BZ VIAGEM ALUCINANTE
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Depois de “Flashdance” (1983), “Nove Semanas e Meia” (1986) e “Atração Fatal” (1987) , os seus filmes mais conhecidos da década de 80, o realizador inglês Adrian Lyne inicia os anos 90 com este icónico filme, percursor de um tipo de cinema que, tendo as suas raízes no chamado filme de terror, ultrapassa os clichés do género para nos transmitir uma inquietação bem mais verosímel. “Jacob’s Ladder” é provavelmente o seu melhor contributo para a história do cinema, atendendo tratar-se de um filme que não é fácil esquecer-se e que, como já referido, iniciou uma nova abordagem no género.
Jacob Singer, depois de perder o filho mais novo, Galeb (Macauly Culkin) num acidente
automóvel, vai servir durante dois anos no Vietname, onde procura esquecer a
tragédia que se abateu sobre a sua família, e que o levou a divorciar-se da
mulher Sarah (Patricia Kalembar). É por aqui que o filme de Lyne se inicia, mostrando-nos os elementos do
pelotão de Jacob, que num certo dia se descontrolam numa acção contra o
inimigo, durante a qual são todos eles acometidos por estranhos sintomas
fisiológicos, desde vómitos a hemorragias inexplicáveis. No final dessa
sequência, Jacob acaba por ser esfaqueado por uma baioneta.
A acção muda-se agora para Brooklyn, Nova Iorque, onde
Jacob, depois de regressar do Vietname, inicia uma nova vida, com outra mulher,
Jezzie (Elizabeth Peña , falecida em 2014 com apenas 55 anos, devido a uma
cirrose no fígado) e num novo emprego, como funcionário dos Correios. Vêmo-lo
numa carruagem de metro a acordar de um pesadelo (mais uma vez relacionado com
o Vietname) e depois fechado na estação de Bergen St, com os acessos ao
exterior cortados. Finalmente consegue chegar a casa, depois de quase ter sido
atropelado pelo comboio. Mas os
fantasmas do passado continuam presentes e, mais grave, Jacob começa a
experimentar perturbações mentais de dissociação da realidade, que vão
progressivamente aumentando até se tornarem obsessivas e mesmo demoníacas. Jacob
constata que os antigos companheiros de armas também começam a sentir os mesmos
problemas, o que os leva a conjecturar se o exército não terá alguma culpa no
cartório. Será que todos eles foram submetidos a um qualquer tratamento químico
com consequências devastadoras?
Não se pretende aqui estragar a emoção do espectador que,
nunca tendo assistido a este filme, se vai interrogando com as possíveis causas
para o aparecimento das citadas perturbações em Jacob e nos seus amigos. Mas
sempre se pode adiantar que a revelação final, na derradeira imagem do filme, é
algo muito mais óbvio e simples. O argumento de “Jacob’s Ladder”, da autoria de
Bruce Joel Rubin, é baseado no “livro dos mortos”, uma obra tibetana do século oitavo, ditados pelo Yogi indiano
Padma Sambhava e transcritos por um aluno seu, Yeshe Tsogyal, e que constitui
um guia através das experiências pós-morte até se atingir o grau máximo de
espiritualidade. De referir ainda a alusão à história bíblica “Jacob’s Ladder”
do livro do Génesis, na qual o patriarca Jacob descobre uma escada que leva ao
céu.
“Jacob’s Ladder” é muito mais do que um simples filme de
terror. É um drama humano, magistralmente disfarçado de thriller
sobrenatural, onde a inquietação crescente é vivida pelo espectador em
simultâneo com a que o personagem principal vive no écran. Essa seria mesmo a
intenção de Bruce Robin e de Adrian Lyne, que mostram um prazer malicioso em
fazer com que o espectador se perca num verdadeiro labirinto onde as fronteiras
balançam constantemente entre o sonho e a realidade. Ao pegar naquilo que é familiar e ao torná-lo ligeiramente desagradável ou grotesco (ficaram célebres os movimentos ultra-acelerados das cabeças dos chamados demónios), Lyne atinge um estado cinematográfico de eleição, onde não se pode confiar em nada e em que quase tudo é inesperado. Tim Robbins é soberbo na sua
interpretação das diversas emoções, sem o recurso a quaisquer artifícios.
Elizabeth Peña, filha de imigrantes cubanos, é um contraponto eficaz na sua transbordante
sensualidade. E Adrian Lyne tem aqui o seu filme mais conseguido (do ponto de
vista cinemático), tendo sido nomeado para o Grande Prémio do Festival Fantástico
de Avoriaz de 1991, em França. O vencedor foi John Harrison, pelo filme “Tales
From the Darkside”, mas Lyne ganhou os prémios do público e da crítica.
Finalmente, notas também muito positivas para a fotografia de Jeffrey Kimball e
a música do veterano francês Maurice Jarre.
ALGUMAS CURIOSIDADES:
- Na primeira apresentação pública (o chamado “teste privado”)
os espectadores acharam o filme impressionante demais, o que levou Adrian Lyne
a cortar cerca de 20 minutos, metragem essa relativa ao último terço. Quatro
sequências principais foram removidas.
- As obras dos pintores William Blake, HR Giger e Francis
Bacon, bem como as fotografias de Diane Arbus e Joel-Peter Witkin serviram de
principais influências a Adrian Lyne para o estilo visual do filme.
- Os actores que estavam supostamente interessados em
interpretar o papel principal de Jacob Singer incluíam Richard Gere, Dustin
Hoffman e Al Pacino. Já Tom Hanks recusou o papel que lhe foi proposto em
primeira mão por Lyne por já ter assinado o contrato para desempenho no filme “A
Fogueira das Vaidades”. Para o papel de Jezzie, Lyne fez testes com cerca
de 300 actrizes, incluindo Jennifer Lopez, Andie MacDowell, Madonna, Demi Moore
e Julia Roberts. O personagem feminino acabou por ser desempenhado pela
primeira pessoa que fez o teste, Elizabeth Peña.
- “Jacob’s Ladder” foi incluído na lista de 400 filmes do AFI
de 2001, nomeados para os 100 filmes americanos mais emocionantes.