terça-feira, julho 31, 2012

DAS CABINET DES DR. CALIGARI (1920)

O GABINETE DO DR. CALIGARI
Um filme de ROBERT WIENE


Com Werner Krauss, Conrad Veidt, Friedrich Feher, Lil Dagover, etc.


ALEMANHA / 78 min / P&B (tingido) / 4X3 (1.33:1)


Estreia na ALEMANHA: 26/2/1920 (Berlin)
Estreia nos EUA: 19/3/1921
Estreia em PORTUGAL: 17/1/1929



Dr. Caligari: «I must know everything. I must penetrate the heart of his secret! 
I must become Caligari!»


Nos anos anteriores à Grande Guerra (quase logo desde o início do século XX), uma nuvem estranha, subtilmente dramática, paira sobre os países europeus. O ritmo da expansão industrial comporta fenómenos irreversíveis que representarão um duro golpe em todas as velhas bases que até aí sustentavam uma sociedade terrivelmente burguesa. Quatro anos de guerra são suficientes para que essa estrutura social vá abaixo. Com o processo de readaptação ou alteração que subitamente eclode, não só se derrubam uma forma de vida e os costumes enraizados, como também se aceleram transformações fundamentais nas ideologias. A partir de 1918, ninguém voltará a pensar como antes da guerra. E surge um novo gosto cultural, se assim se pode chamar, que irá para além da catástrofe bélica, embora, naturalmente, expressando-a e significando-a.
Um novo movimento, o expressionismo, vem substituir o naturalismo literário e o impressionismo. Ao contrário deste último, o expressionismo preconiza uma visão deformada da realidade segundo as normas subjectivas do artista, tendendo à instauração de um "outro" universo, próximo da alucinação. É o regresso em força do romantismo, ligado à angústia trágica dos nossos tempos. Será na Alemanha que este novo movimento se irá impôr com mais força, o que até não é difícil de entender. Arruinado física e espiritualmente, o povo alemão é o mais idóneo para esquecer os antigos moldes, as ideias tradicionais (família, religião, costumes sociais...), que o conduziram a uma situação tão lamentável. O movimento servirá ainda para que a alma germânica se encontre a si mesma. Na angústia, no terror, na incerteza de um futuro, a Alemanha vai encontrar a sua própria tradição artística inspirada fundamentalmente na arte gótica.
Apoiado nos horrores da guerra, o expressionismo alemão, tão variado como contraditório nos seus ideais, fará frutificar o radicalismo que, com frequência, acompanha a desordem. As telas alemãs (e o seu teatro, a sua música e a sua poesia), enchem-se de ideias metafísicas sobre o destino do homem, sobre a culpa, sobre o pecado. O naturalismo da anterior época liberal, cede os seus direitos perante o homem apresentado em toda a complexidade do seu ser, criador do seu novo mundo: um mundo interior, frente ao qual não tem sentido continuar a acreditar nos valores da civilização burguesa, que se tinham revelado tão vazios. A renovação deve surgir da alma.
O cinema expressionista associa-se geralmente mais ao terror do que à ficção científica. Se tivermos em conta que se abre uma etapa cinematográfica absolutamente fundamental para um género tão atractivo como é o terror, esse facto não deixa de ser natural. "O Gabinete do Dr. Caligari" é um dos expoentes máximos do género e, cronologicamente, um dos mais antigos. A sua criação deve-se, antes do mais, a um esforço colectivo, em que o realizador, Robert Wiene, não terá tido papel de grande relevo. Se, como chegou a ser equacionado pelo produtor Erich Pommer, o filme tivesse sido realizado por Fritz Lang, haveria certamente uma maior e decisiva influência no resultado final. Mas Robert Wiene teve sempre bastantes limitações, como o provam os seus filmes subsequentes, apesar de alguns sucessos esporádicos. A cenografia, um dos aspectos fundamentais do filme, esteve a cargo de uma dupla (Hermann Warm e Walter Rohering, que tiveram o apoio de diversos pintores do grupo Der Sturm), bem como o argumento, que resultou da colaboração do escritor checo Hans Janowitz com Carl Mayer, autor de futuros argumentos nos filmes mais notáveis de Lupu Pick, Friedrich Murnau ou Walter Rutmann.
