Um filme de BILLY WILDER
Com Marilyn Monroe, Tom Ewell, Evelyn Keyes, Sonny Tufts, Robert Strauss, Oscar Homolka, Marguerite Chapman, Victor Moore, etc.
EUA / 105 min / COR /
16X9 (2.55:1)
16X9 (2.55:1)
Estreia nos EUA a 3/6/1955
Estreia em PORTUGAL a 6/2/1956
Tom MacKenzie: «What blonde in the kitchen?»
Richard Sherman: Wouldn't you like to know!
Maybe it's Marilyn Monroe!»
“The Seven Year Itch” está longe de ser o melhor Wilder ou a melhor Marilyn (apesar de conter a cena mais icónica da deusa). O filme resultou de uma encomenda da 20th Century Fox, a quem a Paramount emprestou temporariamente o seu realizador. Devido a exigências dos produtores, Wilder viu-se impossibilitado de contar com o actor Walter Mathau para o papel principal, como pretendia. Em alternativa foi-lhe imposto Tom Ewell, que já tinha protagonizado Richard Sherman na Broadway. Quanto a Marilyn, foi de igual modo uma escolha da 20th Century Fox (aqui acertando em cheio!), que assim substituiu Vanessa Brown (actriz de origem austríaca, nascida em 1928), que tinha desempenhado o papel da "vizinha de cima" nos palcos, e estava conotada de início com o projecto.
Outro facto que contribuiu para o desagrado de Wilder em relação a este filme, foi a intromissão dos censores, os quais, recorrendo ao tristemente famoso Código Hayes então em vigor, alteraram substancialmente a peça original de George Axelrod, a ponto da relação sexual que chegava a existir entre os protagonistas ter sido pura e simplesmente eliminada. Wilder ainda tentou, através da introdução de algumas elipses, sugerir o que não podia ser mostrado, mas o resultado final ficou algo equívoco e pouco convincente. Além disso, o realizador viu-se obrigado a cortar algumas cenas (que podem ser vistas na recente edição em blu-ray). Wilder vingar-se-ia quase uma década depois quando filmou “Kiss Me Stupid”, comédia fabulosa (e muito superior a este “Seven Year Itch”), na qual as relações sexuais eram assumidas sem qualquer subterfúgio.
Outro facto que contribuiu para o desagrado de Wilder em relação a este filme, foi a intromissão dos censores, os quais, recorrendo ao tristemente famoso Código Hayes então em vigor, alteraram substancialmente a peça original de George Axelrod, a ponto da relação sexual que chegava a existir entre os protagonistas ter sido pura e simplesmente eliminada. Wilder ainda tentou, através da introdução de algumas elipses, sugerir o que não podia ser mostrado, mas o resultado final ficou algo equívoco e pouco convincente. Além disso, o realizador viu-se obrigado a cortar algumas cenas (que podem ser vistas na recente edição em blu-ray). Wilder vingar-se-ia quase uma década depois quando filmou “Kiss Me Stupid”, comédia fabulosa (e muito superior a este “Seven Year Itch”), na qual as relações sexuais eram assumidas sem qualquer subterfúgio.
Como escreveu João Bénard da Costa, o nome da personagem de Marilyn em “The Seven Year Itch” presta-se a uma clássica rasteira de adivinhas cinéfilas, que é perguntar o nome do personagem interpretado por Marilyn Monroe. «Efectivamente, não tem nome e efectivamente essa elipse não é óbvia. Quando ela se encontra no filme com Richard Sherman (Tom Ewell) este, de tão atrapalhado, jamais pergunta como se chama a vizinha de cima. E no único momento em que Richard tem que lhe dar um nome (quando quer impedir Tom MacKenzie de entrar na cozinha, onde ela está) titubeia e, já irritado, lhe responde que a rapariga escondida deve ser Marilyn Monroe. E é. Se aquele personagem tem nome é mesmo - e só pode ser - o nome de Marilyn. Nesta astúcia do argumento resume-se o apogeu de um mito. Uma tal aparição só pode ser Marilyn e é mesmo. Como a história daquele polícia que mandou parar um condutor a 200 à hora e lhe pergunta indignado: "Quem é que você julga que é? O Fangio?". E era…»
Continuando a citar JBC: «São os supremos momentos em que o mito faz vacilar a realidade e em que, de facto, os objectos dessa mitificação surgem como criaturas do impossível, lendas que se encontram a infinita distância da nossa condição de mortais. “The Seven Year Itch” é o filme construído em torno dessa suprema mitificação de Marilyn, no auge da sua carreira e do seu estatuto de "Star". Por mais extraordinária que tivesse sido antes Marilyn (e basta pensar no “Gentlemen Prefer Blondes” para pensar que foi) é aqui, graças a Wilder e a Axelrod, que o mito se fixou. Aqui e a partir daqui, nos sete anos que lhe restavam para viver, Marilyn foi plenamente Marilyn, o sexo culpado no sexo inocente, e o muito mais que sobre ela tantas vezes se tem dito.
