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quinta-feira, junho 19, 2025

SLEUTH (1972)

AUTÓPSIA DE UM CRIME
Um filme de JOSEPH L. MANKIEWICZ



Com Laurence Olivier e Michael Caine


GB-EUA / 138 m / COR / 16X9 (1.85:1)



Estreia nos EUA (Nova Iorque) em 10712/1972
Estreia no Reino-Unido (Londres) em 12/7/1973
Estreia em Moçambique (L.M.) em 21/7/1973 (teatro Scala)
Estreia em Portugal (Lisboa) em 18/10/1973 (cinema Londres)




Apenas a circunstância de que no mesmo ano de 1973 Marlon Brando seria galardoado pelo Óscar de melhor actor principal pelo seu trabalho no “Padrinho”, é que impediu a Academia de ter cometido mais uma injustiça. Laurence Olivier e Michael Caine foram ambos nomeados para esse mesmo prémio e tanto um quanto outro o merecia. Mas pronto, Brando é Brando e ainda por cima num dos seus melhores e carismáticos papéis no cinema. Não havia mesmo volta a dar.

Mas Caine e Olivier são assim tão bons em “Sleuth”? Melhor, muito melhor do que isso, estão os dois… perfeitos! Até porque não houve lugar para mais ninguém. A peça de Anthony Schaffer, onde o filme se baseia, já tinha limitado a presença de personagens apenas a dois, tal como depois decorreram as exibições de grande sucesso nos palcos da Broadway e do West End londrino (com Anthony Quayle e Keith Baxter). Felizmente que Mankiewicz não se pôs a inventar, seguindo escrupulosamente quer o argumento (escrito também por Schaffer) quer a peça original. E por isso seria preciso falar mais de um Olivier, certo como nunca, e de um Caine, aprendiz de feiticeiro, que, no sentido próprio e figurado, o secunda, uma vez que, no convite que aqui vos deixo para ver este naco de cinema, não cabe falar de tudo. Nem da esposa que, apesar de ausente da imagem, é, afinal a mola motora, o pretexto à volta do qual tudo gira. Em vertigem.

Tendo começado por ser uma peça de teatro, “Sleuth” soube graciosamente desenvencilhar-se desse perigoso antepassado e assumir-se apenas como um veículo cinéfilo. É que muitos dos filmes que têm tal background não conseguem resistir a uma transcrição pura e simples da peça original, sem acrescentar qualquer criatividade. O que, felizmente, não é o caso. Embora algumas sequências “abram” o cenário, ao aventurarem-se no jardim da mansão, carregada de adereços de Andrew Wyke (Olivier), o drama mantém-se confinado essencialmente à sala de estar, onde os dois actores de diferentes gerações se chocam em estilo, temperamento e método. Mas não é "teatro filmado", a mestria de Mankiewicz encarregou-se de tornear tal obstáculo, muito por causa da impecável “mise-en-scène”.

E de que trata a “Autópsia de um Crime” ("História de um Detective" foi o infeliz título com que o filme correu em Moçambique)? Começa por ser um convite (de Wyke a Milo para poderem falar da mulher que se encontra em vias de transitar de um para o outro), mas esse convite, cordial e muito britânico, rapidamente se vai tornar num múltiplo jogo de confrontação, onde a humilhação, recíproca, começa a ditar a lei do mais forte. E quem será o mais forte, quem sairá vencedor? E que significa isso para o espectador? Significa, entre outras coisas, aceder alegremente aos 138 minutos que o filme dura e ao prazer de seguir os mecanismos de uma inteligência que se deleita na criação puramente lúdica e cujas regras são, afinal, as do próprio jogo cinematográfico de Mankiewicz

Cerimónia iniciática, “Sleuth” divide-se em duas partes separadas por uma elipse. Na primeira parte, Milo penetra no labirinto, atraído pela possessão do ouro ligado à possessão fálica da mulher. Profundo equívoco este, o de um cabeleireiro de senhoras que pretende tirar o seu proveito, no lugar improdutivo do puro ludismo, em tomar a nuvem por Juno, a realidade pelo que é apenas aparência de realidade. Manipulando a seu bel-prazer um espaço onde é rei e senhor, Andrew povoa-lo-á de objectos que, por um lado, participam no seu próprio prazer e, por outro, activam o desejo de Milo, conduzindo-o à sua inversão.

Na segunda parte, despojado já do seu universo, depois da prova da humilhação, Milo volta para oficiar, o feitiço vai voltar-se contra o feiticeiro. Mas atenção! A qualidade do seu jogo é diferente da de Andrew, as regras de ambos não são idênticas. Milo é um batoteiro, o seu jogo é viciado pela presença obsessiva dos seus compromissos com o estatuto social de que faz parte. Entre as duas partes, a elipse de que se falou – espaço da descida aos abismos da humilhação/inversão do desejo, e da ascese que se lhe segue. Ou de como “Sleuth” é a noite do amor: primeiro a atracção, depois a sedução e a progressiva revelação; por fim, a nobilíssima visione: entrega/posse em que tudo se joga, os pressentimentos, enfim a morte – supremo orgasmo.



CURIOSIDADES:

- Sir Michael Caine estava um pouco constragido por estar a trabalhar com Lorde Laurence Olivier e não sabia como se lhe deveria dirigir. Perguntou e Olivier respondeu-lhe: «Bem, eu sou Lorde Olivier e você é o Sr. Michael Caine. Mas isso é só no princípio. A partir de agora eu sou o Larry e o senhor é o Mike

- O riso vindo do "idiota" Jolly Jack Tar é o de Laurence Olivier.

- Sir Michael Caine foi a terceira escolha para o papel de Milo Tindle, depois de Albert Finney (que foi considerado muito rechonchudo) e Sir Alan Bates (que recusou o papel).

- A produção teatral original de "Sleuth" estreou-se na Broadway a 12 de Novembro de 1970. Os protagonistas foram representados por Anthony Quayle como Andrew e Keith Baxter como Milo, teve mil duzentas e vinte e duas apresentações e ganhou o prémio Tony de melhor peça em 1971.

- Laurence Olivier ficou tão impressionado com a actuação de Michael Caine durante a cena em que o personagem de Caine chora histericamente que disse: «Achei que tinha um assistente, Michael. Vejo que tenho um parceiro.» Caine expressou mais tarde que considerou esse o maior elogio que recebeu desde que se tornou actor profissional.

- Trinta e cinco anos depois, em 2007, Kenneth Branagh realizou a remake do filme, com Caine no papel de Andrew e Jude Law no de Milo.

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