que por aqui chegou com muitos anos de atraso, quando o mundo inteiro já tinha visto. Assim era o Brasil naquela época, caminhávamos lentamente. Com a informação de que a fita teria nada menos de quatro horas de projeção, a sociedade se preveniu à sua maneira. E todos se mandaram para o Diogo com sacolinhas contendo merendas para enfrentar tão longa obrigação. Os mais abonados levavam sanduíches da "Variedades", como supímpa, enquanto que nós os quebrados ou "miados", fomos munidos dos "cai duros" do Mundico, o homem do Pega-Pinto, refresco dito garapa - refrescante e diurético, um ponto obrigatório da nossa turma da Praça do Ferreira.


O outro evento que evoca claramente, aconteceu numa célebre "sessão das quatro". A Turma do Pinduca, da Rua 24 de Maio, levou para o cinema alguns pombos. Num dos momentos mais emocionantes do filme em exibição, as aves foram soltas na sala escura, provocando a mais tremenda confusão Luzes acesas, caçada difícil aos poucos indóceis aquele rebuliço, até tudo voltar ao normal, sem que jamais tenham descoberto os autores da façanha. No Diogo,  onde a freqüência era predonimante de ricos ou de "pobre metidos à besta", fatos assim ficavam por isto mesmo.
Se episódio semelhante  acontecesse no Majestic, rapidamente uma fila inteira da Geral desceria sob as ordens e o rebenque do famoso inspetor Apolinário o "carrasco" da época. No Majestic, alias, havia algo inusitado aqui ou em qualquer parte do mundo
Era proibido entrar de tamanco para Geral. Quem chegasse calçado com eles, teria que deixá-los na porta e apanhá-los à saída, porque os tamancos (ou os seus donos) eram responsabilizados pela enorme barulheira nos momentos de maior ferenezi da série "A sombra do Escorpião", dente outros seriados inesquecíveis da Repúblic. Mas as histórias do Majestic, do Moderno, do Centro, na Tristão Gonçalves, do Rex na General Sampaio, do Cine São Luiz, na Praça da Estação, comportam, cada uma, um capítulo especial de rememorização das salas exibidoras da Fortaleza daqueles tempos, quando de fato , conforme a Empresa Ribeiro, "cinema é (era) a maior diversão”.

(Narcélio Lima Verde  in "Sessão das Quatro - Cenas e Atores de um Tempo Mais Feliz", de Blanchard Girão Editora ABC Fortaleza Edição de 1998)


(*) Aldeota era um bairro elegante de Fortaleza naquela época em que residia somente a elite em belos "bangalows" (casas)

(**) Ideal era um clube elegante, celébre por suas tertulias, onde se reunia a jovem nata dos Fortalezenses. Hoje apenas para alguns antigos sócios (velhos que vão atrás de jogar uma partida de tênis ou nadar numa piscina) 

Texto amavelmente enviado por Orlando Vieira de Castro

3 comentários:

Cinzas e Diamantes disse...

Que interessante... Tomei um susto... Pensei, êpa o Rato é de Fortaleza...rs..

O Falcão Maltês

furyanimal disse...

Obrigado pela publicação desta materia, em suas paginas criaram a magia de suas criações principalmente com a foto do Ideal Club (onde você arranjou esta ??)
Vou mostrar ao Narcélio Lima Verde.
Abraços de Fortaleza !

Enaldo Soares disse...

Também fiquei confuso, rs...

Na minha "época" (final dos 70) o truque do braço por trás da cadeira dava bons resultados.

Adorei o texto, duro é aquela farmacinha no lugar do cinema. A cura da dor pela arte para a cura química da dor.