Mas de que trata a história de "O Gabinete do Dr. Caligari"? Um jovem, Franz (Friedrich Feher), narra a um ouvinte intrigado, uma surpreendente história que teve início numa feira. Entre as atrações presentes, um estranho personagem, o Dr. Caligari (Werner Krauss), exibe na sua tenda um sonâmbulo, de nome Cesare (Conrad Veidt) que periodicamente adquire consciência, saindo do estado letárgico em que normalmente se encontra, para responder a perguntas dos espectadores. Cesare prediz a morte de um deles para o dia seguinte, o que realmente vem a acontecer. Logo a seguir verificavam-se mais dois crimes e a noiva do narrador, Jane (Lil Dagover) é raptada em plena noite. O doutor e o seu acólito, que mais se parece com um cadáver ambulante, parecem ser os culpados. Uma vez desmascarado, o Dr. Caligari é internado num manicómio. Só que..., no final do filme, é-nos revelado que as personagens citadas pelo narrador (incluindo ele próprio), vivem todas elas internadas num asilo de loucos. O que é realidade e o que é ficção nesta história demencial? A acreditar nesse final (o close-up final do médico é algo dúbio), podemos portanto concluir que Caligari não passa de uma aparência aos olhos de Franz, uma aparência que o atormentará para além da sua própria loucura. 
A interpretação, crispada e convulsiva, e a caracterização dos actores, convertidos em verdadeiras máscaras ou fantoches, contribuíram para criar um clima de lúgubre pesadelo. "O Gabinete do Dr. Caligari" restituía admiravelmente a poesia inquietante e crepuscular das feiras populares, dos espectáculos ambulantes, e inaugurava duas constantes futuras do filme de terror: a sede de poder e a loucura assassina. Mas foi sobretudo pela estranheza dos seus cenários (fachadas inclinadas, ruas tortuosas em zigue-zague, perspectivas deformadas como portas cuneiformes ou janelas oblíquas), feitos em papel e com as sombras pintadas nas paredes, que "O Gabinete do Dr. Caligari" surpreendeu durante muito tempo. A partir deste filme, o manto negro do bizarro iria alongar-se sobre o cinema alemão até às vésperas do filme falado. A ascenção de Hitler ao poder poria um ponto final a esta expressão da "arte decadente".
Siegfried Kracauer, no seu livro "From Caligari to Hitler", publicado em 1947, analisou esta história em termos de psicanálise social, como expressão de uma reacção contra o autoritarismo, que tinha tornado possível a primeira guerra mundial, e que, persistente como um sedimento sombrio, seria a semente do nazismo. O nome de Caligari procede de uma personagem criada por Stendhal para um dos seus contos italianos, e que esteve na origem do argumento escrito por Janowitz e Mayer. Citando Kracauer, «mais do que um médico de doenças mentais, Caligari é uma personagem alegórica e contém uma reflexão crítica acerca do exercício ilimitado do poder e das suas nefastas consequências.»
Convém de igual modo recordar aqui a dissertação de Émile Vuillermoz sobre o filme: «A força expressiva, alucinante, de tais visões, a unidade, a disciplina e a coesão de tais quadros, o seu equilíbrio, estranho mas infalível, tudo demonstrava a superioridade aterradora de uma obra inteiramente "composta" e obedecendo, nos seus mais ínfimos pormenores, ao pensamento ordenador dum visionário e dum criador.» Esta «superioridade esmagadora» de que falava Vuillermoz, assegurou o sucesso do filme, mesmo contra a incompreensão, que chegou a ser má vontade, especialmente na América, onde a Associação dos Produtores de Hollywood mobilizou os estudantes de Los Angeles para que estes proibissem a entrada do público na sala onde se projectava "O Gabinete do Dr. Caligari".
E para os espectadores alemães de 1919, o filme de Wiene não se identificava com o cinema alemão, mas, pelo contrário, opunha-se a ele, marcando o triunfo dos jovens artistas que haviam imposto o expressionismo e a vanguarda plástica e teatral no mundo do écrã. No cinema alemão de 1919, "O Gabinete do Dr. Caligari" é uma obra isolada, única, revolucionária, que marca o triunfo dos extremos e fustiga quaisquer hábitos e dados adquiridos e consagrados. O filme atirou para o passado, de um dia para outro, as realizações e os estilos da guerra e do pré-guerra, libertou as forças latentes que os cineastas ortodoxos não tinham conseguido libertar. Desligou o cinema alemão do seu passado e ligou o seu destino ao do teatro e das artes de vanguarda, afirmando, assim, o primado do intelectual sobre o comercial.


segunda-feira, julho 30, 2012

ANIVERSARIANTES DA SEMANA:


