segunda-feira, junho 30, 2025

CARRIE (1976)


Um Filme de BRIAN DE PALMA




Com Sissy Spacek, Piper Laurie, Amy Irving, William Katt, Betty Buckley, Nancy Allen, John Travolta, Priscilla Pointer, P.J. Soles, etc.

EUA / 98 min / COR / 16X9 (1.85:1)

Estreia nos EUA a 3/11/1976
Estreia em PORTUGAL (Lisboa) a 28/7/1977



Margaret White: “They’re all gonna laugh at you!”

Não sei até que ponto hoje em dia Sissy Spacek se sente orgulhosa do seu desempenho neste filme. Mas para mim o grande sucesso de “Carrie” deve-se em grande parte à histórica interpretação da personagem saída da imaginação maquiavélica de Stephen King e que Brian De Palma converteu num dos seus maiores sucessos, quer junto à crítica quer junto a um público que muito embora renovado ao longo dos anos, sempre soube dar o devido mérito a esta história de terror.

Apesar de possuir um dom pouco vulgar (a capacidade de mover objectos apenas com a força da mente), tudo o que a tímida Carrie White mais deseja é ser aceite entre as colegas do liceu. Mas as suas características de “patinho feio” e a educação recebida da mãe, uma religiosa fanática, não ajudam nada à possibilidade dessa integração. Pelo contrário, sente-se cada vez mais excluída e, pior, alvo constante de humilhações sucessivas. Até que um dia uma série de eventos irá levá-la a ser coroada como rainha do baile de finalistas. Só que no auge da sua efémera glória surgirá mais uma humilhação que pelo seu carácter público exige a devida retaliação. Carrie usa então os seus poderes para iniciar um vingativo, embora curto reinado de terror.

 Muito embora acusado nesta altura de plagiar a obra do mestre Hitchcock, Brian De Palma tem aqui um dos seus melhores trabalhos, que “Phantom of the Paradise” já fazia prever dois anos antes. Toda a sequência do baile de finalistas é de antologia, com as técnicas do slow-motion e dos écrans múltiplos (a revelarem-se aqui uma imagem de marca do realizador) a serem extremamente eficazes. Ao contrário de outros realizadores De Palma sabe efectivamente tirar partido de uma montagem rápida e dividida ao precedê-la de um longo plano-sequência, sem qualquer corte, e cuja lentidão é ainda mais acentuada pelo slow-motion. Ou seja, o efeito desejado é aqui obtido pelo contraste de duas sequências de características antagónicas.

Uma referência à também excelente banda sonora, da autoria de Pino Donaggio, que fornece o contra-ponto ideal a todo o filme. Grande compositor siciliano, cujo trabalho se pode encontrar em muitas dezenas de filmes, Donaggio assina ainda, de parceria com Merrit Malloy, duas belissimas canções, cantadas por Katie Irving: “Born To Have It All” e sobretudo “I Never Dreamed Someone Like You Could Love Someone Like Me”, que é indissociável da sequência de coroação do baile de finalistas, conferindo-lhe uma magia etérea, própria dos contos de fadas, onde a menina feia tem por fim acesso ao seu príncipe encantado.

John Travolta inicia neste filme a sua carreira no cinema, um ano antes de “Saturday Night Fever”, e logo depois “Grease” o terem projectado para a fama, bem como Amy Irving, que seria a futura Srª Spielberg. Aliás, todo o elenco de “Carrie” é cinco estrelas, tendo o filme sido nomeado nas categorias de interpretação: Actriz secundária (Piper Laurie) e Actriz principal (Sissy Spacek), o que julgo ter constituido uma excepção, pois Hollywood sempre considerou o terror como um género menor. Nenhuma delas viria a ganhar a estatueta dourada, mas quem se lembra hoje do desempenho das vencedoras (Faye Dunaway e Beatrice Staright no filme “Network”)?
Como o tempo já se encarregou de provar, “Carrie” irá perdurar para sempre nas preferências do público em geral e não apenas dos apreciadores de filmes de terror. Até porque, e talvez seja isso que faz o seu sucesso, “Carrie é muito mais do que um simples filme de terror, apesar da condescendência que foi o derradeiro plano. Mas até essa joke final está filmada com tal mestria (mais uma vez o contraste, também duplo - da imagem e da música - tem aqui um papel fundamental) que mesmo já tendo sido vista dezenas de vezes e por isso mesmo podendo-se antecipá-la, é inevitável o sobressalto do espectador.
Em 2013 foi feito um remake execrável, uma autêntica lixeira cinematográfica, onde até uma excelente actriz como Julianne Moore se afunda sem remissão.

