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quinta-feira, julho 14, 2011

THE GO-BETWEEN (1970)

O MENSAGEIRO
Um filme de JOSEPH LOSEY


Com Julie Christie, Alan Bates, Margaret Leighton, Michael Redgrave, Dominic Guard, Michael Gough, Edward Fox, Richard Gibson


GB / 118 min / COR / 16X9 (1.85:1)


Estreia na GB em Dezembro de 1970
Estreia nos EUA a 29/7/1971 (New York)
Estreia em Moçambique a 22/9/1972
(LM, cinema Infante)


O que de início nos surpreende em "O Mensageiro" é uma discreção, uma reserva no plano dos acontecimentos que não parece estar na tradição de Losey. Grande parte dos seus filmes anteriores caracterizava-se por uma sobrecarga de eventos e significações que por vezes atingia certos limites (jà) perturbantes. Não acontece isso com “O Mensageiro”. Sentimos aqui a plenitude afirmativa duma maturidade, dum classicismo: o curso linear do filme capta-nos pela nitidez, pela transparência dos propósitos, pelo equilíbrio das propostas.
Os eixos da ficção movem-se com uma segurança irrepreensível, e o jogo dos temas desenrola-se sem quebras, sem desvios: é a polarização já conhecida entre a brutalidade natural e o requinte social (entre o instinto e o protocolo); são alguns emblemas que nos restituem um longínquo dinamismo de infância (as corridas e lutas dos dois rapazes pelos corredores e pelas escadas da grande casa que habitavam); é a evocação duma certa mitologia de que dificilmente nos desprendemos (o gosto de exercer a omnipotência da magia); é ainda o borboletear ofegante de Leo em torno de um determinado saber sexual (dum saber sabido, dum saber insciente: a ver, a reconhecer) que o filme circunscreve sem nunca nomear; há ainda uma caracterização dos lares e dos grupos sociais assinalados nas suas mais gritantes diferenças de classe; é o traçado eufórico de correrias através dos campos.
Com tudo isto Losey narra uma história que nos interessa, sem sabermos muito bem onde está o nosso interesse, e sem nunca nos demarcarmos com precisão do próprio interesse que agita os passos e gestos de Leo, o protogonista. Porque, quer se saiba o que se pergunta, quer se não saiba, todo o saber (sobre o) sexual é um saber que esbarra nos seus próprios evidentes limites de se referir a algo que se situa numa dimensão outra, que é a da verdade como história pessoal e assunção do próprio não saber como núcleo irredutível e fundamento da proliferação fantasmática.
Todo o mensageiro pressupõe uma mensagem. A vulgaridade desta mensagem (a que vem nas mãos de Leo) aparece como o véu que oculta outra mensagem: mas qual? Porque Leo, ao transportar, é ele o transportado, porque é o desejo de saber mais que o move e o justifica. E, com ele, nós, seguindo as linhas duma ficção que não tem outras razões para nos atrair. Que o filme nos transpor­te, eis o que deriva sem dificuldades do seu agenciamento cuidadoso e inteligen­te. Que a nossa atenção se deixe conduzir para estes percursos do prazer, nada disso constitui motivo de surpresa. Mas sucede que o filme não parece ultrapassar esse plano da fascinação envolvente, do esteticismo depurado.
É certo que a narrativa se desenrola na voz e na memória da personalidade que muitos anos an­tes a viveu, e que é o seu drama (viveu ele sem amor? porque se recusou a saber? porque fugiu às respostas? corria em direcção à verdade, ou corria para a contor­nar e dela fugia?) que, no final, se vem sobrepor aos dados da história que durante todo o tempo nos preocupou. Mas tal artificio narrativo não chega para criar fendas num filme em que chegamos a deplorar a ausência de um pouco de desmesura que desarrume o concertado trabalho de um cineasta tao competente como o é Losey. “O Mensageiro” é uma das obras mais frias e reflectidas do autor de “O Criado”. Que o tom do filme coincida com o próprio protagonista é circunstância interessante, mas que não basta para nos implicar no espaço demasiado pré-construído da ficção que esse protagonista suporta.
Eduardo Prado Coelho in “Isto é Espectáculo” nº 7, Junho de 1977