segunda-feira, março 19, 2012

HARRISON FORD: O ETERNO INDY

Não é particularmente simpático ou exuberante, revela-se cerebral e curto nas respostas e distingue-se dos outros pela educação extrema e por uma presença forte que chega a ser intimidativa, embora fascinante. Por muito que tentasse evitá-lo, nas várias ocasiões em que o entrevistei tive sempre a sensação de estar na companhia de Indiana Jones. Aliás, sou daqueles que não conseguiriam imaginar o célebre arqueólogo-aventureiro com outra cara que não fosse a de Harrison Ford. E é por isso – ou também por isso – que ele é uma verdadeira estrela de primeira grandeza, por ser um daqueles casos em que a personagem representada se fundiu com o actor, muito embora tenha excelentes desempenhos noutros filmes e noutros géneros cinematográficos. No meu caso, é incontornável: mais do que o Hans Solo da “Guerra das Estrelas”, Harrison Ford é o professor Indy. Curiosamente na contabilidade dos papéis, mais de metade da carreira foi feita nas comédias.
Só o vi sorrir uma vez, quando lhe disse que era português e lhe falei de Joaquim de Almeida: «Oh, Joáxquin…» [que é a forma mais aproximada de reproduzir o modo estranho como ele pronunciou Joaquim]. Depois contou-me uma história: «É um excelente actor. Sabe que foi ele o único, até hoje, a pôr-me ‘KO’ no plateau? Tínhamos uma cena de luta no filme “Clear and Present Danger” [realizado em 1994 por Phillip Noyce], logo nos primeiros takes, e falhou qualquer coisa na encenação. E ele acabou por me acertar. Como tenho uma hérnia discal, fiquei completamente imobilizado no chão! É uma mazela antiga que já na rodagem de um dos filmes do Indiana Jones (o primeiro) me causou sérios problemas. Aliás, por isso é que muitas das cenas de acção foram rodadas pelo Vic Armstrong, o meu duplo na série, para não atrasar as filmagens, enquanto eu estava a ser operado, de urgência, à coluna. Assim, depois de me reabilitar, só tive que filmar os grandes planos.»
Reza a lenda que foi arranjar umas portas a casa de George Lucas, que à época, no distante ano de 1973, andava a fazer o casting para “American Graffiti”. Lucas era um realizador talentoso, mas ainda sem provas dadas. Por isso, os estúdios não arriscaram em demasia: deram-lhe um cheque para assegurar a produção, embora insuficiente para contratar estrelas de primeira linha. Assim sendo, teve que apostar num elenco de jovens actores que pouco mais tinham feito anteriormente do que séries televisivas. E Harrison Ford foi um deles. Estreara-se na televisão em 1966 mas escasseavam os papéis que quando apareciam eram pequenas aparições ou pouco mais do que figuração. Por isso se dedicou à carpintaria. “American Graffiti” foi o filme que o lançou, mesmo que discretamente. O contrato que assinou com Lucas garantiu-lhe um salário de 500 dólares por cada semana de rodagem. Três décadas depois, por protagonizar a aventura dramática “K-19” [o primeiro filme que assinou como produtor], recebeu qualquer coisa como 25 milhões de dólares, e ainda uma percentagem de 20% da receita total de exibição, incluindo a edição em DVD. Nada mau…
Considerado como uma das estrelas de cinema mais respeitadas pela complexa indústria de Hollywood, mesmo assim sem óscares ou grandes prémios, Harrison Ford distancia-se o mais que pode do epicentro da sua actividade e por isso continua a viver bem longe da “Meca” do cinema: «Graças à distância, aos milhares de quilómetros que me separam de Hollywood, posso selecionar e planificar melhor todos os trabalhos que faço sem estar sujeito à pressão do meio. Como desde há alguns anos decidi que iria fazer um filme por ano, no máximo, escolhi como local para viver o estado de Nova Iorque. É onde passo grande parte do ano, onde está a minha família e onde os meus filhos estudam. E quando não estou por lá vou para o rancho que tenho no Wyoming, que eu próprio construí».
É caso para dizer que o “bichinho carpinteiro” lhe ficou no sangue. Segundo diz, trata-se de um modo de ter os pés bem assentes na terra. Por isso dispõe de uma carpintaria completa e a funcionar em pleno e de serrotes afiados, onde dá vazão ao seu hobby preferido. Mas não é o único. Na lista dos seus prazeres e hobbies encontra-se a aviação, já com longas horas de voo. Entre o cockpit, a carpintaria e as filmagens, sobra-lhe pouco tempo para ir ao cinema, o que me espantou é que isso pouco o incomoda: «Sinceramente, vejo poucos filmes. Sou muito selectivo. Acabo por estar informado pelos meus filhos. São eles que me falam dos filmes mais recentes e das estreias, vou lendo sobre as novidades.» Mas nem os seus filmes antigos gosta de rever? «Na minha idade, se começamos a olhar muito para trás, sentimos que já passou demasiado tempo… Por isso, como lhe digo, nunca revejo os meus antigos filmes. Não gosto mesmo nada de olhar para trás. Depois de concluídos, devo ter visto uns cinco ou dez minutos de cada filme que fiz. Durante a rofagem, sim, participo nos visionamentos e dou as minhas sugestões. Mas depois da montagem final, depois do filme estar pronto, procuro esquecê-lo.» Ele pode esquecer, e nem sequer rever os filmes mas algumas das suas personagens já merecem a eternidade.
Mário Augusto in Premiere, Agosto 2011

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