CURIOSIDADES:

- Brian De Palma queria que Sissy Spacek desempenhasse o papel de Chris Hargenson (que foi interpretado por Nancy Allen). Spacek, contudo, tinha outras ideias. No último dia das audições apareceu com um vesido muito velho que a mãe lhe tinha feito quando andava no liceu. Além disso, nesse dia não tomou banho nem sequer se penteou, de modo a aparecer num estado deplorável. O screen test (que só foi feito porque o marido de Sissy, Jack Fisk, um dos responsáveis pela Direcção Artística, insistiu várias vezes com Brian De Palma) foi de tal ordem que arrasou qualquer outra pretendente para o papel e De Palma reconheceu finalmente que aquela era a Carrie que procurava.



- Betty Buckley, a professora de ginástica no filme, interpretou a personagem da mãe de Carrie numa versão musical realizada em palco alguns anos depois.

- O nome do liceu, "Bates High", é uma homenagem de Brian De Palma a "Psycho", de Alfred Hitchcock (referência a Norman Bates, a personagem interpretada por Anthony Perkins)



- Depois de ter filmado a cena do sangue (que não era sangue mas um produto especialmente preparado para o efeito), Sissy Spacek manteve-se assim durante dois dias seguidos, de modo a manter a mesma aparência nas cenas que faltavam rodar. O problema maior foi que o "sangue" era extremamente pegajoso depois de seco.

- A cena final do sonho de Sue (Amy Irving) foi filmada com ela a andar para trás no passeio, de modo a que quando fosse projectada no sentido inverso tivesse um efeito de sonambulismo. Aliás, em segundo plano, podem-se ver veículos a deslocarem-se em sentido contrário.

- No argumento, a casa de Carrie deveria ter sido destruída por uma chuva de pedras. Como tal efeito não foi conseguido ao cabo de uma tarde inteira de tentativas, optou-se finalmente pelo fogo.

- A actriz Priscilla Pointer, que interpreta a mãe de Sue Snell é na realidade a própria mãe de Amy Irving.

- Na cena onde a personagem interpretada por P.J. Sole é morta, a pressão da água era tão elevada que a deixou inconsciente.

- Margaret White foi o primeiro papel de Piper Laurie desde "The Hustler" (1961), para o qual também tinha sido nomeada como actriz secundária.


SUMMER HOLIDAY (1963)

MOCIDADE EM FÉRIAS
Um filme de PETER YATES



Com Cliff Richard, Lauri Peters, Melvyn Hayes, Una Stubbs, Teddy Green, Pamela Hart, Jeremy Bulloch, Jacqueline Daryl, Madge Ryan, Lionel Murton, Christine Lawson, Ron Moody, David Kossoff, Wendy Barry, The Shadows, etc.


