CABARET, ADEUS BERLIM
Um filme de BOB FOSSE
Com Liza Minnelli, Michael York, Helmut Griem, Joel Grey, Fritz Wepper, Marisa Berenson, etc.
EUA / 124 min / COR / 16X9 (1.85:1)
Estreia nos EUA a 13/2/1972
Estreia em Portugal a 20/11/1972
(Lisboa, cinema Londres)
Estreia em Moçambique a 24/2/1973
(LM, cinema Scala)
(LM, cinema Scala)
Sally Bowles: “Divine decadence darling!”
Bob Fosse, genial coreógrafo norte-americano, estreou-se no cinema como realizador ao adaptar em 1969 a comédia musical de grande sucesso na Broadway, “Sweet Charity”. Três anos depois nova adaptação dos palcos, este brilhante “Cabaret”, que se iria imortalizar como a sua obra mais célebre e um dos melhores musicais de sempre da História do Cinema.
Estamos em Berlim, na Alemanha da República de Weimar, quando o nazismo começava a insinuar-se, qual serpente tortuosa, nas mentes e costumes dos alemães da sociedade da altura. É essa transição, esse evoluir maquiavélico para as teorias do absolutismo hitleriano, que Fosse nos consegue transmitir de um modo prodigioso ao situar o cabaret no centro da “divina decadência” daqueles anos. Assim, o cabaret é o lugar de eleição para se assistir às variedades, emborcar litros de alcool ou encontrar as mulheres mais fáceis e sensuais; é o escape onde se esquece toda a inquietação que sacode a Alemanha e que irá gerar a agressividade da doutrina da raça ariana (“pura” e superior”) que servirá de alibi para um dos maiores genocídios da História da Humanidade.
A Alemanha da antecâmara da guerra só quer luzes, canções e diversão que a façam esquecer o dia-a-dia de uma realidade cada vez mais ameaçadora. O barão Maximiliano (Helmut Griem) encarna na perfeição essa mentalidade quando coloca os prazeres pessoais em primeiro plano ou quando diz que os nazis são apenas úteis para acabarem com os comunistas e que em seguida poderão ser facilmente dominados pelo poder político. A depuração feita pelas SA nazis, tropas de choque do nacional-socialismo, colhe assim vastos apoios entre o povo alemão, sem que se tenha sequer a consciência de que o anti-comunismo primário é o primeiro passo para o dobre a finados da democracia.
Estamos em 1931; dentro de dois anos Hitler será chanceler do III Reich e encenará o incêndio provocado do Reichstag para culpabilizar os comunistas, os judeus e os sociais-democratas, conseguindo deste modo os seus intentos para que o estado de emergência seja declarado em todo o País. Bob Fosse, ao querer mostrar-nos como os acontecimentos político-sociais influenciam e condicionam os sentimentos e existências individuais, utiliza aqui, e de uma forma harmoniosa e muito eficaz, a montagem paralela onde cada canção é a introdução ou a ligação lógica para o que em seguida se irá passar nas vidas dos personagens principais.
Retrato de seres à procura desesperadamente de si próprios dentro de um tempo de instabilidade e de violência, “Cabaret” é sobretudo o testemunho de uma época, da demissão e histeria colectiva de um povo, do medo e da cumplicidade que lenta e progressivamente se vai instalando. Nesse aspecto o filme contém uma sequência arrepiante, em que a aparente candura de processos anuncia já a chegada do mais terrível dos monstros: a canção-hino “Tomorrow Belongs To Me”, entoada pela voz límpida de um jovem imberbe e que progressivamente vai suscitando o coro das vozes e o aumento do entusiasmo dos espectadores em redor. Depois, no clímax final da canção, a câmara dá-nos a ver o que até ali nos ocultou - é que o jovem a quem pertencem aquele rosto e aquela voz angelicais é também um jovem de farda nazi que finaliza a sua actuação fazendo a respectiva saudação. É a violência que se torna legal, o maquiavelismo político que nada respeita.
Mas “Cabaret” é muito mais ainda. À semelhança do que já tinha feito em “Sweet Charity”, Bob Fosse coreografa os ângulos de câmara (e o que a câmara apanha), mais do que coreografa os bailarinos. Para lá da perfeição da execução dos bailados o que mais interessa a Fosse é mostrar-nos toda a musicalidade da máquina de filmar. E é nisso, nessa ruptura das regras do musical clássico, que a originalidade dos processos de Fosse emerge da normalidade, daquilo a que até então o género musical nos tinha habituado. E depois, a intercalação da história com os números musicais converte estes últimos numa espécie de “consciência moral” da primeira. Intenção nem sempre bem conseguida, é certo, mas que ficará como imagem de marca deste filme-charneira do musical americano.
