Um filme de FRITZ LANG
Com Alfred Abel, Gustav Fröhlich, Rudolf Klein-Rogge, Brigitte Helm, Fritz Rasp, Theodor Loos
ALEMANHA / PB / 210 min (versão 2010: 150 min) / 4X3 (1.37:1)
Estreia na Alemanha a 10/1/1927 (Berlim)
Estreia nos EUA a 6/3/1927
Estreia em Portugal a 7/4/1928 (Lisboa, cinema S. Luiz)
Maria: “There can be no understanding between the hand and the brain
unless the heart acts as mediator"
Em Agosto de 1925, a UFA enviou Fritz Lang e Erich Pommer a Nova Iorque para apresentarem o filme “Os Nibelungos” em solo americano. A estadia foi curta, pouco mais de um mês, mas as consequências que daí adviriam foram enormes; acima de tudo porque o contacto com uma cidade como Nova Iorque iria servir de inspiração a Lang para a rodagem do seu próximo filme, “Metropolis”. Logo depois do regresso à Alemanha, e de parceria com a sua mulher, Thea Von Harbou, Lang começa a escrever o argumento dessa nova obra, que iria adquirir proporções gigantescas, a ponto de ser a mais cara de toda a história da UFA. Para além da impressão directa colhida na viagem a Nova Iorque, Lang inspira-se em textos de H.G. Wells, Júlio Verne e Villiers de l’Isle.
Maria (Brigitte Helm) é uma bela rapariga que pertence a este último submundo e que prega a esperança e o conformisno, qual profetisa messiânica. Dela ir-se-á enamorar o filho do “dono” da cidade, Freder (Gustav Fröhlich), que até então viveu feliz e despreocupado no meio dos privilégios da sua classe. Entretanto, o pai (Alfred Abel) faz com que o cientista Rotwang (Rudolf Klein- Rogge) construa um robot semelhante a Maria, a fim de instigar os trabalhadores à revolta e, desse modo, ter um pretexto para exercer a repressão; mas também com a ideia de verificar se o robot poderá substituir o homem. Mas este deixa de obedecer e a revolta adquire aspectos catastróficos quando a cidade subterrânea começa a inundar-se, após a destruição das máquinas. No fim, as duas partes implicadas no conflito reconciliam-se à porta da catedral. Nunca a um filme fora imposto um final assim tão artificial, contrariando toda a lógica da decadência que “Metropolis” evoca. Nem os próprios americanos teriam mostrado tanto empenho num “happy ending” como este.
Destacar as marcas das tendências pré-fascistas em “Metropolis” não é nenhuma proeza original. Thea Von Harbou iria aderir ao partido nacional-socialista em 1932, quando Lang trabalhava já no “Testamento do Dr. Mabuse”. O tom dos textos por ela escritos não deixa margem a qualquer dúvida. Existe por isso em “Metrópolis” um duplo sentimento de fascínio e repulsa, que a ambiguidade da mensagem final, tentando conciliar a arbitrariedade do poder e as exigências da justiça social, não consegue suprimir. Lang tinha ele próprio consciência disso: «A conclusão é falsa, já não a aceitava quando realizei o filme», declara em 1959 aos Cahiers du Cinéma. Atenua esta opinião em 1971: «Thea Von Harbou tinha imaginado que o mediador entre o cérebro dirigente e a mão executante podia ser o coração. Isso pareceu-me então pueril e utópico. Mas compreendo que a juventude dos universitários tenda para essa solução».
Lang estava bem ciente que aquele abraço final, reconciliando o capital e o trabalho, continha em germe a grande alegoria do nacional-socialismo que nessa altura já circulava na Alemanha. Resta é saber se ele comungava com a sua esposa a doutrina ideológica que se desprende do filme. É muito pouco provável, julga-se até que foi a diferença de ideias políticas entre os dois que esteve na origem do divórcio ocorrido em 1933, pouco antes de Lang partir para o exílio, primeiro para Paris e depois para os EUA. Voltemos entretanto à entrevista de 1971: «Quando trabalhava nesta película, agradava-me muito. Anos depois encontrei-lhe inúmeros defeitos. O simbolismo era excessivo. A tese principal era da Srª Von Harbou, mas sou responsável pelo menos por 50%, pois realizei-a. Não estava então tão preocupado com a política como agora. Não se pode fazer uma película social na qual se diz que o intermediário entre a mão e o cérebro é o coração. Isso é um conto de fadas».