Dia  30:  Christopher Nolan (42 anos)
Dia  30:  Arnold Schwarzenegger (65 anos)
Dia  30:  Hilary Swank (38 anos)
Dia  30:  Laurence Fishburne (51 anos)
Dia  30:  Jean Reno (64 anos)
Dia  30:  Peter Bogdanovich (73 anos)
Dia  30:  Paul Anka (71 anos)
Dia  30:  Kate Bush (54 anos)
Dia  30:  Buddy Guy (76 anos)
Dia  31:  Geraldine Chaplin (68 anos)
Dia    1:  Sam Mendes (47 anos)
Dia    1:  Giancarlo Giannini (70 anos)
Dia    1:  Nathalie Delon (71 anos)
Dia    2:  Peter O'Toole (80 anos)
Dia    2:  Wes Craven (73 anos)
Dia    2:  Fabio Testi (71 anos)
Dia    3:  Martin Sheen (72 anos)
Dia    3:  John Landis (62 anos)
Dia    3:  Lambert Wilson (54 anos)
Dia    3:  Tony Bennett (86 anos)
Dia    4:  Billy Bob Thornton (57 anos)
Dia    5:  Carole Laure (64 anos)

sexta-feira, julho 27, 2012

MARNIE (1964)

MARNIE
Um filme de ALFRED HITCHCOCK


Com Tippi Hedren, Sean Connery, Diane Baker, Martin Gabel, Louise Latham, Bob Sweeney, Milton Selzer, Alan Napier, Bruce Dern, etc.


EUA / 130 min / COR / 16X9 (1.85:1)


Estreia na GB a 9/7/1964

Estreia nos EUA a 22/7/1964
Estreia no BRASIL a 21/8/1964
Estreia em PORTUGAL a 13/1/1967

Mark Rutland: «But I do want to go to bed, Marnie. 
I very much want to go to bed»

"Marnie" foi o filme que me introduziu à obra de Alfred Hitchcock. Na altura tinha apenas 13 anos e nunca tinha ouvido falar em semelhante nome. O que era perfeitamente natural, porque desconhecia a importância do realizador na execução de um filme. O que me interessava eram apenas os nomes dos actores, e mesmo estes eram quase sempre ilustres desconhecidos. Como neste caso. Não tinha visto qualquer dos filmes de James Bond (e já tinham sido rodados quatro) e portanto Sean Connery era uma autêntica novidade. Bem como Tippi Hendren, entenda-se. Vi o filme durante umas mini-férias em Johannesburg, num daqueles cinemas de sessões contínuas (que apelidávamos de "piolhos"), de aspecto sombrio e frequência duvidosa, mas que faziam as minhas delícias de jovem adolescente.

Havia sempre dois filmes em cartaz e a programação não fugia muito ao cinema fantástico e de ficção-científica (vi por lá muitos monstros "made in Japan"), ao western-spaghetti ou então aos filmes de aventuras, nomeadamente de piratas. Normalmente, quando entrava na sala, lá para o fim da manhã (as sessões começavam bem cedo), um dos filmes já ia a meio e por isso passava longas horas no cinema, até a visão do programa em exibição ficar completa. Lembro-me que havia um tabuleiro corrido à frente e ao longo das cadeiras, onde se colocavam as bebidas e as sandes que íamos consumindo sem despregar os olhos do écran: belos hot-dogs, os que eu comi, com enormes salsichas vermelhas e cheios de tudo e mais alguma coisa.

Mas às vezes os programadores dessas salas deviam enganar-se e lá passavam um filme ou outro diferente do habitual. Como neste caso, no Royalty (assim se chamava este cinema). Nesse dia, 24 de Janeiro de 1967, uma terça-feira, os filmes em exibição chamavam-se "Marnie" e "Massacre na Cidade do Mármore". Deste último desconheço o título original ou mesmo o elenco, pelo que não faço a mínima ideia de que filme se tratava. De qualquer modo não é para aqui chamado, por isso deixem-me avivar as minhas primeiras memórias sobre "Marnie". Foram essencialmente duas: o abate de um cavalo depois deste ter batido com uma das patas traseiras num muro de pedra e o vermelho, uma cor que durante muito tempo associei a "Marnie". Com toda a razão, diga-se, conforme pude constatar em futuras visões, já mais esclarecidas. Mas foi um filme que de certo modo me perturbou na altura, sem contudo ter percebido a razão de tal perturbação. Até porque houve muita coisa da história a que passei ao lado: não havia legendas e a minha compreensão da língua inglesa era practicamente nula naquela altura.