E depois há Sally Bowles e a actriz que com ela se confunde. “Cabaret” não poderia ter existido sem Liza Minnelli. Ou, citando um conhecido spot publicitário, poder podia, mas não seria a mesma coisa. Liza tem aqui o maior e definitivo papel de toda uma carreira, a ponto da sua imagem ser sinónimo do filme e vice-versa. E não falo apenas dos números musicais onde ela é de facto inexcedível. Falo também do lado interpretativo da actriz, cuja excelência cómico-dramática não concedeu qualquer escapatória à Academia de Hollywood que não teve outra saída senão atribuir-lhe o merecidissimo Oscar.
Toda a cena inicial de sedução (“Doesn't my body drive you wild with desire?”); as expressões verbais de Sally na “aula” de inglês; a cena em que Natalia (Marisa Berenson) quer saber se o que sente é “love” ou apenas “infatuation of the body”; a cena em que Sally confessa a Brian (Michael York) que dormira com o barão e em que este lhe responde “So do I”; o penoso regresso a casa depois de consumado o aborto; a despedida sem glória na estação dos comboios, são apenas alguns exemplos duma fabulosa perfomance. Exuberante, crispada como a mãe, não demasiado bela - nisso saíu ao pai - Liza Minnelli é um autêntico vulcão, uma verdadeira força da natureza, cujo brilho e vitalidade contamina tudo e todos à sua volta.
“Life is a Cabaret, ol’ chum” e o cabaret de Fosse fecha da mesma maneira que abriu, com os reflexos simbólicos de um espelho retorcido, em que agora se nota já a presença de inúmeras suásticas em fardamentos nazis. É o encerramento de um percurso, o fim da breve e infeliz República de Weimar e das instituições democráticas alemãs.
CURIOSIDADES:
- Na peça original da Broadway Sally Bowles era uma cantora inglesa e Brian um escritor norte-americano. No filme é precisamente o contrário. O espectáculo original estreou-se no Broadhurst Theater, em 2 de Novembro de 1966, tendo sido galardoado com o Tony para o melhor musical em 1967. Joel Grey, que já desempenhava em palco o papel de mestre-de-cerimónias foi de igual modo distinguido com o Tony de melhor actor num musical.
- Billy Wilder e Gene Kelly não aceitaram transpor “Cabaret” para o cinema
- A maquilhagem e os penteados de Sally Bowles foram da responsabilidade de Liza Minnelli, no que foi ajudada pelo pai, o director-musical Vincente Minnelli
- Os autores da canção “Tomorrow Belongs To Me”, John Kander e Fred Ebb, eram judeus. O tema, que exalta o patriotismo alemão, foi dobrada em alemão quando o filme se estreou em França. Aliás, mesmo na versão original cantada em inglês o cantor que a interpreta, Mark Lambert, recusou pintar o cabelo de louro não aparecendo nas imagens (foi um jovem figurante alemão que tomou o seu lugar)
- Alguns anos antes de filmar “Cabaret”, Liza Minnelli interpretou o tema “Maybe This Time”, ao lado da sua mãe, Judy Garland, no London Palladium
- Para além do Oscar de melhor actriz principal atribuído a Liza Minnelli, “Cabaret” foi galardoado com mais 7 Oscars (Realizador: Bob Fosse, Actor Secundário: Joel Grey, Direcção Artística e Cenários, Cinematografia, Montagem, Som e Música). Falhou apenas nas nomeações que teve para o Argumento-adaptado e melhor filme do ano (que seria “O Padrinho”). Liza Minnelli e Joel Grey ganhariam ainda os Globos de Ouro nas respectivas categorias e o filme o Globo de Ouro para o melhor musical/comédia de 1972. Do outro lado do Atlântico chegaram também 7 BAFTAS, incluindo o do melhor filme.
- Em 2007 o American Film Institute incluiu pela primeira vez “Cabaret” na lista dos melhores filmes de sempre. Atribuiram-lhe o 63º lugar
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2 comentários:
De acordo com algumas pesquisas que fiz, e tanto quanto julgo saber, este filme fabuloso nunca conheceu edição nacional em DVD. Se tal corresponder à verdade é algo de inadmissível. Edita-se rapidamente tanto e tanto lixo e os filmes importantes (e históricos) como este têm de aguardar? Pelo quê?
Eu tenho a edição americana (Região 1), com legendas em inglês, mas com uma imagem de elevado grão. Sei que no ano passado saíu uma edição de coleccionador de 2 DVD's no Reino Unido, mas sem legendas.
Não mandei vir porque continuo à espera da definitiva edição em blu-ray (já anunciada mas até agora sempre adiada)
Na listagem de novidades da editora Cine Digital de Novembro de 2009 aparecia incluído este filme. Mas a verdade é que nunca o vi à venda em lado algum. De qualquer maneira os DVD's que levam a chancela desta editora têm normalmente uma qualidade muito má, +elo que melhor será mesmo esperar pela edição em blu-ray.
Há filmes - e este é um deles - que merecem que se espere por eles
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