Que o "símbolo do sexo" se transformasse na própria inocência perversa, como se não desse pelo que era e por quem era, foi a portentosa ideia de Wilder (e Axelrod) que subitamente põe tudo e todos de cabeça à roda. Marilyn dissocia a ideia de pecado da ideia do sexo (ao contrário do seu vizinho) e transforma tudo pela varinha mágica da sua inocência, sempre incrível e sempre crível. Está no limite de todas as situações, como os seus célebres planos o demonstram, sabendo e não sabendo do seu poder erótico, usando-o e não o usando, e transformando a imaginação mais delirante (a de Ewell) num imaginário que em muito a ultrapassa. Como Wilder disse: «faz viver uma cena pelo simples facto da sua presença (...) Nas cenas de “Seven Year Itch” em que está no quarto de Ewell praticamente nem precisa de representar: é já e à partida, a mulher mais excitante do mundo, a que faz melhor amor (não sei se é verdade ou não, mas toda a gente o pensa) e toda a sua pessoa faz a cena existir. Há coisas muito especiais que só Marilyn pode fazer.»
E são, quase ao acaso, a conversa sobre o dedo do pé enfiado no ralo da banheira («But it was sort of embarrassing... Honestly, I almost died. There I was with a perfectly strange plumber and no polish on my toenails», confessa Marilyn), a sequência dos "martelinhos", a recusa perante o "ataque" de Ewell, os vestidos que lhe pede que ate e desate, as propostas para vir dormir para o andar de baixo por causa do ar condicionado, etc., etc., etc. Mas é também (reverso do mesmo verso) os sapatos atirados a Ewell no fim, quando o protagonista foge espavorido depois dos beijos de Marilyn e de ela lhe ter explicado que é de homens assim que gosta. "Homens assim". A outra ideia genial de Wilder e Axelrod (porventura inspirada nos "homens" de Marilyn no “Gentlemen Prefer Blondes” de Hawks) é fazer coexistir Marilyn com aquele fabuloso personagem, o obcecado sexual, com a própria obsessão sexual. A partir daí tudo pode acontecer e acontece.
Esta deliciosa comédia vive num triplo registo: as "imaginações" de Ewell, a sua realidade condicionada por elas e o real imaginário de Marilyn, de que nunca sabemos ao certo se parte dumas ou doutra. Ou seja, Marilyn bem pode ser mais uma invenção de Ewell (esse homem com excesso de imaginação - «I think it's just elegant to have an imagination. I just have no imagination at all. I have lots of other things, but I have no imagination», diz Marilyn) e bem pode ser resultante desse imaginário. Anula a distinção entre os dois planos, que aliás o protagonista nunca faz. Se passamos dum plano a outro, sem transição ou com ela, é sempre graças a Marilyn que permite a fabulosa fusão de fabuloso mundo. É a "Líttle Woman" transformada em "The Secret's Life Dormitory", o retrato de Dorian Gray, ou o livro do psiquiatra. Pela varinha dela (a mais mágica de todas) tudo ainda se transforma.
A um homem de meia-idade reprimido (e reprimido principalmente pela visão que dele tem a mulher), cai-lhe do céu aos trambolhões (do andar de cima e do vaso que caiu) aquele ser em casa. E tudo o que lhe contou é muito mais do que sonhou com as famintas secretária, enfermeira e amiga da mulher. Não é preciso Rachmaninoff para aquele resultado. Bastam os "martelinhos" - e já está. A fabulosa sequência imaginária que precede a primeira visita de Marilyn (Ewell de roupão encarnado, lenço de seda, com aquela voz, o 2° concerto, o «Please do») é ultrapassada pela ainda mais fabulosa sequéncia da visita de Marilyn, em que a "Rachmaninoff Girl" se transforma na explicadora de que com um homem casado as coisas são muito mais “elegantes”: «I think it's wonderful that you're married! I think it's just elegant!»; e que o cúmulo da felicidade reside na combinação "a married man", champanhe, ar condicionado e batatas fritas.