Ao longo dos anos vi todos os agora célebres filmes de Hitchcock (a grande maioria por diversas vezes), tenho os meus favoritos bem sedimentados ("Vertigo", "Notorious", "North By Northwest", "The Wrong Man", "The Birds", "Dial M For Murder", a 2ª versão de "The Man Who Knew Too Much" e este "Marnie" fazem sempre parte do meu Top 10 hitchcockiano), mas aquela primeira visão do filme ainda hoje me assombra, perdurando nas minhas memórias cinéfilas. Realizado em 1964, logo após "The Birds", o filme é a última grande obra de Hitchcock, que depois dela rodaria apenas mais 4: "Torn Curtain" [1966], "Topaz" [1969], "Frenzy" [1972] e "Family Plot" [1976]. Com "Marnie" Hitchcock retomava os temas da anormalidade de comportamento originada na infância, que são comuns a "Spellbound" e a "Psycho", mas agora referentes a um personagem feminino.

Inicialmente Hitchcock tinha pensado em Grace Kelly para protagonista (seria a sua quarta colaboração com o mestre, depois dos êxitos "Dial M For Murder" e "Rear Window", ambos de 1954, e de "To Catch a Thief", de 1955). Mas Grace tornara-se já princesa do Mónaco e o seu regresso ao mundo do cinema (por ela tão desejado) teve de ser plebescitado pela minúscula população do Principado. O resultado foi um rotundo "não"! Grace teve de se contentar com a sua nova condição de soberana e Hitchcock resolveu apostar de novo em Tippi Hedren, que tão boa conta tinha dado de si nos "Pássaros".

"Marnie" é portanto Tippi Hendren, uma mulher solitária, traumatizada, cleptomaníaca, e, como tudo isso não bastasse, sexualmente frígida, com uma repulsa constante a ser tocada pelo sexo oposto, aqui representado pelo charmoso e atlético Sean Connery então nos píncaros da fama por causa dos seus filmes de agente secreto 007 com ordem para matar. Mark Rutland (assim se chama o personagem de Connery), assume o papel de libertador dos traumas de Marnie, a ponto de forçar um casamento sem grandes perspectivas de futuro. Hitchcock joga com a complexidade das relações Marnie-Mark, procurando tornar evidente a sua interdependência, os seus jogos de ocultações e de disfarces, de mistérios e de surpresas, de aparências e de realidades.

Ao contrário de outros filmes, Hitchcock não se fica pela alusão e chama as coisas pelo seu nome. Marnie é mesmo frígida, apesar de tanto nós como Sean Connery só darmos por isso quase a meio do filme. A viagem de núpcias por barco é um desastre. Depois da consumação à força do casamento (trata-se inequivocamente de uma violação), Marnie chega a tentar o suicídio, atirando-se para a piscina do barco. Aterrorizada pela cor vermelha, vítima de horríveis pesadelos, Marnie é uma neurótica e a cleptomania não é mais do que uma compensação para a frigidez.

Truffaut tinha uma predilecção especial por "Marnie" e numa das suas célebres entrevistas com o mestre do suspense, Hitchcock confessava-lhe: «Se eu tivesse utilizado, como no meu velho filme inglês "Murder", o processo do monólogo interior, ouviríamos Sean Connery dizer a si próprio: - "Desejo que ela se apresse a cometer novo roubo, para poder apanhá-la em flagrante e possuí-la finalmente". Desse modo, conseguiria um duplo suspense. Filmaríamos sempre Marnie do ponto de vista de Mark e mostraríamos a sua satisfação quando vê a rapariga cometer o roubo. Para falar cruamente, deveria ter mostrado Sean Connery surpreendendo a ladra diante do cofre-forte, desejoso de lhe saltar para cima e de a violar ali mesmo. Mas não podemos realmente representar estas coisas no écrã, porque o público recusaria, dizendo. «Oh, não! Isso não!...»

Transcreve-se de seguida um extracto da crítica de João Bénard da Costa sobre o filme: «Tal como "Spellbound", "Marnie" só aparentemente é um filme sobre a psicanálise. É um filme sobre o desejo sexual, correlativo, no universo católico que forma e informa Hitchcock, do tema da culpa. Se "The Birds" é o ponto culminante da interrogação de Hitch sobre a culpa, "Marnie" é o seu equivalente sobre o tema do desejo e da sua culpada associação ao Mal. Porque nenhumas das associações psicanalíticas do filme explica Marnie ou Mark, ou explica a atracção que os leva um para o outro, ou um contra o outro.