GB / 107 min / COR / 16X9 (2.35:1)


Estreia na GB (Londres) a 10/1/1963 (teatro Warner)
Estreia na ÁFRICA DO SUL (Johannesburg) a 10/1/1963 (teatro Colosseum)
Estreia em PORTUGAL (Lisboa) a 13/9/1963 (cinema Roma)



Barbara Winters: «"Just for the record, 
I've loved you ever since I was a little boy»

E no que me toca pessoalmente, também posso dizer que amo este filme desde que era um rapazinho. Dez anos, era a idade que eu tinha, quando o vi pela primeira vez na estreia, em Agosto de 1963, teatro Palladium de Johannesburg. Agora que estão aí mais umas férias de Verão, não encontro nada mais apropriado do que sugerir de novo “Summer Holiday” aos amigos deste blogue, sobretudo aos que têm mais de 65 anos. É que é um filme que não cansa, por muitas vezes que se veja.


“Summer Holiday” foi, naqueles inícios da década de 60, o filme por excelência da juventude, da minha juventude. Os Beatles ainda estavam a arrancar e a cena pop britânica era completamente dominada pelo Cliff e os seus Shadows. Era o 4º filme deles juntos (o primeiro a cores), logo depois de “The Young Ones” (1961) e após a estreia em dois filmes de 1959: “Serious Charge” e “Expresso Bongo”. Ao contrário do seu antecessor, “Summer Holiday era um musical autêntico, recheado de muitos e magníficos bailados, de uma frescura impressionante, provavelmente por terem sido executados na sua grande maioria por bailarinos não profissionais. Essa frescura, por incrível que pareça, mantém-se ainda hoje imaculada, como a testemunhar toda a candura daquela época.

Enquanto que “The Young Ones” foi rodado totalmente em Londres, “Summer Holiday” atravessou o Canal da Mancha para percorrer as estradas de França, Suíça, Áustria e Jugoslávia, até por fim se deter na extremidade sul da Grécia, em Atenas. Aliás, a frase promocional do filme era, precisamente, “The Young Ones Have Gone Abroad!”. Para além dos intervenientes nessa travessia europeia, a grande vedeta do filme era o autocarro londrino nº 9, imponente do alto do seu primeiro andar e muito orgulhoso do seu tom vermelhão. Apesar de terem sido adquiridos duas unidades para o filme, apenas um dos autocarros foi usado. A matrícula era WLB 991 e o veículo veio da garagem Cricklewood da London Transport. Actualmente só se mantêm no activo dois autocarros desse tipo.

Mas vamos à história: Don (Cliff Richard), Cyril (Melvin Hayes), Steve (Teddy Green) e Edwin (Jeremy Bulloch) são os quatro mecânicos da London Transport que transformam o autocarro numa caravana com todas as comodidades, para assim poderem gozar uma semana de férias em França. Logo no início da viagem, antes de chegarem a Paris, têm um pequeno acidente com um calhambeque onde seguem três cantoras inglesas – Sandy (Una Stubbs), Angie (Pamela Hart) e Mimsie (Jacqueline Daryl). Os planos são alterados e o destino passa a ser Atenas, onde o trio tem um contrato para actuarem ao vivo, e para onde os quatro mecânicos as prometem levar.

Outros encontros e peripécias diversas vão-se sucedendo nas diversas localidades pelas quais o number 9 vai passando, como um grupo persistente de quatro músicos que vão aparecendo esporadicamente durante a viagem (Os Shadows, claro). Entretanto, um passageiro clandestino aparece um dia escondido no autocarro. Ao princípio julgam ser um rapaz mas pouco tempo depois descobrem tratar-se de Barbara (Lauri Peters), uma jovem cantora americana, que anda fugida da mãe e do seu agente, e que rapidamente se afeiçoa a Don.

É evidente que a historieta é o que menos importa aqui. A grande força de “Summer Holiday é a música e as canções de Cliff, todas elas clássicos absolutos, que ficariam para sempre ligadas ao universo do cantor inglês: “Summer Holiday”, “Bachelor Boy”, “Dancing Shoes”, “The Next Time”, “Big News”. O mesmo para os instrumentais dos Shadows: “Les Girls”, “Round And Round”, “Foot Tapper”. A produção da banda-sonora ficou a cargo de Norrie Paramor e Stanley Black dirigiu a Associated British Studio Orchestra, com os coros de Michael Sammes e de Norrie Paramor. Lauri Peters foi dobrada pela cantora Grazina Frame no tema “A Swinging Affair”.