“Metropolis”, filme nazi ou progressista? Esta questão sempre esteve no centro das discussões sobre a obra de Lang. Hitler e Goebbels fizeram dele o seu filme de cabeceira, e provavelmente usaram-no como inspiração para todas as atrocidades cometidas e que infelizmente os imortalizaram na História da Humanidade. Refira-se, por exemplo, a estrela pintada na porta da casa de Rotwang ou a imensa escadaria ao cimo da qual os operários são imolados. Georges Sadoul recolheu a história que Jean Lafitte conta no seu livro de memórias, “Nous les Vivants”. Quando entrou pela primeira vez no campo de extermínio de Mauthausen, em 1943, ao subir a gigantesca escada, um prisioneiro desconhecido que caminhava a seu lado perguntou-lhe: «Isto não te faz lembrar o filme “Metropolis” ?»
Resta o admirável triunfo plástico do filme: a marcha lenta dos homens na cidade subterrânea, a geometria impecável dos movimentos da multidão, a imaginação de um novo mundo de objectos (por exemplo, o relógio gigantesco de apenas 10 horas, as de trabalho), a beleza cenográfica - autocarros aéreos, auto-estradas a diversos níveis, o laboratório de Rotwang - e, logo de início, a carga de erotismo dada a Brigitte Helm, de um magnetismo irresistível na sua caracterização de mulher-máquina, que fazem de “Metropolis” um dos momentos altos da arte do mudo, a situar ao lado de uma “Intolerância” de Griffith, por exemplo.
“Metropolis” é, em suma, um soberbo espectáculo cinematográfico e um detestável panfleto político. Mas acredito que ver este clássico na sua época deverá ter proporcionado, para além de uma inegável confusão, uma experiência inolvidável. Considerado por muitos como o primeiro épico da ficção científica, “Metropolis” sofreu, desde a sua estreia, diversas mutilações e apropriações indevidas. Quase se chegou ao cúmulo de haver uma versão diferente consoante o país em que era exibido. Inclusivé foi alvo de uma colorização quando o músico americano Giorgio Moroder comercializou o filme em 1984 com uma nova banda sonora onde pontificavam canções interpretadas por Freddie Mercury, Pat Benatar ou Bonnie Tyler (essa banda sonora foi muito justamente distinguida como a pior banda-sonora de 1985 – os conhecidos Razzie Awards).
“Metropolis” conseguiu resistir a todas estas blasfémias. Agora, a novissima versão disponível em DVD e BLU-RAY, retoma a banda sonora original de Gottfried Huppertz (numa versão actualizada) e inclui 25 minutos de metragem descoberta há dois anos na Argentina, o que amplia a totalidade do tempo da obra para 150 minutos; ainda assim um pouco distante - uma hora inteira - da versão exibida na altura da estreia, que durava 210 minutos. Provavelmente esta será agora a versão de referência e à qual teremos direito nos próximos anos. Mas a fraca qualidade das cenas agora adicionadas (cheias de riscos, que nem toda a tecnologia actual conseguiu eliminar) faz-nos no mínimo interrogar sobre a utilidade de tal adição. Se a obra ganhou em extensão perdeu sem dúvida alguma em uniformidade qualitativa.
Magnífica esta tua análise do filme, amigo Rato, com realce das duas facetas que sempre mantiveram este filme no centro de mil e uma discussões: o argumento melodramático em demasia (e com o tal final irrealista, que o próprio Lang desdenhava) e a esplendorosa visão estética que ainda hoje nos deixa a todos de boca aberta.
ResponderEliminarJá tenho também a nova versão em blu-ray e realmente é uma pena que não se tenha conseguido retirar todos aqueles riscos das novas cenas incorporadas.