O primeiro plano do filme mostra-nos as imagens de um livro a desfolhar-se. Como esse livro, Marnie é um personagem que quer ser aberto. Ao cavalo que Mark lhe dá e que tanto ama, dirá a certa altura: «Se queres morder alguém, morde-me a mim.» Depois dessas imagens, destacam-se no silêncio os passos de Marnie, levando na mão duas carteiras de pele de crocodilo, uma cinzenta, outra amarela. Essas duas cores acompanham a protagonista ao longo de todo o filme. E na cantilena final das crianças faz-se referência a uma "senhora de carteira de crocodilo" chamada em vez do médico, quando tudo fica pior. A referência é obscura, mas não será ousado ver nessa senhora uma metáfora da morte. Por isso, a revelação do episódio da infância nada resolve. A frigidez de Marnie é a máscara do seu desejo, forma suprema de voracidade sexual.

A certa altura do filme, a mãe diz a Marnie que as únicas coisas que amamos são aquelas que nunca conseguimos dizer. "Marnie" é um filme sobre o indizível do sexo e do desejo e sobre o absurdo de os tentar compreender através da psicanálise ou de outra explicação qualquer. Num filme em que estamos sempre descentrados (nunca nos identificamos com Mark, nunca nos identificamos com Marnie - o que é, de certo modo, novo na obra de Hitch - e talvez daí a perplexidade do espectador), o ponto de vista é o da fissura entre a total assunção do desejo e a sua total recusa. Para desejarmos totalmente, temos totalmente que nos reter. Nenhuma explicação explica, nenhuma palavra liberta. Só o mistério total pode conduzir ao que é totalmente misterioso. "Marnie" é o filme do indizível. Por isso acaba, sem saída, em trompe l'oeil, num cenário em que todas as perspectivas estão distorcidas.»

CURIOSIDADES:

- Evan Hunter, argumentista que já tinha trabalhado com Hitchcock em "The Birds", opôs-se fortemente a escrever a cena em que Mark viola Marnie durante a lua-de-mel. Hitchcock despediu-o de imediato e contratou uma mulher, Jay Presson Allen, que não teve qualquer problema, dizendo inclusivé que a cena realçava o carisma de Sean Connery. Hitch confessou mais tarde que aquela cena tinha sido a razão principal pela qual fizera o filme

- Para filmar as cenas de Marnie a cavalgar, Hitchcock usou um cavalo mecânico da Disney. Aliás, é bem visível a utilização de cenários durante essas sequências (um dos aspectos menos conseguidos do filme)

- Depois de filmar algumas cenas com Connery, Tippi Hedren perguntou a Hitchcock se ela tinha mesmo de ser frígida. «Have you seen him?», perguntou a actriz, referindo-se ao jovem e musculado Connery. «Yes, my dear, it's called acting», respondeu Hitchcock.

- Tippi Hedren e Hitchcock desentenderam-se variadíssimas vezes no set, tendo a actriz mais tarde confessado que a amizade que a ligara ao realizador tinha acabado  no final das filmagens, apesar de "Marnie" ser o seu filme favorito entre todos aqueles que protagonizou

- Foi depois de verem algumas cenas do primeiro filme de Sean Connery como James Bond ("Dr. No"), que Hitchcock e a argumentista Jay Presson Allen decidiram de imediato contratar a jovem estrela para o papel de Mark, apesar de o não considerarem como o típico aristocrata americano retratado no livro de Winston Graham




- A música de "Marnie" foi a última colaboração de Bernard Harmann com Hitchcock

- O filme estreou-se em Nova Iorque numa sessão dupla. O outro filme, "Never Put It In Writing", era interpretado por Pat Boone

- Depois de se ter visto impossibilitado de contratar Grace Kelly (por imposição da população do Mónaco, que não viram com bons olhos que a sua soberana voltasse ao mundo do cinema), e antes de se decidir por Tippi Hedren, Hitchcock ainda pensou nas actrizes Eva Marie Saint, Lee Remick, Vera Miles, Claire Griswold e Susan Hampshire. Catherine Deneuve declarou mais tarde em entrevistas que teria adorado interpretar o papel de Marnie

- O filme foi filmado entre 26 de Novembro de 1963 e 19 de Março de 1964, e teve um orçamento de cerca de 3 milhões de dólares

- A aparição de Hitchcock (cameo obrigatório em grande parte dos seus filmes), ocorre logo no início, a saír de uma porta no corredor do hotel onde Marnie se dirige para trocar de identidade


LOBBY CARDS:

PORTFOLIO - "MARNIE" (1964)