A premiere do filme em Londres, no Teatro Warner de Leicester Square, a 11 de Janeiro de 1963, foi uma autêntica loucura. Os fans aglomeravam-se no passeio, à espera daquele que nessa altura era o ídolo nº 1 da Grã-Bretanha. Quando Cliff chegou, foi tal a histeria que o cantor nem conseguiu saír do carro e não teve outro remédio senão de ir passar o serão a ver televisão no apartamento de um amigo. “Summer Holiday” destronou rapidamente o grande sucesso da altura – o primeiro filme de James Bond, “Dr. No”, com Sean Connery – e bateu todos os recordes do box office de um filme britânico.

CURIOSIDADES:

- A sequência do genérico foi filmada a preto e branco e mostra uma banda da Marinha a tocar na praia, à chuva. Só no final dos créditos aparece a cor, quando o autocarro vermelho faz a sua entrada

- O jornal Melody Maker descreveu “Summer Holiday” como «first class throughout. The storyline and tone of acting, plus some hunting tunes will endear it to millions». Outro crítico fez a comparação com o mais recente filme de Elvis Presley: «I’m not praising “Summer Holiday” out of patriotism but it’s simply a fact that it has more freshness and zest than “Girls! Girls” Girls!”»



- A camiseta esburacada usada por Cliff na parte final do filme ("Dancing Shoes" e “The Next Time”) virou grande moda na altura, entre os adolescentes (eu tive duas, uma branca e outra creme, como a do filme. Muitas vezes foram lavadas...)

- A sequência de “Bachelor Boy” foi das raras filmadas em estúdio e já depois da rodagem concluída

- Lauri Peters era casada na altura com Jon Voight, celebrizado seis anos depois por “Midnight Cowboy”. Divorciou-se em 1967, não tendo voltado a casar. Deixou de filmar em 1973 e hoje dá aulas de drama numa escola de artes americana (NYU)

 LOBBY CARDS:

«É, fora de dúvida, um espectáculo atraente o que ontem se estreou no Roma, impressionando favoravelmente a enorme plêiade de admiradores de Cliff RichardBaseando-se num estilo agora em aura, isto é, a comédia musical provida de curioso enredo (quatro mecânicos de camiões montam um autocarro de dois pisos para viagem experimental encontrando outras tantas moças), Peter Yates realizou com todos os requisitos indispensáveis ao êxito (podia talvez ter reduzido o excessivo número de melodias existentes na segunda metade) uma película viva, alegre e de cunho optimista, que teve o condão específico de captar o interesse da assistência, não só pelo argumento, como pela partitura musical, assinada por Herbert Ross. Digna de encómios a sequência ritmada da parte inicial. Rodado em cinemascópio e com magnífico colorido, este esfuziante hino de juventude, pleno de sequências do mais belo efeito coreográfico, conta com correctas interpretações de Cliff Richard, Lauri Peters, Melvyn Hayes, Una Stubbs, Teddy Green e Pamela Hart, secundados pelos "The Shadows" em curtas passagens. À guisa de complemento, registe-se que Cliff Richard manifesta cada vez mais talento e sabe, como poucos, tirar partido dele, pois joga com um factor de capital importância para manutenção de prestígio: irradia simpatia contagiante. É comunicativo. Tem personalidade. Poeta, comediante, cançonetista, este jovem é bem uma das revelações do mundo dos espectáculos, não só em Inglaterra e na América, como também no resto do Mundo. Complementos diversos. Após o intervalo e apresentados por Fernando Pessa, exibiram-se em barulhentas intervenções os discutidos "reis do twist de 63". Adequado aperitivo para o certame que se avizinha.

Paulo de Medeiros, "Diário Popular", 14 de Setembro de 1963