A única coisa que pedimos é que aquilo não pare e que haja mais e mais imaginação de Ewell (e não resisto a sublinhar a famosa história da carroça de feno) e mais e mais aparicôes de Marilyn. Porque à medida que as coisas avançam com Marilyn (ou não avançam) mais o culpado Ewell (vítima de todos os mecanismos que o convenceram das tais comichões) vai vendo culpas à roda dele. Não só toma como real o que imaginou (a recepcâo feita ao amigo) como o que vive transforma o seu imaginário. Assume-se como monstro, criatura de vício, luxo e corrupção, denunciado a toda a América pela televisão e pela sua suposta vítima, e assume que tudo e todos à roda dele têm o comportamento que ele desejava ter.
Enfiado nas psicanálises, nas histórias do polegar, nas capas dos livros, nos tabus sucessivos (do tabaco ao álcool, do álcool às mulheres), é Ewell que reflecte a proibição, carregando o imaginário com os desejos que se proíbe (e que jamais passam a acto). Dentro desse mundo (uma casa, um verão, uma cidade de homens) Marilyn é o mais portentoso dos seus fantasmas, porque é o mais e o menos pecaminoso. É a imagem da própria repressão e a imagem da própria divisão, transformando tudo em uno - no plano do imaginário que é o único a permitir-nos rir tanto desta triste história, padrão de todos os nossos "interditos" e de todas as nossas "clandestinidades". Poucos filmes terão sido tão perversos dessa deterioração duma moral no reverso dela. Nas fronteiras entre a passagem duma moral a outra, dum código a outro e duma repressão a uma permissividade.»
CURIOSIDADES:
- Foi durante a rodagem deste filme que terminou o casamento de Marilyn com o herói do baseball americano Joe Di Maggio, celebrado nove meses antes
- A célebre cena do vestido esvoaçante de Marilyn, que o vapor vindo de uma grade do metro faz subir até níveis bem sugestivos, foi inicialmente filmada à uma da madrugada do dia 15 de Setembro de 1954 na Manhattan's Lexington avenue, junto à 52nd street. Apesar da hora, encontravam-se presentes cerca de cinco mil pessoas que iam assobiando e aplaudindo as dezenas de takes que iam sendo filmados. Devido ao constante barulho, Wilder teve de repetir as filmagens mais tarde, nos estúdios da 20th Century Fox, onde foi criada uma réplica do local original. Mesmo assim foram precisos cerca de 40 takes para que a cena ficasse do agrado do realizador. A sequência integral seria no entanto proibida, ficando na montagem final apenas uma parte
- A peça original de George Axelrod estreou-se na Broadway, no Fulton Theater, a 20 de Novembro de 1952, com Tom Ewell (vencedor do Tony Award em 1953) e Vanessa Brown nos principais papeis. Teve 1141 representações
- O célebre vestido branco de Marilyn foi leiloado em Junho de 2001, tendo atingido a cifra de cinco milhões e meio de dólares, incluindo taxas
- Tom Ewell ganhou o Globo e Ouro para o melhor actor num musical ou comédia. Marilyn Monroe foi nomeada para o BAFTA, na categoria de melhor actriz estrangeira. O prémio foi para Betsy Blair no filme "Marty"
LOBBY CARDS:
4 comentários:
Não é o melhor Wilder mesmo, Monroe está divina, mas ainda assim é um filme que diverte com qualidade. Abraço.
Rato, eu daria nota máxima para O PECADO MORA AO LADO. Para mim é a melhor comédia de Wilder e o melhor filme de Marilyn.
O Falcão Maltês
Será que você viu todos os Wilders e todas as Marilyns, caro Nahud? Só para citar alguns exemplos: "The Misfits" (para mim o melhor de todos os filmes da MM) ou "Let's Make Love" ou "Bus Stop" batem aos pontos este "Pecado"! E que dizer de "Some Like It Hot", "O Apartamento", "Irma La Douce", "Kiss Me Stupid" ou "Avanti!", todos eles filmes infinitamente superiores do Wilder?
Belo texto, há muito que não passava por cá por isso adicionei-o à minha blogroll por isso agradecia se pudesse também adicionar-me.
Obrigada.
Bons filmes,
www.cinemaschallenge.com
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